Antes que se faça a avaliação superficial de que o projeto do senador José Jorge (PFL-PE) - aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado -, restringindo a concessão de liminares no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de decisão solitária de um de seus ministros, é uma simples "vingança" contra a excessiva intervenção da Alta Corte nos domínios das Casas Legislativas, é bom lembrar que o projeto do senador pernambucano antecede as instalações das momentosas CPIs em andamento ou recém-concluídas. De qualquer forma - e talvez por coincidência -, o projeto não deixa de ter forte relação com os sucessivos obstáculos impostos pelo Supremo à atuação das CPIs, ora impedindo - com liminares monocráticas - a quebra de sigilos de notórios suspeitos, ora esvaziando o sentido de busca da verdade, na oitiva de depoentes, ao dar plenas garantias ao direito destes de responderem com notórias e deslavadas mentiras.
Pelo projeto os ministros do STF não poderão conceder liminares de forma monocrática, em mandados de segurança contra atos das Mesas ou Comissões das Casas Legislativas, do presidente da República e do próprio Supremo Tribunal Federal. Reconheça-se que o Supremo Tribunal Federal tem distribuído uma profusão de liminares em favor de pessoas suspeitíssimas, com isso prejudicando, substancialmente, os trabalhos das comissões parlamentares de inquérito, dificultando a apuração de delitos e, em última instância, contribuindo para a manutenção da crônica impunidade, que leva a tanto desprestígio público o meio político e as instituições e Poderes de Estado. Supõem-se que as questões levadas à mais alta corte de Justiça do País devam ter um mínimo grau de importância para merecer a apreciação do colegiado do tribunal, composto por 11 membros. As liminares em que um só ministro decide - aí assumindo as funções de todos os seus pares - se justificam apenas em casos de excepcional urgência, o que não está para ser mudado no projeto do senador José Jorge. Nos demais, a deliberação colegiada é fundamental, inclusive em termos de transparência, para que a população tome conhecimento dos argumentos do magistrado relator, de seus acompanhantes ou divergentes, que justificaram a decisão judicial. Quais os argumentos, por exemplo, que levariam o STF - por decisão de um de seus ministros - a impedir a quebra do sigilo bancário do presidente do Sebrae e pagador de dívidas do presidente Lula, Paulo Okamotto? E o que os demais ministros achariam disso? E a interrupção do depoimento do caseiro Francenildo, já em pleno andamento na CPI? O que os demais ministros achariam disso?
Aprovado na CCJ do Senado por 13 votos a 8, por ser o projeto de um senador poderia seguir direto para deliberação da Câmara dos Deputados, sem necessidade de passar pelo plenário da Câmara Alta. Observe-se que os próprios ministros do Supremo Tribunal Federal não têm se manifestado em desacordo com o projeto - alguns chegam a apóia-lo claramente. Na verdade, o projeto é oportuno não só para evitar interferências descabidas do Judiciário em questões de economia interna do Legislativo, mas, principalmente, para a recuperação da imagem do próprio Supremo Tribunal Federal - uma das que mais se deixaram arranhar ao correr dos processos no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e nas Comissões Parlamentares de Inquérito. Eis por que a reação do líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), colocando-se contra o projeto e anunciando que "recorrerá no plenário e em todas as instâncias possíveis", para impedir sua aprovação, parece tão inconveniente quanto suspeita - para o governo Lula, para o seu partido e para o próprio senador paulista. Com efeito, por que haveria o senador de querer assegurar a concessão de liminares monocráticas, para não sobrecarregar o STF, se os próprios ministros da Alta Corte não demonstram maiores preocupações com isso?
De qualquer forma, se convertida em lei, essa mudança na sistemática das decisões do STF, quanto à concessão de liminares em mandados de segurança, será um importante avanço, no rumo mais desejado pela sociedade brasileira, nos dias de hoje, que é o rumo do combate incisivo à crônica impunidade que viceja no cenário político nacional.
Estadão
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