18.5.06

Pela paz, a punição

Gabeira acha que atribuir violência só ao social é "visão alienante" do problema

Militante das boas causas, o deputado Fernando Gabeira anda um tanto farto da conversa - "boa para boi dormir" - segundo a qual o avanço da criminalidade só será contido quando houver justiça social. Na opinião dele, esse tipo de raciocínio reflete uma "visão alienante" com origem na esquerda, e ainda com grande aceitação em parte dela, referida no pressuposto de que se há igualdade não há violência.

Na concepção de Gabeira, urge uma mudança de atitude, tanto por parte do poder público, que precisa ter estratégia, visão de conjunto, agilidade e instrumentos para reagir com ações específicas em situações como as de São Paulo, como também daquela parcela da sociedade que se mobiliza, protesta, mas o faz de uma forma ineficaz e, até certo ponto, ingênua.

"Na Espanha, por exemplo, diante dos atentados terroristas a população vai para as ruas exigir a punição dos culpados. Aqui, as pessoas se vestem de branco e fazem passeatas pela paz. É inteiramente diferente a lógica da ação, embora ambas tenham como objetivo a paz."

A "visão alienante" é, na opinião de Gabeira, também paralisante. "Imaginar que tudo se resolve pelo social é acreditar que os países ricos não têm problemas de segurança pública."

Para o deputado, esse tipo de "resposta clássica" ante a ocorrência de episódios dramáticos, além de traduzir apenas uma parte da realidade, pois é óbvia a influência das más condições de vida no comportamento dos que caem no crime, "é uma maneira excelente de não se enfrentar a questão que ameaça os cidadãos aqui e agora. Ninguém pode esperar o país ficar rico na esperança de, assim, recuperar o terreno perdido para o crime organizado".

Enquanto os pré-candidatos a presidente da República trocavam acusações em Brasília em torno da responsabilidade federal ou estadual sobre os ataques terroristas que assolaram São Paulo durante quatro dias e faziam discursos indignados sobre coisas que a sociedade está cansada de saber, Fernando Gabeira pegou um avião na terça-feira à tarde e foi a São Paulo conversar com o governador Cláudio Lembo, pôr o mandato à disposição e ponderar sobre a necessidade de ações fortes e conjuntas das forças federais e estaduais.

Um ato aparentemente isolado, sem conseqüência prática, mas que, se fosse acompanhado, por exemplo, por todos os candidatos à Presidência e mais alguns outros tantos pretendentes a governos de Estado, poderia dar a dimensão do interesse e do empenho dos representantes populares no enfrentamento da criminalidade como questão não de política partidária, mas de Estado.

"É preciso aproveitar este momento para avançar, antes que os ânimos serenem, a indignação se reduza e retomemos a habitual tendência de empurrar as coisas com a barriga até o próximo drama, as próximas mortes, a próxima manifestação do poder que o crime organizado tem de aprisionar uma cidade pela imposição do medo, da ameaça à vida."

Há, na opinião dele, uma série de atitudes objetivas perfeitamente ao alcance do poder público. Gabeira falou de duas delas com o governador de São Paulo: a montagem de uma contra-ofensiva envolvendo polícias e Exército para aproveitar as pistas, as armas apreendidas e as informações das pessoas presas agora, seria uma.

A outra, o exame da possibilidade de implantar um sistema eletrônico para o monitoramento permanente dos presídios, com o objetivo de prevenir rebeliões e levantes de rua orientados de dentro das cadeias. "É o caso de analisar o custo e o benefício", diz o deputado.

Há, também, alterações de atitude indispensáveis de serem postas em prática de imediato, enquanto o tamanho do problema ainda está vivo nas memórias: "A inteligência, que sempre considerou segurança um tema menor, precisaria mergulhar nele como objeto de estudo e a sociedade pôr em prática seu poder de cobrança não de uma forma dispersiva, boa para aplacar consciências, mas insuficiente para sacudir as estruturas, tirá-las da indolência e atacar o inimigo com força à altura de seu poderio."


Cultura do acordão

Os acertos entre autoridades e a bandidagem não são novidade e em larguíssima medida estão na origem do avanço do crime organizado no Rio de Janeiro, onde na década de 80 eram feitos sem grande cerimônia e mais ou menos à vista de todos, sob a chancela do respeito às especificidades das populações das favelas "protegidas" pelos chefes do crime, que assumiam tarefas atinentes ao poder público na promoção do "bem-estar social" das comunidades.

Guardadas medianas proporções, essa vocação para acertos de acomodação criminosa manifestou-se recentemente no Congresso Nacional, na figura dos acordos para absolvição de deputadas, clara, franca e comprovadamente envolvidos no escândalo do mensalão.

É assim que se contamina uma sociedade, desmoralizam-se as instituições, anestesiam-se as consciências e perde-se de vez a referência moral.

cha que atribuir violência só ao social é "visão alienante" do problema

Dora Kramer

Militante das boas causas, o deputado Fernando Gabeira anda um tanto farto da conversa - "boa para boi dormir" - segundo a qual o avanço da criminalidade só será contido quando houver justiça social. Na opinião dele, esse tipo de raciocínio reflete uma "visão alienante" com origem na esquerda, e ainda com grande aceitação em parte dela, referida no pressuposto de que se há igualdade não há violência.

Na concepção de Gabeira, urge uma mudança de atitude, tanto por parte do poder público, que precisa ter estratégia, visão de conjunto, agilidade e instrumentos para reagir com ações específicas em situações como as de São Paulo, como também daquela parcela da sociedade que se mobiliza, protesta, mas o faz de uma forma ineficaz e, até certo ponto, ingênua.

"Na Espanha, por exemplo, diante dos atentados terroristas a população vai para as ruas exigir a punição dos culpados. Aqui, as pessoas se vestem de branco e fazem passeatas pela paz. É inteiramente diferente a lógica da ação, embora ambas tenham como objetivo a paz."

A "visão alienante" é, na opinião de Gabeira, também paralisante. "Imaginar que tudo se resolve pelo social é acreditar que os países ricos não têm problemas de segurança pública."

Para o deputado, esse tipo de "resposta clássica" ante a ocorrência de episódios dramáticos, além de traduzir apenas uma parte da realidade, pois é óbvia a influência das más condições de vida no comportamento dos que caem no crime, "é uma maneira excelente de não se enfrentar a questão que ameaça os cidadãos aqui e agora. Ninguém pode esperar o país ficar rico na esperança de, assim, recuperar o terreno perdido para o crime organizado".

Enquanto os pré-candidatos a presidente da República trocavam acusações em Brasília em torno da responsabilidade federal ou estadual sobre os ataques terroristas que assolaram São Paulo durante quatro dias e faziam discursos indignados sobre coisas que a sociedade está cansada de saber, Fernando Gabeira pegou um avião na terça-feira à tarde e foi a São Paulo conversar com o governador Cláudio Lembo, pôr o mandato à disposição e ponderar sobre a necessidade de ações fortes e conjuntas das forças federais e estaduais.

Um ato aparentemente isolado, sem conseqüência prática, mas que, se fosse acompanhado, por exemplo, por todos os candidatos à Presidência e mais alguns outros tantos pretendentes a governos de Estado, poderia dar a dimensão do interesse e do empenho dos representantes populares no enfrentamento da criminalidade como questão não de política partidária, mas de Estado.

"É preciso aproveitar este momento para avançar, antes que os ânimos serenem, a indignação se reduza e retomemos a habitual tendência de empurrar as coisas com a barriga até o próximo drama, as próximas mortes, a próxima manifestação do poder que o crime organizado tem de aprisionar uma cidade pela imposição do medo, da ameaça à vida."

Há, na opinião dele, uma série de atitudes objetivas perfeitamente ao alcance do poder público. Gabeira falou de duas delas com o governador de São Paulo: a montagem de uma contra-ofensiva envolvendo polícias e Exército para aproveitar as pistas, as armas apreendidas e as informações das pessoas presas agora, seria uma.

A outra, o exame da possibilidade de implantar um sistema eletrônico para o monitoramento permanente dos presídios, com o objetivo de prevenir rebeliões e levantes de rua orientados de dentro das cadeias. "É o caso de analisar o custo e o benefício", diz o deputado.

Há, também, alterações de atitude indispensáveis de serem postas em prática de imediato, enquanto o tamanho do problema ainda está vivo nas memórias: "A inteligência, que sempre considerou segurança um tema menor, precisaria mergulhar nele como objeto de estudo e a sociedade pôr em prática seu poder de cobrança não de uma forma dispersiva, boa para aplacar consciências, mas insuficiente para sacudir as estruturas, tirá-las da indolência e atacar o inimigo com força à altura de seu poderio."


Cultura do acordão

Os acertos entre autoridades e a bandidagem não são novidade e em larguíssima medida estão na origem do avanço do crime organizado no Rio de Janeiro, onde na década de 80 eram feitos sem grande cerimônia e mais ou menos à vista de todos, sob a chancela do respeito às especificidades das populações das favelas "protegidas" pelos chefes do crime, que assumiam tarefas atinentes ao poder público na promoção do "bem-estar social" das comunidades.

Guardadas medianas proporções, essa vocação para acertos de acomodação criminosa manifestou-se recentemente no Congresso Nacional, na figura dos acordos para absolvição de deputadas, clara, franca e comprovadamente envolvidos no escândalo do mensalão.

É assim que se contamina uma sociedade, desmoralizam-se as instituições, anestesiam-se as consciências e perde-se de vez a referência moral.
Dora Kramer