O foro privilegiado!

Relator do inquérito do mensalão afirma que processo será "tortuoso" e demorado
Para ministro do STF, foro privilegiado é "excrescência"

O relator do inquérito do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Joaquim Barbosa, criticou ontem o foro privilegiado de autoridades, que chamou de "excrescência tipicamente brasileira" e disse que o processo do mensalão será "tortuoso" e demorado, por causa do grande número de acusados e da falta de estrutura do STF para realizar esse tipo de investigação.
Barbosa afirmou ser impossível prever quando o plenário do STF decidirá sobre a abertura da ação penal e quando será o julgamento final, mas expôs em detalhes cada passo da tramitação, para mostrar que haverá demora. "Não há como fugir dessa delonga, sob pena de nulidade", disse, referindo-se ao risco de alguns acusados pedirem a anulação do processo por falhas no seu curso.
Ele dividiu a tramitação em três fases: a pré-processual, em que os investigados serão notificados para apresentar defesa prévia, a instrução da ação penal, com o interrogatório de todos os réus e de testemunhas, e o julgamento. Para o ministro, cada fase poderá ter os prazos alongados por incidentes processuais, como habeas corpus dos acusados.
Na semana passada, Barbosa descartou a possibilidade de o STF decidir neste ano se receberá ou não a denúncia, em que o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, acusa criminalmente 40 pessoas, entre as quais dois ex-ministros, parlamentares, dirigentes partidários, empresários e publicitários.
Ontem, afirmou que o tribunal precisará de várias sessões plenárias tanto para decidir se recebe ou não a denúncia (para abrir a ação penal) quanto para o julgamento do eventual processo.

"Jeitinho brasileiro"
Barbosa chamou o foro privilegiado de "jeitinho brasileiro", que representa "uma racionalização da impunidade". Mas negou que, nesse caso, haja risco de os acusados ficarem impunes por demora na tramitação e conseqüente prescrição dos crimes.
Para ele, o STF deveria julgar apenas causas de grande repercussão na vida econômica, política e social do país, porque não tem "vocação" nem estrutura para conduzir processos criminais. Ele disse que as autoridades deveriam ser julgadas na primeira instância, por um único juiz.
"Essa é uma excrescência tipicamente brasileira. Não existe, por exemplo, nos Estados Unidos. O ex-presidente Bill Clinton não foi julgado pela Suprema Corte."
A Constituição estabelece o STF como o foro para ações penais contra deputados, senadores, ministros de Estado e presidente.
Sobre eventuais críticas à demora, disse: "Que mudem a Constituição e acabem com o foro privilegiado." Ele também lamentou a existência de uma proposta de emenda que estende a proteção judicial a ex-autoridades.
Dos 40 acusados, o STF irá notificar primeiro os que têm endereço em Brasília. Até o fim de abril, eles deverão receber a notificação com cópia das folhas do inquérito em que são mencionados. Nesse grupo, estão os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken, deputados e ex-deputados. Os outros serão notificados por carta de ordem, na qual o STF delega a um juiz da primeira instância o poder de avisar a pessoa da acusação.
Folha