11.4.06

Buratti e Palocci

"Estive com Palocci duas ou três vezes na casa do Lago Sul"
Integrante da república de Ribeirão relata rotina dos lobistas e estratégia da Gtech para renovar contrato com a Caixa

O advogado Rogério Buratti confirmou ontem ao Estado que o ex-ministro Antonio Palocci freqüentava a mansão no Lago Sul de Brasília que era alugada pela chamada república de Ribeirão. "Estive com ele lá, duas ou três vezes", disse Buratti, que revelou que a casa era usada para festas, mas também para discutir contratos com o governo e obter informações privilegiadas. O ex-assessor de Palocci na prefeitura de Ribeirão Preto (SP) também informou que a Gtech se propôs a destinar de R$ 5 milhões a R$ 16 milhões para o PT, caso conseguisse a renovação de seu contrato com a Caixa Econômica Federal nos moldes em que desejava. Palocci teria dito "não", mas no final a empresa conseguiu o que procurava.

Leia a seguir trechos da entrevista, concedida em Ribeirão Preto:

O ex-ministro Antonio Palocci era de fato um dos freqüentadores da mansão alugada em Brasília pela república de Ribeirão?

Nunca houve festas no sentido clássico da palavra. Não era coisa montada para agradar a empresários, ou diretores de órgãos de governo. Eram as pessoas que freqüentavam a casa e que levavam acompanhantes. Nunca houve uma festa para comemorar um contrato, até porque até onde a casa existiu nunca houve um contrato. As pessoas jogavam tênis, bebiam vinho, jantavam...

E o ministro, ia sempre à casa?

Ele nunca participou de festas lá.

Mas você já viu ele lá?

Eu estive com ele lá, duas ou três vezes, junto com o Ralf (Barquete, ex-assessor da CEF e amigo do ministro). Mas fui porque o Ralf sempre tinha um assunto para tratar com ele (Palocci) e eu levava os assuntos que me interessavam. Era mais fácil ser lá do que na casa dele ou no ministério. O Ralf e eu freqüentávamos o ministério. Poderia ser lá, não tinha problema. Eu sempre estive no ministério, eu visitei o Juscelino (Dourado) várias vezes.

Quais eram os assuntos que vocês tinham para tratar?

Eram assuntos que eu buscava trabalhar em Brasília. Pedia orientação para saber o que estava acontecendo. Mas muitas vezes eram encontros em que ele (Palocci) se interessava sobre a política de Ribeirão. Eu não pedia nada, porque era clara a posição dele que ele não podia interferir em nada.

Mas você tinha informações privilegiadas?

Os assuntos que tratei com ele foram sobre a Gtech, perguntei sobre PPPs, qual seria a política do governo para a minha empresa se preparar, perguntei sobre as concessões na área de saneamento e de rodovias que era de interesse da Leão. Perguntei também sobre o programa de aeroportos, ou seja, coisas que não eram contratos.

Mas no caso da Gtech houve pedido de interferência num contrato de governo?

Quem foi procurado pela Gtech foi o Ralf, dentro da Caixa. O Ralf já estava na casa. Ele tinha informações limitadas a respeito desse processo, pois ele estava lá havia um mês. Eles buscavam um contato com alguém vinculado ao Palocci, porque estavam buscando relações com o governo. E quando o Marcos Andrade (ex-executivo da Gtech) me procurou em São Paulo, simultaneamente eles buscam um contato dentro da Caixa, alguém vinculado ao ministro Palocci. E aí são indicados a falar com o Ralf.

Você estava atuando como lobista nisso, então?

Eu atuava como executivo da Leão Leão.

Mas eles não te procuram como executivo da Leão.

O Marcos Andrade me procura como um eventual lobista para eles dentro da Caixa, em função da notícia de que eu teria relacionamentos, notícia que tiveram em São Paulo, através de pessoas do PT. Tanto que o primeiro contato foi em São Paulo. Essa foi a primeira abordagem diferente que eu recebi. Eles também estabeleceram um segundo caminho através da própria Caixa - o Ralf me relatou depois. Ele disse que o Jorge Mattoso, num jantar com ele no Hotel Blue Tree, disse que a Gtech havia procurado alguém vinculado ao ministro e ele teria dito que o Ralf era esse contato. O Ralf não quis fazer o contato e falou isso para o Palocci, porque ele estava entrando na Caixa com o objetivo de ser técnico, e não ser representante do Palocci, até porque ele queria outro cargo. Aí ele me pediu para eu ter a conversa com a Gtech, pediu que eu fosse o porta-voz do que a empresa queria.

O que a empresa queria?

A empresa relatou que eles mantinham contato, tinham dificuldade e queriam abrir as portas, pois queriam se relacionar diretamente com o governo e com o PT. E falavam inclusive que estavam sendo procurados por outros grupos do PT, mas que não eram grupos dominantes no governo.

Falaram em quem? Em Waldomiro Diniz?

Não, nunca. Nunca falaram de Waldomiro para mim. Mas falaram de outro grupo, que eles se sentiam incomodados e queriam saber qual era o canal. Achavam que o Palocci naquele momento era uma pessoa que pudesse dar uma definição para eles.

Qual era o acordo?

A proposta é que fosse renovado o contrato, pois eles iam renovar, mas tinham problemas técnicos a resolver, principalmente vinculados a correspondentes bancários. Eles faziam propostas de colaborar com o PT.

Com quanto?

A proposta variava de R$ 5 milhões até R$ 16 milhões. Não era mais nenhuma sondagem profissional. Eu ouvi essa conversa, relatei para o Ralf e levamos essa proposta. Eu participei dessa conversa. Eu e o Ralf fomos juntos conversar com o Palocci, na casa dele.

Quando e onde?

Na casa dele, no final de março, início de abril. Nesse época não existia a mansão ainda. Era a casa dele. O Ralf freqüentava a casa dele. Fomos recebidos por ele e eu relatei a conversa.

Mas era dinheiro para o PT ou para o grupo?

Para o PT. Nem para mim nem tampouco para o Palocci, pela forma que apresentaram. O Palocci foi taxativo: "Não, não existe razão para fazer algum tipo de composição nesse sentido." E disse que determinaria ao Jorge Mattoso para que fizesse a renovação dentro do que manda a lei. Porque ele dava demostração de que esse era um assunto já conhecido no governo. Você percebia que a Gtech não era um ponto novo na cabeça dele. Por isso ele foi taxativo, nem disse que comunicaria alguém, disse "não" como posição dele (o contrato acabou de fato renovado nos termos pretendidos pela Gtech).

Isso ocorreu em outras ocasiões?

Por meu intermédio, esse foi o único contato. Meu papel foi buscar negócios da Leão Leão, não tinha outro papel.

E conseguiu?

Não. Acho que se as coisas não tivessem andado como andaram, talvez eu viesse a conseguir.

Por intermédio de Palocci?

Não necessariamente por intermédio dele. O governo estava parado, com poucas licitações. Eu busquei me aproximar de outras empresas para tentar contratos que já estavam em andamento. Naquele ano a Leão foi compreendida como uma empresa importante. Não porque o Palocci tenha feito algo. Mas pela própria história de ele ter sido prefeito em Ribeirão, onde está a Leão, por ter um relacionamento com a empresa, ter trabalhdo com ele. A Leão passou a ter uma posição de destaque no mercado. Sabiam que a Leão tinha pessoas que trabalharam com o ministro, tinha sempre uma história de que a empresa tinha proximidade com o ministro. Então eu fui para Brasília, pois a empresa entendeu que poderia dar um salto. Nosso objetivo era crescer como empresa, como várias empresas cresceram em outro governo se utilizando de suas relações.

Prosperaram os negócios da Leão?

Não ganhamos contratos, mas ela passa a ter uma posição de destaque. Passa a ser uma empresa que é recebida, que tem espaço na mesa. Isso era um projeto da empresa e eu era o executivo que cuidava disso. Eu fico em Brasília nesse período. Morei no Hotel Blue Tree um tempo.

Mas aí já existe a mansão?

Não, ela vai aparecer depois. A Leão ia montar uma sede dividida com a Rek (empresa que também atuava em Ribeirão). Seria um ponto de referência para trabalhar em Brasília.

Um escritório de lobby?

Um escritório de representação. Não dá para dizer que era para lobby. Mas o negócio não deu certo. Era uma locação formal em meu nome. Quando a Rek desiste desse projeto, o Wladimir Poleto vem para a Brasília, representando outras empresas e monta a casa.

Mas quem era o grupo?

Quem foi, quanto deu, eu não sei. Naquela época eram as empresas vinculadas ao grupo do empresário Roberto Colnaghi. Teve a Rek, o Rui, irmão do Ralf, pela Procomp. Agora não tinha uma cotização definida. As pessoas pagavam de acordo com o uso.

Mas o aluguel foi pago de uma vez?

O Wladimir diz que tinha recursos e julgou que seria um bom negócio. Porque no começo todo mundo achou que ia conseguir negócios.

O Palocci sabia da casa?

Ele soube depois da locação. Do projeto da Rek e da Leão, eu me lembro de ter comentado com ele. Conversamos sobre isso, ele disse que poderia ser bom, mas nunca prometeu qualquer facilidade. Mas é evidente que se tinha expectativa.

Você chegou a agendar encontros com pessoas?

Não, só os que eu falei. Da Leão, eu busquei agendar, mas só houve depois. Houve o pedido de audiência com o grupo português Somague (sócios da Leão Leão), esse eu agendei.
Estadão