O belicoso presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e seu revelado discípulo Evo Morales, da Bolívia, ambos devotos de Fidel Castro, o mais longevo ditador ainda na ativa em todo mundo, conseguiram o que nem com bilhões de dólares e operações camufladas o governo de George W. Bush, adversário de todos eles, teria êxito: dinamitar a liderança moderada e conciliatória na América Latina do presidente Lula, o grande perdedor político, já que em termos materiais foi o Brasil que se deu mal, da estatização das atividades de petróleo e gás boliviano desde o dia 1º.
Não surpreenderá, dependendo dos movimentos de Lula no xadrez da geopolítica latino-americana, se a incontinência verbal de Chávez o levar a insultá-lo, como já fez com Vicente Fox, presidente do México, a quem chamou de algo próximo a cachorrinho de Bush, além de já ter ofendido os dirigentes da Colômbia, Álvaro Uribe, e do Peru, Alejandro Toledo. À surdina, o que revela suas verdadeiras intenções em relação a Lula, Chávez incentivou e deu a retaguarda logística a Morales para que levasse a cabo o que eles chamam de nacionalização, mas que, na prática, significa a estatização das reservas petrolíferas da Bolívia, já que a propriedade do solo nunca fora privatizada. O apoio de Chávez agora é público.
Lá, licitou-se o direito de exploração das jazidas sob um preço contratado, tal como é permitido no Brasil em áreas previamente demarcadas pelo governo desde o fim do monopólio da Petrobras. É isso o que o decreto de Morales afrontou.
A imprecisão de conceitos é proposital para confundir e politizar o esbulho de investimentos legítimos, como os da Petrobras, e pelo menos neste início de contencioso a estratégia foi bem-sucedida. A semente da discórdia e desconfiança está lançada, pondo em causa o projeto de criação de uma comunidade sul-americana de nações sob a liderança do Brasil, sonho de Lula, que para tanto movia o BNDES a financiar obras de infra-estrutura de integração regional e espera do Congresso aprovação para a Eletrobrás investir no exterior.
Ambições de Chávez
Tais iniciativas serão doravante duramente questionadas não só no Brasil, mas sobretudo pelos capitais internacionais, sem os quais projetos dessa magnitude não decolam. Mas é o que Chávez, montado na fortuna de petrodólares da Venezuela, parece desejar, assumindo a liderança que um dia já foi dos EUA na região e relegando o que o governo Lula também sonhava ao papel de coadjuvante e provedor de fundos, como do gasoduto de mais de US$ 23 bilhões (cada dia aumenta a estimativa) atravessando todo Brasil até a Argentina.
Se Chávez, que desafia Bush em todos os fóruns, diz que Morales está certo, então ele é quem está com razão, não Lula, devem ter pensado os inimigos dos EUA de todos matizes, como já demonstram no Brasil setores da extrema-esquerda como os trotskistas do PSTU e até tendências petistas, como as que estão à frente da federação dos petroleiros. Estranho: a Petrobras que os emprega toma uma fubecada e eles aplaudem. “Mas quem mandou ela ter acionistas privados?”, alegou um sindicalista.
E, no entanto, é a estratégia lulista para a integração regional, semelhante à do governo FHC, a que mais preserva a autonomia e a distribuição equânime dos poderes entre os parceiros regionais. A falta de solidariedade dos vizinhos ao Brasil diz muita coisa.
Recalques aflorados
Foram como se décadas de ressentimentos acumulados irrompessem de uma hora para outra, começando na Bolívia, que pegou a Petrobras, maior empresa e investidora do país, como símbolo do extrativismo de suas riquezas, sem melhora da condição social da grande maioria dos bolivianos. Morales surge para a política nesse país miserável e instável como a expressão redentora da sociedade indígena contra as “elites corruptas” e o colonizador europeu e os “imperialistas” americanos – que já não mais existem por lá, não com o porte e a dominância da Petrobras, no que talvez tenha sido o erro crasso dos governos brasileiros, em especial FHC e Lula, durante os quais se ampliaram os laços com a Bolívia e a dependência do gás. Não viram que o grande capital saíra para a Ásia enquanto chegava o Brasil como potência investidora e com anseio de liderança natural verbalizado por Lula. Passamos a ser os “gringos” invasores.
Não se trata, agora, de demonizar a integração regional, como os saudosistas do alinhamento unilateral aos EUA já começam a propor. Não dá para cogitar, até para a estabilidade política, Brasil com um projeto próprio de desenvolvimento, de costas para os vizinhos.
O que se percebe está errada é a ênfase do governo Lula. Correu com sede a vizinhos desacostumados de tanto assédio brasileiro. E isso para proclamar a “liderança natural” do Brasil, anunciada por Lula em Quito, em 2003. Depois para pleitear um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Atropelou candidatura já posta do Uruguai para dirigir a Organização Mundial do Comércio.
Quis a direção do BID. E veio, em dezembro de 2004, a proposta da Comunidade Sul-Americana de Nações. Perdeu tudo. Faltaram tato e discernimento para entender a alma latina, o orgulho de Kirchner, as ambições de Chávez – um e outro manipulando e manipulados para frear a cobiça não tanto do Brasil e mais do governo Lula, que sofreu por tudo isso uma derrota vexatória na Bolívia.
Correio Braziliense
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