Por mais subjetiva que possa ser essa fronteira, casos como a quebra do sigilo do caseiro que acusou o então ministro Antonio Palocci e os negócios entre o filho do candidato do PSDB a presidente, Geraldo Alckmin, com a filha do acupunturista que tem contratos de R$ 1,44 milhão com o estado mostram que ela está sendo ultrapassada, na avaliação de cientistas políticos e representantes de entidades como a OAB e a Associação dos Magistrados Brasileiros. Para o jurista Dalmo de Abreu Dallari, autoridades brasileiras vivem um “momento de relaxamento ético” que só pode ser mudado com reação popular.
Dallari lembra que, como o direito foi desligado da ética no século XVIII, o controle ético passou a depender de uma espécie de aura de integridade levada mais a sério pelas autoridades, que hoje têm sido mais condescendentes consigo mesmas.
Dallari frisa que o mais grave é que a confusão entre público e privado tem se acentuado em um momento pré-eleitoral complicado. Para ele, está claro que há uma polarização entre dois partidos (PT e PSDB) que estão pautados apenas pela disputa pessoal, e não pela programação social. Ele ressalta ainda que, com toda a crise do mensalão, os dois partidos não demonstraram interesse em fazer mudanças reais.
— A única hipótese de mudança é a reação popular. Infelizmente, o povo brasileiro é acomodado. Além do egoísmo, temos uma tradição histórica que diz ser inútil denunciar, que dá a idéia de que quem não tem dinheiro não tem cidadania — diz. O jurista cita o filósofo Montesquieu:
— As pessoas precisam assumir sua responsabilidade social. “A força do grupo compensa a fraqueza do indivíduo”.
O jurista Fábio Konder Comparato considera que os meios de comunicação devem contribuir para a conscientização popular. Ele diz que o país tem uma lógica privatista do setor público e sofre de uma carência republicana. Assim, o direito passa a existir apenas retoricamente:
— Na verdade, o país entende que é normal o nepotismo, ou os pais governantes ajudarem os filhos a ficarem ricos. “Mateus, primeiro o teus”, dizem, somando isso ao aspecto moralista de que proteger a família não é ruim. Há muito moralismo e pouca ética nisso. O corporativismo também é incentivado, acham normal um vereador ser eleito para defender interesses de seu grupo de origem.
O secretário-geral adjunto da OAB, Ercílio Bezerra, responsável pelo julgamento de processos disciplinares contra advogados, diz acreditar que o governo perdeu a capacidade de julgar o que é legal ou não:
— Este governo chegou a um lodaçal tão grande do ponto de vista ético que parece que não consegue divisar mais o que é legal e o que é ilegal. Eles já estão tomando todas e quaisquer atitudes para inocentar os acusados se eles estiverem no governo. Foi feito isso nas CPIs e nos recentes casos de suposta corrupção.
O presidente da AMB, Rodrigo Collaço, diz que se o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, discutiu a estratégia de defesa de Palocci cometeu um grave equívoco.
— Se a iniciativa do ministro foi de apresentar um advogado a um membro do governo, não há problema. Se foi para fazer parte de uma estratégia para encobrir quem determinou a quebra do sigilo é um grave equivoco, um desastre. O representante do Estado precisa estar atuando no sentido contrário: para punir quem determinou a quebra do sigilo.
As críticas não estão restritas ao governo ou ao PT: a doação de 400 vestidos por um estilista à então primeira-dama de São Paulo, Lu Alckmin, e a sociedade do filho do tucano, Thomaz, com Suelyen, filha do acupunturista chinês Jou Eel Jia, médico particular da família Alckmin — que teria recebido R$ 1,44 milhão para dar cursos a professores do estado — motivam críticas pesadas. Da mesma forma, a sociedade entre a Gamecorp, empresa da qual é sócio um filho do presidente Lula, Fábio Luiz Lula da Silva, e a Telemar.
— Tudo o que se anunciou nestes casos se deveu à importância das pessoas próximas e aos cargos que essas pessoas exerciam. É difícil imaginar alguém presentear outra pessoa com um número tão grande de vestidos ou fazer investimentos importantes numa empresa tão pequena. Isso está ligado à importância das pessoas próximas — diz Collaço.
— A ocupação de uma função pública deve ser para realizar um trabalho pelo coletivo e não transformar isso numa forma de obter benefícios para pessoas próximas. Vamos imaginar que no cotidiano das pessoas esses fatos não são comuns. Não vejo isso como um fato corriqueiro ou normal. É um fato que chama atenção — conclui.
Bezerra concorda:
— O recebimento de benesses pelo servidor público caracteriza um deslize do ponto de vista ético e legal. Não cabe esse tipo de afago e temos a lei que estabelece que presentes a servidores públicos custem no máximo o equivalente a US$ 100.
Para ele, a lógica estabelecida pela lei deve valer também para os parentes:
— São essas pessoas mais próximas que têm condições de fazer o tráfico de influência. Se estivessem fora de governo e sem poder de influência, teriam (seus parentes) recebido presentes, afagos ou mimos? Certamente, não. É aí que está a divisa entre o público e o privado.
No Judiciário, tanto para Collaço quanto para Bezerra, também há problemas. Eles criticam a norma editada pelo Tribunal de Justiça do Rio para evitar a decisão do Conselho Nacional de Justiça que impede a contratação de parentes:
- Alguns membros do Judiciário não compreenderam que não é possível, do ponto de vista ético, se manter com o elevado número de benesses que esse poder sempre teve.
Para a historiadora Isabel Lustosa, a naturalidade com que os envolvidos tratam as denúncias de corrupção é preocupante.
— A corrupção é o grande mal do Brasil desde a colônia. Não é pior hoje mas tornou-se mais rapidamente detectável e punível. A imprensa tem ajudado, a Polícia Federal tem desbaratado algumas quadrilhas que há anos estavam encasteladas no serviço público; o Ministério Público, mesmo sucumbindo às vezes ao fascínio pela publicidade ou ao excesso de zelo que acaba por engessar o serviço público, tem feito a sua parte. No entanto, é muito perigoso o casamento de uma campanha eleitoral com essa guerra de acusações.
Para o cientista político Fernando Abrucio, professor da FGV e da PUC-SP, o prometido banho de ética só será realizado com a mudança das regras que permitem uma relação promíscua entre o público e o privado.
— Tem que haver maior transparência nas licitações e uma atuação melhor dos tribunais de contas e assembléias legislativas — acha Abrucio.
A opinião é compartilhada pelo professor de ciência política da PUC-Rio Ricardo Ismael:
— O relaxamento da fronteira entre o público e o privado mostra que a tradição republicana ainda precisa se consolidar. A sociedade tem que mudar seus valores e as instituições que fiscalizam os três Poderes precisam avançar.
O professor de ciência política Gildo Marçal Brandão, da USP, acha que a intolerância demonstrada pela opinião pública contra a promiscuidade entre público e privado é uma reação positiva. Ele se impressionou com uma frase dita recentemente pelo relator do processo contra o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, o deputado gaúcho Cesar Schirmer, de que o país estaria enfrentando uma "frouxidão moral". Segundo ele, já não há mais a preocupação de se esconder a falta de ética: virou um certo vale-tudo.
“A única hipótese de mudança é a reação popular. Infelizmente, o povo brasileiro é acomodado”
DALMO DE ABREU DALLARI -Jurista
“A ocupação de uma função pública deve ser para realizar um trabalho pelo coletivo”
RODRIGO COLLAÇO - Presidente da AMB
“A sociedade tem que mudar seus valores e as instituições que fiscalizam os poderes precisam avançar”
RICARDO ISMAEL - Professor da PUC-Rio
“A corrupção no país não é pior hoje mas tornou-se mais rapidamente detectável e punível”
ISABEL LUSTOSA - Historiadora
2 comentários:
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