5.4.06

Uma certeza parada no ar

A pergunta sobre se Lula sabia ou não sabia foi respondida na despedida de Palocci

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, não vê motivo para que a oposição peça sua presença no Congresso para explicar a participação de sua pasta nas urdiduras que mobilizaram boa parte do governo para proteger Antonio Palocci e desguarnecer moralmente a principal testemunha de acusação no caso da mentira sobre a presença do então ministro numa casa de lobby sustentada por seus amigos de Ribeirão Preto.

Há cerca de três semanas, quando Francenildo surgiu contando ter visto o ministro dezenas de vezes na tal casa, Thomaz Bastos também não enxergou razão para que a Polícia Federal entrasse na investigação para apurar a denúncia do caseiro.

Recusou-se a mobilizar a polícia e teria considerado o assunto encerrado por ali, não fosse a abertura de inquérito contra o denunciante logo em seguida.

Dias depois, essa negativa revelou-se contraproducente para o ministro da Justiça, pois subtraiu credibilidade da versão segundo a qual a presença de seus assessores e da PF no episódio foi no sentido de resistir aos pedidos de ajuda por parte de Palocci.

Da mesma forma, a recusa de Thomaz Bastos de comparecer amigavelmente ao Congresso agora poderá vir a se revelar negativa caso o desenrolar dos fatos o obrigue a prestar esclarecimentos em situação desfavorável.

A resistência, aliás, não tem se revelado uma boa conselheira dos governistas que deixam questões em aberto e depois se vêem confrontados com a incongruência dos próprios atos e palavras.

Caso exemplar e extremo é o da pergunta que durante toda a crise do ano passado permeou o País: se o presidente Luiz Inácio da Silva sabia ou não sabia dos meios e métodos empregados pela direção do PT para financiar a máquina do partido, a formação da base do governo na Câmara dos Deputados e as eleições de petistas e partidos aliados.

A respeito disso, Lula jamais foi claro. Apenas uma vez insinuou desconhecimento dizendo ter sido "traído", usando o ambíguo recurso do sujeito indeterminado.

Pois bem, o tempo passou, novo escândalo explodiu, uma nova crise de gravidade mais acentuada toma conta do governo e, sem que tenha feito uso da prerrogativa de dizer ele mesmo se sabia ou não, o presidente deixou que os fatos respondessem afirmativamente à pergunta quando ela voltou à cena recentemente, no âmbito do desfecho das agruras de Antonio Palocci iniciadas em agosto do ano passado.

Lula rendeu-se à necessidade de demitir Palocci, mas optou por fazê-lo em cerimônia de homenagem ao "irmão" de longa jornada. Nada sobre traição, nem uma referência que pudesse dar ao público a sensação de que o presidente reprovara a atitude de seu ministro da Fazenda.

Ora, se o estava demitindo sabia por qual razão fazia; se não considerou digno de repulsa o motivo, concordou com ele. Como ninguém avaliza o que desconhece, Lula dirimiu ali aquela dúvida traduzida na pergunta por meses feita como se à resposta se resumisse a resolução do problema.

Trata-se de uma mesma indagação para duas situações às quais, com boa vontade, se pode atribuir diferenças. No caso originado nas denúncias dos Correios, não seria impossível que o presidente da República ignorasse as façanhas da direção de seu partido, embora fosse pouco provável que não soubesse das atividades político-partidárias de seu chefe do Gabinete Civil.

Agora o que houve foi uma operação executada pelo presidente da Caixa Econômica Federal a mando do ministro da Fazenda, com o conhecimento do ministro da Justiça e o envolvimento de instrumentos oficiais como o Coaf e a Polícia Federal a quem o caseiro entregou seus dados bancários.

Tudo isso engendrado em reuniões na casa do ministro da Fazenda, um imóvel público, e no Palácio do Planalto. O assunto diz respeito, pois, diretamente a ações de governo. Não envolve partidos. Antes põe em xeque a segurança jurídica do País.

Sendo, portanto, uma questão de Estado, é de todo conveniente que o ministro da Justiça não se recuse a falar a respeito.

Mas certo mesmo seria o presidente da República, na condição de delegado maior da população para chefiar, e resguardar, as instituições, tomar a iniciativa de se pronunciar com clareza. Antes que seja instado a fazê-lo por imposição das circunstâncias.
Dora Kramer