Os defeitos econômicos do Brasil vão ficar mais nítidos daqui para frente
As disfunções da economia brasileira vão ficar mais evidentes nos próximos meses. E, tudo indica, ao invés de enfrentá-las, o governo tende a piorá-las. A instabilidade vivida pelos mercados financeiros mundiais na semana passada — bolsas em queda, dólar em alta —, mesmo estancada momentaneamente na sexta-feira, vai retornar. E o Brasil, é claro, vai ser arrastado pelo turbilhão, pois só estaria protegido se estivesse em outro planeta.
Começam a se intensificar os movimentos que vão encerrar o período de bonança que predominou nos últimos anos na economia mundial. Temos tratado com freqüência do tema neste espaço, a última vez no final de abril. Por enquanto, os economistas não apontam uma ruptura abrupta, mas a piora do quadro geral deve prosseguir. O país aproveitou uma onda muito favorável nos últimos anos, com abundância de capitais em busca de alta rentabilidade e disposição em assumir risco elevados, comércio mundial acelerado e forte demanda por matérias-primas, das quais somos grandes produtores.
O que ficou evidente nos últimos dias é que o Brasil ainda é um lugar aonde os investidores só vêm para receber grandes prêmios: juros elevados altíssimos, ações em alta acentuada etc. Qualquer tremor e os capitais levantam vôo. O medo vem das fragilidades da nossa economia. Na fronteira externa, com o resgate de grande parte dos débitos externos — inclusive o pagamento antecipado dos empréstimos com o Fundo Monetário Internacional —, a eliminação dos papéis atrelados à variação cambial, o enorme fluxo de dólares provenientes das exportações e o aumento das reservas formaram um muro que proporciona uma segurança inédita. Mas não existe nada 100% seguro.
Declínio
Os problemas não costumam vir sozinhos, reconhece a sabedoria popular. E no campo econômico caminhamos para receber uma seqüência, uma má notícia puxando outra. A instabilidade dos mercados desestimula os investidores e os consumidores. A produção mundial pode declinar e, portanto, a demanda pelas nossas commodities pode recuar. Já há quem duvide que as exportações atinjam os US$ 132 bilhões projetados para este ano. Menos exportações implicam balança comercial menos folgada.
Apesar do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, comemorar um saldo esperado de US$ 45 bilhões entre importações e exportações (leia matéria ao lado), em um cenário de desaceleração o resultado pode não se realizar. E o próprio Meirelles admite um provável arrefecimento moderado da atividade mundial.
Saldo menor da balança significa menos abundância de dólares no mercado doméstico. Bom para apreciar a moeda norte-americana frente ao real, mas elevará o custo de formação das reservas nacionais. O aspecto positivo é que o governo aproveitou os tempos de bonança para erradicar dois pontos de vulnerabilidade: a dívida externa e os títulos públicos atrelados ao câmbio.
Inércia
Mas as outras fraquezas — ou disfunções, como chamei — permanecem praticamente inalteradas. Ou vêm se deteriorando. O desequilíbrio fiscal é, de longe, o mais grave. Quando o governo fala em superávit, trata do resultado das contas públicas antes de pagar a dívida que vence. É o resultado primário, cuja meta para 2006 é de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), algo em torno de R$ 90 bilhões. Mas o gasto só com o pagamento dos juros é muito superior a essa cifra. A diferença é incorporada à dívida pública, que vai crescendo, crescendo, crescendo… e está em R$ 1 trilhão atualmente. É o déficit nominal, ou seja, o Estado não consegue pagar suas despesa correntes e os juros do que deve à praça.
Fernando Henrique Cardoso não conseguiu domar o desequilíbrio fiscal em seu primeiro mandato. Só depois de três intensas crises externas — do México, em 95, a asiática, em 97 e a russa, em 98. Só na última, depois de recorrer ao FMI, a questão foi realmente enfrentada pela equipe do então ministro Pedro Malan, que executou um superávit no último trimestre do ano e o manteve a partir de 1999. Mesmo assim, o país foi a bola da vez e, no começo de 99, mudou o regime cambial e trocou a diretoria do BC.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se aproxima de um momento de teste equivalente ao vivido pelo antecessor. Até agora, com um clima mundial favorável, foi fácil. O difícil está por vir. A mudança no cenário mundial exige dele encarar os problemas de governar um país vulnerável em momento desfavorável. Se mantiver o padrão de comportamento atual, Lula não mexe no que realmente precisa ser tocado: os gastos públicos. Vivemos três anos de expansão das despesas abençoadas com o dinheiro dos impostos cobrado das pessoas e das empresas, com carga e valores cada vez maiores. E engrenamos o quarto no mesmo ritmo. Na semana passada essa atitude ficou clara. Nas contas entre janeiro e abril, o governo gastou R$ 14,5 bilhões a mais do que no mesmo período de 2005.
Quando a instabilidade piorar, vai depender de Lula e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, tomar as decisões difíceis e impopulares no interesse do próprio país. Estão prontos?
Correio Brasiliense
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