4.5.06

Nas mãos de Chávez

O presidente Hugo Chávez tem um plano para desarticular a liderança do Brasil na América do Sul, e nas duas últimas semanas intensificou sua ofensiva numa série de reuniões-surpresa que deixaram o Itamaraty atônito, visto o efeito devastador para a integração. A demanda das maiorias sociais na Bolívia pela nacionalização de suas reservas de gás não seria possível, neste momento, sem a generosa ajuda do mandatário venezuelano. Além de oferecer apoio técnico e créditos superiores a US$ 100 milhões para manter em operação as refinarias que forem expropriadas, Chávez mantém assessores políticos dentro do governo de La Paz.

Desde a posse de Morales em janeiro, policiais venezuelanos fazem a segurança do mandatário boliviano e agentes de inteligência monitoram as comunicações de autoridades políticas e diplomáticas. O líder cubano, Fidel Castro, também auxilia seu mais novo pupilo com uma brigada de médicos e espiões. Para citar dois exemplos: há cerca de 10 dias, policiais bolivianos fizeram uma revista numa casa no centro da capital boliviana. Eles investigavam uma suposta denúncia de tráfico de drogas, mas se depararam com uma central de escuta telefônica ilegal, operada por dois homens - um de origem venezuelana e um cubano. Uma fonte policial confirmou ao Correio que o caso foi classificado como “de segurança nacional” e não há informações do paradeiro dos estrangeiros.

Em outra situação, um funcionário da Petrobras relatou à reportagem que recebeu no mês passado visita de inspeção do governo nas instalações da refinaria de San Alberto (Departamento de Tajira, no sul do país). Ao perceber que alguns dos funcionários conversavam com sotaque diferente, decidiu perguntar de onde eram. A resposta foi imediata e sem qualquer inibição. “Somos de Maracaibo, Venezuela”, confirmou um deles.

Segredos
Mas com o preço do petróleo em alta e maioria absoluta do Congresso, Chávez sente que pode estender sua influência para além das fronteiras andinas, como prova o processo de articulação diplomática que iniciou há duas semanas numa reunião-surpresa em Assunção. Em encontro a portas fechadas com o anfitrião, Nicanor Duarte Frutos, e os presidentes Evo Morales e Tabaré Vázquez (Uruguai), o venezuelano, que estava acompanhado do chanceler cubano, Felipe Pérez Roque, procurou dissuadir os dois membros menores do Mercosul de procurar acordos de livre comércio com os Estados Unidos.

Longe de querer fortalecer o bloco do Cone Sul ao qual está em processo de adesão, Chávez tentou convencer seus interlocutores a aderirem a sua Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba). À imprensa, ele rendeu críticas à Colômbia e ao Peru por assinarem Tratados de Livre Comércio (TLC) com os EUA e anunciou a morte da Comunidade Andina de Nações (CAN). Em seguida, estendeu suas críticas ao Mercosul. Na reunião, prometeu financiar um gasoduto ligando a Bolívia ao Paraguai e ao Uruguai para abastecer esses países com o combustível boliviano. O projeto, do qual Brasil e Argentina foram excluídos, também receberia recursos da Corporação Andina de Fomento (CAF).

Chávez também prometeu a Tabaré importar carne uruguaia e, a Duarte Frutos, construir uma fábrica de diesel sintético em Puerto Casado. A planta, “com capacidade de 50 mil barris diários”, seria abastecida com o gás boliviano, como disse ontem o ministro dos Hidrocarbonetos boliviano, Andrés Solíz. Nesse dia, em conversa privada, Chávez questionou Morales sobre a nacionalização do gás. Incentivou o boliviano a preparar o decreto presidencial e ambos o revisariam dali a uma semana, numa nova reunião-surpresa em Havana (Cuba).

Desculpas
Ao deixar Assunção, Chávez foi a Curitiba (PR). Assinou acordos comerciais de US$ 300 milhões com o governador Roberto Requião (PMDB) e se reuniu reservadamente com o coordenador-geral do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile. Depois discursou para 2 mil integrantes do movimento. No final do dia, jantou no Palácio da Alvorada, em Brasília. Desculpou-se com o presidente Lula das críticas que fez ao Mercosul e procurou tranqüilizá-lo. “Eu queria ajudar mas na verdade fui como bombeiro e saí queimado”, disse Chávez a Lula, segundo testemunhas.

No dia seguinte, formalizou sua saída da CAN e voltou a atacar o Mercosul. Uma semana depois, num encontro com Lula e Kirchner em São Paulo, voltou a se retratar. O mandatário argentino classificou sua postura como “infantil”, mas achou que não valia a pena mais desgaste político ante a expectativa de se avançar no projeto do supergasoduto do sul — projeto de US$ 20 bilhões que prevê levar gás venezuelano para Brasil e Argentina. Na última sexta-feira, Fidel anunciou que receberia Chávez e Morales no fim de semana para uma reunião na capital cubana, onde o boliviano assinaria sua adesão à Alba e os três assinariam o chamado Tratado de Comércio dos Povos (TCP). Lá, o venezuelano anunciou a construção de uma petroquímica na Bolívia de US$ 30 milhões, além de crédito extra de US$ 100 milhões para La Paz.
Correio Braziliense

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