12.5.06

Caracas

Caracas, a capital mundial do crime
Venezuelanos, frustrados com os casos de violência do país, tornam o problema uma questão política
O inchaço no rosto de Dorian Ricardo está avermelhado no centro, marcando o ponto exato em que a coronha de um revólver o atingiu antes de o assaltante levar seu conjunto de ferramentas de eletricista, no valor de US$ 100.
Agora ele pensa em vingança. Diante do posto policial onde registrará a ocorrência, Ricardo, de 41 anos, admite ter perdido a fé no sistema judicial venezuelano. Mas por cerca de US$ 50, diz ele, é possível contratar alguém para matar o ladrão.
"Se você não é rico, a polícia não liga para seu caso", afirmou Ricardo, que descreveu o agressor como um bandido do bairro. "É por isso que tanta gente decide fazer justiça com as próprias mãos. É preciso fazer algo para proteger a família. Tenho de fazer alguma coisa, pois vejo o homem que fez isso todo dia." Esse tipo de ciclo permite que a Venezuela reclame o nada invejável título de capital mundial do crime violento. Segundo dados da ONU, os índices da violência envolvendo armas de fogo na Venezuela são os maiores do planeta. O mau cheiro que sai do escritório policial - um prédio que também funciona como necrotério - é subproduto de um índice de homicídios que nos últimos anos ofuscou o da Colômbia, país abalado por 40 anos de choques entre milícias armadas. Os disparos de armas são tão freqüentes em Caracas que mesmo o caminhão que transporta corpos das favelas para o necrotério tem um buraco de bala na porta do motorista.
A frustração dos venezuelanos com relação ao problema tornou-se recentemente uma questão política, com protestos exigindo que o governo do presidente Hugo Chávez faça algo para deter a violência. Tentando transformar a criminalidade num tema central da eleição presidencial de dezembro, os oponentes de Chávez o acusam de ter ignorado o problema após chegar ao poder, em 1999.
Muitos manifestantes afirmam que Chávez dividiu a sociedade venezuelana com suas críticas freqüentes dirigidas à classe alta, uma retórica que, segundo eles, incita as classes mais baixas à violência contra os ricos. Eles também argumentam que os crimes contra os pobres são ignorados por uma força policial marcada pela corrupção.
A Venezuela, com 26 milhões de habitantes, registrou média de 10 mil homicídios por ano desde a posse de Chávez. O índice de homicídios, 37 por 100 mil habitantes, mais que dobrou em relação aos anos 90.
Embora o número de homicídios registrados tenha atingido um pico de 11.900 em 2003, a indignação pública chegou ao auge nas últimas semanas. Três irmãos adolescentes de origem canadense foram encontrados mortos com seu motorista após terem sido seqüestrados por homens armados usando uniformes policiais em Caracas. E um empresário de origem italiana foi morto após ter sido seqüestrado num bloqueio de estrada perto da capital.
Entre os suspeitos presos no caso estão um policial e um ex-policial. Seu possível envolvimento sublinha o sentimento de muitos venezuelanos em relação à polícia: ela é parte do problema, não a solução.
"Aqui, tudo funciona com dinheiro", disse Sandra Molina, reclamando da corrupção policial. "Só esperamos que o homem que fez isso não encontre alguém que possa ser pago para fazer tudo desaparecer." O governo respondeu prometendo reformas na polícia e um programa de recompra de armas. Mas é improvável que isso acalme o temor dos que acreditam que a solução do problema exige mudanças mais profundas.
"Historicamente, a resposta característica do governo venezuelano é a evasão, seguindo o caminho mais fácil e evitando assumir qualquer responsabilidade", afirmou Rafael Rivero Muñoz, fundador de uma das principais unidades policiais de investigação do país e hoje consultor. "Não há vontade política para mudar isso, pois o crime causa medo e este ajuda o governo a controlar o povo. Nem o governo nem a oposição querem destruir o mecanismo que os ajudará no futuro."
Estadão