21.4.06

A auto-suficiência de petróleo

A auto-suficiência do Brasil na produção de petróleo é algo que merece comemoração. Em primeiro lugar, porque não são muitos os países que conseguem produzir o petróleo que consomem e ainda exportar excedentes - o que representa substancial alívio para as contas nacionais. Em segundo lugar, porque a auto-suficiência ocorre num momento de grande instabilidade política nos grandes centros produtores do Oriente Médio e a produção mundial está perigosamente encostada nas exigências de consumo, fatos que têm elevado os preços a patamares nunca vistos.

Mas a auto-suficiência não ocorre por mérito do governo Lula, como se tenta fazer crer, numa tentativa de transformar um esforço coletivo, nacional, em trunfo da propaganda para a reeleição do presidente. A Petrobrás está gastando com publicidade, para anunciar a auto-suficiência, uma fábula de dinheiro. A campanha publicitária foi orçada em R$ 37 milhões.

E não se diga que tanta publicidade não tem conotações político-partidárias e eleitorais. Na noite de terça-feira, por exemplo, o primeiro dos três comerciais para a televisão produzidos para a Petrobrás foi exibido em rede pela TV Globo logo em seguida a três anúncios do PT, dois dos quais exaltando o governo Lula pela implementação do programa Bolsa-Família.

Para o telespectador desavisado, tudo não passou de propaganda das realizações do governo Lula - e era essa a impressão que os marqueteiros do governo queriam transmitir.

O governo petista, aliás, é especialista em aplicar o golpe da apropriação indébita de obras e programas sociais. O Bolsa-Família, para quem não acompanha a vida nacional com atenção, é uma realização do governo Lula, e não uma ampliação de programas sociais iniciados durante o governo Fernando Henrique.

Com a auto-suficiência da produção de petróleo dá-se o mesmo. Não foi da noite para o dia, nem unicamente graças aos esforços do governo Lula que a Petrobrás atingiu a meta. A auto-suficiência é resultado de um trabalho que vem de longe.

E os maiores méritos por esse resultado cabem indiscutivelmente aos funcionários e diretores da companhia ao longo de toda sua vida, com poucas exceções, cuja competência é mundialmente reconhecida. Os primeiros passos decisivos foram dados - justiça seja feita - durante o governo do general Ernesto Geisel, quando a empresa começou a desenvolver a tecnologia necessária para a exploração e extração de óleo em águas profundas, na plataforma continental. E esse processo culminou durante o governo Fernando Henrique, quando os papéis da Petrobrás começaram a ser negociados em bolsas do exterior, o que obrigou a empresa a abandonar velhas práticas corporativas e a adotar processos administrativos eficientes, voltados unicamente para a capacitação técnica e a capitalização - fatores sem os quais não seria uma empresa com projeção mundial, como é hoje. A auto-suficiência da produção de petróleo foi decorrência de todos esses acontecimentos.

É preciso considerar, também, que a auto-suficiência não é uma condição permanente. Com a entrada em operação da Plataforma P-50, a Petrobrás produzirá 1,9 milhão de barris/dia para um consumo de 1,85 milhão de barris/dia. Esse suprimento, ao ritmo atual de crescimento da economia, será suficiente até 2010. Para manter a auto-suficiência, a Petrobrás terá de investir maciçamente na prospecção e exploração de novas jazidas, mantendo, no mínimo, a cadência atual.

Se mantiver os investimentos programados de R$ 56,4 bilhões até 2010, chegará àquele ano com uma extração de 2,3 milhões de barris/dia, para um consumo previsto de 2 milhões de barris/dia - e isso porque, para cada barril produzido, acrescentará 1,3 barril às reservas provadas. Essas reservas são suficientes para atender ao consumo de 19,6 anos, mantido o ritmo atual de extração.

Mas, para que esse ritmo de exploração e produção seja mantido, a Petrobrás terá de manter inalterada a sua política de preços, repassando para os consumidores brasileiros de derivados os preços cobrados no mercado internacional. Sem isso, a auto-suficiência será um sonho efêmero.
Estadão