4.5.06

Falta vergonha no PT

Advogados do PT apresentam nova versão sobre empréstimo
Partido aponta irregularidade em operações antes apresentadas como justificativa para caixa 2


Em documento encaminhado à Justiça para contestar o pagamento de cerca de R$ 110 milhões cobrados pelo publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, o PT aponta irregularidades nos supostos empréstimos bancários considerados até aqui pelo partido como a origem do dinheiro do caixa dois petista.
Ao longo de 13 páginas da contestação à cobrança, os advogados do PT questionam a versão apresentada em conjunto por Marcos Valério e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares ao afirmar que os supostos empréstimos foram concedidos "ao arrepio das mais comezinhas regras bancárias" -como, aliás, já haviam concluído as investigações da CPI dos Correios e do Ministério Público.
Desde que o escândalo do mensalão veio a público, em junho de 2005, após denúncia do então deputado Roberto Jeferson (PTB-RJ) em entrevista concedida à Folha, o PT se nega a assumir que deva às empresas do publicitário.
Mas até aqui, o partido não havia contestado que as operações das empresas de Valério com os bancos BMG e Rural fossem a fonte de recursos repassados a petistas e aliados políticos do governo. Taticamente, o PT endossou a versão de Delúbio e Valério sobre a origem de dinheiro. Mas na hora de contestar a cobrança, o partido mudou o discurso.
"Você conhece algum banco que empreste dinheiro desse jeito [na forma dos contratos fechados entre os bancos e as empresas de Valério]?", questionou o advogado Luiz Bueno de Aguiar, que defende o PT na ação de cobrança. "Os empréstimos foram irregulares por parte dos bancos e das empresas", respondeu em seguida.
"A origem do dinheiro [do caixa dois]? Eu não faço a menor idéia. Nem mesmo a CPI deu conta", disse Márcio Luiz Silva, outro advogado que assina a contestação à cobrança, sugerindo que os empréstimos tenham sido forjados para justificar trânsito ilegal de recursos.
Confrontado com a contradição, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, alegou que os advogados do partido tem "ampla liberdade" para argumentar no processo de cobrança.
"Temos de separar o que é lide judicial do que é pensamento político", disse o deputado. "O PT nunca disse que o Rural e o BMG fizeram empréstimos regulares. Se os bancos eventualmente estabeleceram relação contratual confiando na palavra de quem quer que seja, problema dos bancos."
Segundo Berzoini, caberá à Justiça apurar a origem do dinheiro do caixa dois do PT. "A origem do dinheiro é uma questão a ser resolvida fora desse processo [de cobrança]", completou.
Em reportagem divulgada em 16 de julho do ano passado, o PT destacou a versão então apresentada por Delúbio e Marcos Valério: "Delúbio ressaltou que os recursos repassados por Marcos Valério não têm origem nos cofres públicos. "Não é dinheiro público. É de empréstimo bancário", reforçou [o partido]".
Em documento apresentado à Justiça de Brasília no início de março, os advogados do PT negam os depoimentos de Delúbio Soares. "Eu insisto em dizer que esses depoimentos [de Delúbio] foram feitos em legítima defesa. Você não pode esperar de quem está se defendendo de uma acusação de ilícito penal sério, grave, que responda necessariamente com a verdade. É um primado do direito", afirmou o advogado Márcio Silva.
"Há evidências de que ele [Marcos Valério] entrou com essa ação para dar um ar de credibilidade à defesa dele, para ligar o lé com o cré. Como [o processo] vai demorar, é uma ação que demanda perícias e exames, para o fim de estratégia da defesa dele pode até surtir efeito", disse o advogado.

Marcos Valério
Rodolfo Gropen, advogado de Marcos Valério nas ações de cobrança, insiste em que os empréstimos foram contabilizados pelas empresas de seu cliente. Logo depois de o PT apresentar a contestação à cobrança, Gropen pediu à Justiça que ouça Delúbio e os demais dirigentes do PT à época e faça perícia nos registros contáveis das empresas do publicitário.
De acordo com documentos apresentados por Valério, os bancos BMG e Rural emprestaram ao esquema, entre fevereiro de 2003 e julho de 2004, pouco mais de R$ 55 milhões. Reajustada, a dívida se aproximaria de R$ 110 milhões.