27.4.06

Lula, seu galinheiro e o milharal

Inegavelmente, ao falar às massas o presidente Lula se comunica muito melhor que seus companheiros e adversários. Ainda que algumas vezes atropele a gramática, cometa erros conceituais ou diga tolices na avaliação dos intelectualmente mais exigentes, sua oratória funciona bem, inclusive para dissimular, como o provam os elevados índices de popularidade que mantém, apesar do enorme escândalo que mancha seu partido e seu governo. Em particular, mesmo com algumas trapalhadas, é mestre no uso de metáforas populares, de gosto discutível, mas que servem a seus objetivos. Para enfrentá-lo nos debates eleitorais que se aproximam será preciso utilizar recursos semelhantes, sem o que os eleitores absorverão apenas as histórias que conta na interpretação que lhe convém.

Numa delas, que a revista Veja chamou de filosofia avícola, ao pedir paciência na cobrança de resultados, afirmou que "uma galinha, por mais que ela saiba que precisa botar ovo para ter mais pintinhos, ela bota um ovo de cada vez". Em lugar de desdenhar uma afirmação desse tipo, o melhor é tomá-la nos seus termos e buscar sua vulnerabilidade.

Esta reside no fato de que no galinheiro sob sua gestão, o das contas públicas, ele ignora que para ter mais pintinhos é preciso consumir menos ovos, colocar mais para chocar, e isso sem exaurir os contribuintes que entregam o milho sob a forma de impostos. Sem que esse rumo seja tomado, a economia continuará crescendo a taxas ridículas e o contínuo endividamento poderá levar o galinheiro à inadimplência.

Com seus modelos e seu jargão, os economistas usualmente não se preocupam em se fazer entender por quem não é do ramo, muito menos pelo povão, e costumam vender seu peixe a políticos que saem por aí falando "economês". Só para exemplificar, peço paciência ao leitor, não pelo tempo que tomará a leitura, mas para não desistir dela em face do que afirmarei no próximo parágrafo.

Uma das razões fundamentais do fraco crescimento da economia brasileira é que a carga tributária é muito alta, e muito baixa a taxa de investimento do governo. Além disso, ao tributar ele retira recursos de quem tem alta propensão a poupar e a investir e os distribui a quem tem alta propensão a consumir. Dado esse quadro, fica comprometida a taxa de investimento da economia como um todo e o crescimento dela.

Agora, vou dizer a mesma coisa combinando filosofia aviária e de plantio para descrever o mau funcionamento de uma economia que, de modo simplificado, tem um setor privado que produz milho a sustentar um governo que administra mal o galinheiro de suas penosas contas.

Assim, esse galinheiro é abastecido com impostos arrecadados do milharal da economia; como o governo tira muito, quem entrega o milho tributário fica não só desanimado com o grande confisco, mas também com menos para consumir e usar como sementes que definiriam o tamanho da colheita seguinte. Como é mais difícil contrair o consumo, a proporção destinada às sementes é reduzida e o milharal cresce menos do que poderia crescer se a carga tributária não fosse tão elevada.

A partir do milho que recebe, o governo alimenta o seu galinheiro fiscal, mas guarda pouquíssimos ovos para chocar na forma de investimentos públicos, como em infra-estrutura, que permitiriam ampliar tanto o milharal da economia, ao facilitar transportes, comunicações e outras de suas necessidades, como o milho destinado ao governo.

Grande parte dos ovos do galinheiro governamental vai também para gente que consome muito, e pouco poupa e/ou investe colocando-os para chocar, relativamente aos que pagam o milho tributário. No limite, se a carga prosseguir aumentando, o milharal entrará em clara decadência (hoje já cresce muito pouco), o governo não colocaria nada para chocar e para manter o galinheiro ampliaria ainda mais seu endividamento, até o ponto de crise.

Essa história ainda não teve o mesmo fim trágico daquela da galinha dos ovos de ouro, narrada também sem ver a coisa pelo lado do milharal. No Brasil este perde fôlego, pois, se comparado com milharais vizinhos, ou mesmo mais distantes, o que se percebe é que estamos ficando para trás em matéria de crescimento econômico, frustrando gerações atuais e futuras nos seus anseios de progresso pessoal e nacional. O mesmo acontece com a gestão dos galinheiros fiscais, pois a do nosso é um péssimo exemplo.

Para sair dessa encrenca a receita é fácil de escrever. Como a distorção está no galinheiro que toma muito e investe pouco, o governo precisaria conter suas despesas em geral, exceto investimentos, os quais deveriam ser ampliados num contexto em que a carga tributária, como porcentagem do produto do milharal, seguiria uma tendência declinante. Faltam, entretanto, políticos com coragem e vocação de estadista para levar essa receita adiante.

Em particular, em lugar de colocar mais ovos a chocar e fazer com que mais sementes sejam plantadas, o governo Lula segue na outra direção. É recordista de receita tributária, de gastos públicos no custeio da máquina governamental e de transferências como as realizadas pela Previdência Social. Ao mesmo tempo, deixa o País na segunda ou terceira divisão do jogo econômico internacional, na categoria dos que investem menos, não oferecem um clima que estimule a produção e, por isso mesmo, crescem muito pouco.

Lula, enfim, gere o governo com a irresponsabilidade de quem não pensa na economia, nas dificuldades de quem produz e paga impostos, nem no futuro do País.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

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