29.5.06

Mais perto da hora da prova

Os defeitos econômicos do Brasil vão ficar mais nítidos daqui para frente
As disfunções da economia brasileira vão ficar mais evidentes nos próximos meses. E, tudo indica, ao invés de enfrentá-las, o governo tende a piorá-las. A instabilidade vivida pelos mercados financeiros mundiais na semana passada — bolsas em queda, dólar em alta —, mesmo estancada momentaneamente na sexta-feira, vai retornar. E o Brasil, é claro, vai ser arrastado pelo turbilhão, pois só estaria protegido se estivesse em outro planeta.
Começam a se intensificar os movimentos que vão encerrar o período de bonança que predominou nos últimos anos na economia mundial. Temos tratado com freqüência do tema neste espaço, a última vez no final de abril. Por enquanto, os economistas não apontam uma ruptura abrupta, mas a piora do quadro geral deve prosseguir. O país aproveitou uma onda muito favorável nos últimos anos, com abundância de capitais em busca de alta rentabilidade e disposição em assumir risco elevados, comércio mundial acelerado e forte demanda por matérias-primas, das quais somos grandes produtores.
O que ficou evidente nos últimos dias é que o Brasil ainda é um lugar aonde os investidores só vêm para receber grandes prêmios: juros elevados altíssimos, ações em alta acentuada etc. Qualquer tremor e os capitais levantam vôo. O medo vem das fragilidades da nossa economia. Na fronteira externa, com o resgate de grande parte dos débitos externos — inclusive o pagamento antecipado dos empréstimos com o Fundo Monetário Internacional —, a eliminação dos papéis atrelados à variação cambial, o enorme fluxo de dólares provenientes das exportações e o aumento das reservas formaram um muro que proporciona uma segurança inédita. Mas não existe nada 100% seguro.

Declínio
Os problemas não costumam vir sozinhos, reconhece a sabedoria popular. E no campo econômico caminhamos para receber uma seqüência, uma má notícia puxando outra. A instabilidade dos mercados desestimula os investidores e os consumidores. A produção mundial pode declinar e, portanto, a demanda pelas nossas commodities pode recuar. Já há quem duvide que as exportações atinjam os US$ 132 bilhões projetados para este ano. Menos exportações implicam balança comercial menos folgada.
Apesar do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, comemorar um saldo esperado de US$ 45 bilhões entre importações e exportações (leia matéria ao lado), em um cenário de desaceleração o resultado pode não se realizar. E o próprio Meirelles admite um provável arrefecimento moderado da atividade mundial.
Saldo menor da balança significa menos abundância de dólares no mercado doméstico. Bom para apreciar a moeda norte-americana frente ao real, mas elevará o custo de formação das reservas nacionais. O aspecto positivo é que o governo aproveitou os tempos de bonança para erradicar dois pontos de vulnerabilidade: a dívida externa e os títulos públicos atrelados ao câmbio.

Inércia
Mas as outras fraquezas — ou disfunções, como chamei — permanecem praticamente inalteradas. Ou vêm se deteriorando. O desequilíbrio fiscal é, de longe, o mais grave. Quando o governo fala em superávit, trata do resultado das contas públicas antes de pagar a dívida que vence. É o resultado primário, cuja meta para 2006 é de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), algo em torno de R$ 90 bilhões. Mas o gasto só com o pagamento dos juros é muito superior a essa cifra. A diferença é incorporada à dívida pública, que vai crescendo, crescendo, crescendo… e está em R$ 1 trilhão atualmente. É o déficit nominal, ou seja, o Estado não consegue pagar suas despesa correntes e os juros do que deve à praça.
Fernando Henrique Cardoso não conseguiu domar o desequilíbrio fiscal em seu primeiro mandato. Só depois de três intensas crises externas — do México, em 95, a asiática, em 97 e a russa, em 98. Só na última, depois de recorrer ao FMI, a questão foi realmente enfrentada pela equipe do então ministro Pedro Malan, que executou um superávit no último trimestre do ano e o manteve a partir de 1999. Mesmo assim, o país foi a bola da vez e, no começo de 99, mudou o regime cambial e trocou a diretoria do BC.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se aproxima de um momento de teste equivalente ao vivido pelo antecessor. Até agora, com um clima mundial favorável, foi fácil. O difícil está por vir. A mudança no cenário mundial exige dele encarar os problemas de governar um país vulnerável em momento desfavorável. Se mantiver o padrão de comportamento atual, Lula não mexe no que realmente precisa ser tocado: os gastos públicos. Vivemos três anos de expansão das despesas abençoadas com o dinheiro dos impostos cobrado das pessoas e das empresas, com carga e valores cada vez maiores. E engrenamos o quarto no mesmo ritmo. Na semana passada essa atitude ficou clara. Nas contas entre janeiro e abril, o governo gastou R$ 14,5 bilhões a mais do que no mesmo período de 2005.
Quando a instabilidade piorar, vai depender de Lula e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, tomar as decisões difíceis e impopulares no interesse do próprio país. Estão prontos?
Correio Brasiliense

Nenhum comentário: