2.5.06

Petrobrás, propaganda e a verdade

Ainda aluno da Escola de Estado-Maior do Exército, em 1953, recebi de um deputado amigo o Projeto de Lei nº 1.5166-51, resultante da mensagem do presidente Getúlio Vargas propondo a constituição da Sociedade por Ações Petróleo Brasileiro S.A., e a série de depoimentos de ministros de Estado, do presidente do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), engenheiro Plínio Catanhede, do geólogo Pedro de Moura, chefe regional do CNP na Bahia, dos generais Horta Barbosa, ex-presidente do CNP, e Juarez Távora, ex-ministro da Agricultura, e vários outros, como o economista Rômulo de Almeida e o presidente da UDN, Odilon Braga, que também fora ministro da Agricultura. Os depoentes prestaram seus depoimentos nas Comissões Técnicas de Segurança Nacional e de Economia, reunidas. Nas ruas, os nacionalistas faziam passeatas em favor do monopólio no movimento "o petróleo é nosso". No Clube Militar, patriotas dividiam-se entre a posição do general Horta Barbosa, monopolista, e a do general Juarez Távora, a favor de uma companhia mista, no modelo da Companhia Siderúrgica de Volta Redonda. Prevaleceu Horta Barbosa.

O presidente Getúlio, em sua mensagem ao Congresso, servia-se de frases ambíguas, porém fazia ao mesmo tempo ênfase na necessidade de o Brasil crescer com ajuda do capital estrangeiro, mas "preferia reservar à iniciativa nacional o campo do petróleo, sabido que a tendência monopolística internacional dessa indústria é de molde a criar focos de atritos entre povos e governos". O Brasil até então era aberto às chamadas sete irmãs, as companhias responsáveis pela "tendência monopolística" a que se referiu o presidente. Nenhuma se havia interessado em pesquisar petróleo no Brasil. Elas já haviam conseguido produzir o óleo suficiente para abastecer o mundo. Os monopolistas brasileiros usavam esse argumento, concluindo que, se viessem para o Brasil, seria para "sentar sobre os poços produtores" para evitar superprodução e a queda dos preços.

Na Câmara dos Deputados, impressionou-me o depoimento de Plínio Catanhede. Dizia ser necessário o monopólio para a Petrobrás, pois esta ia ampliar as pesquisas e, diante dos parcos resultados obtidos pelo Conselho Nacional, precisava de todo o território brasileiro para, se fracassasse numa região, neutralizar o fracasso com o bom resultado noutra região. Em posição contrária se distinguiam Glycon de Paiva, ex-diretor do Departamento Nacional de Produção Mineral, e, na imprensa, Assis Chateaubriand, ambos argumentando que o Brasil não tinha dólares, um câmbio de 50 milhões da moeda americana por ano, o que a nossa balança de pagamentos não permitia. Getúlio Vargas sabia que a UDN, no Congresso, a deduzir-se do depoimento de seu presidente, Odilon Braga, emendaria o projeto para torná-lo monopolista. Nesse sentido, Bilac Pinto apresentou a emenda, mas igualmente o petebista paulista Eusébio Rocha apresentou um projeto de lei monopolista.

Durante quase 50 anos, a Petrobrás teve o monopólio, foi obtendo os dólares necessários e não pagou dividendos aos acionistas. No governo FHC, ela perdeu o monopólio, que ficou com o Estado. Pessimistas diziam que ela perderia seus melhores técnicos para as concorrentes. Pois foi a partir daí que ela, já uma grande companhia, passou a pagar consideráveis dividendos e tecnicamente se transformou na mais bem-sucedida pesquisadora em mares profundos. A auto-suficiência, em cuja propaganda o governo Lula gasta rios de dinheiro, é a conseqüência de todos esses sofridos anos de busca de jazidas de petróleo. Nela passei três anos dos mais fascinantes da minha vida, na Amazônia, onde tivemos o malogro de Nova Olinda e os poços secos do paleozóico continental.

Mas, enquanto a terra firme não nos foi generosa, os poços gigantescos da Bacia de Campos garantiram a curva crescente da produção, acompanhando o consumo de um Brasil que se desenvolvia. À Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) pagamos um tipo de resgate - como o chamava mestre Gudin -, passando o preço do barril de US$ 2 em 1973 para os mais de US$ 70 de hoje. Ela nos impôs os dois choques que nos impediram de elevar o produto interno bruto (PIB), como o fizemos crescer até o fim do governo Médici, a uma taxa superior a 10% ao ano. Passamos a ter nos últimos dez anos o crescimento pífio de cerca de 2% ao ano. Éramos, no primeiro choque do petróleo, no governo Geisel, os maiores importadores de petróleo do Terceiro Mundo. Se ele parasse as compras, paralisaria a Nação, pois o petróleo e seus derivados eram essenciais aos transportes por terra, por mar e pelo ar.

A história da vitória da Petrobrás é uma seqüência dos governos, sendo seu ponto alto no governo Geisel, quando minimizou a pesquisa em terra e a destinou ao off shore. O governo atual provavelmente foi o que mostrou o menor crescimento, considerando-se os resultados. Com a respeitabilidade que merece, o presidente da Petrobrás disse: "Faltam plataformas para construção fora do Brasil para garantir a sustentabilidade da auto-suficiência." Poderíamos não correr o risco de vir a perdê-la. E não se falava da necessidade de plataformas no exterior para essa garantia, porque no primeiro comício de campanha de Lula, em 2002, em certo estaleiro no Rio de Janeiro, ele, iludido pelos falsos nacionalistas, criticou a antiga diretoria da Petrobrás "porque defendia a realização das superplataformas P-51 e P-52 fora do País". Ele nada entendia de petróleo, é claro, mas lhe puseram na boca a defesa do nacionalismo equivocado.

Perdemos três anos, mas vamos construir as plataformas no exterior pela simples razão de que não temos estaleiros que, por suas dimensões, permitam sua construção no Brasil. Quanto perdeu a Petrobrás por dia, ao ter as licitações canceladas, agora que se reconhece que elas dariam a garantia que nos falta "da sustentabilidade da auto-suficiência"?

Jarbas Passarinho, ex-presidente da Fundação Milton Campos, foi senador pelo Estado do Pará e ministro de Estado