2.3.06

Família de Daniel relata ameaça e deixa país

Irmãos do prefeito assassinado dizem ser alvo de intimidações desde que prestaram depoimento sobre caso na CPI dos Bingos, em outubro

Familiares de Celso Daniel (PT), prefeito de Santo André assassinado em 2002, deixaram o Brasil nesta semana com o propósito de não retornar no curto ou médio prazo. Eles afirmam ter recebido seguidas ameaças de morte.
Já embarcaram para o exterior o irmão caçula do petista, Bruno Daniel, sua mulher, Marilena, e os três filhos do casal. Está programada para os próximos dias a partida de um dos filhos de João Francisco Daniel, o primogênito. Por questão de segurança, a família não quer tornar públicos os países de destino.
Segundo Bruno e João Francisco, as ameaças começaram a chegar pouco depois do depoimento de ambos, em 26 de outubro passado, à CPI dos Bingos.
Na ocasião, os irmãos reafirmaram a convicção de que a morte do prefeito está relacionada a um esquema de corrupção montado na Prefeitura de Santo André para financiar o PT.
Nesse dia, em acareação com Gilberto Carvalho, chefe-de-gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ex-assessor de Celso Daniel, chegaram a dizer que Carvalho não apenas tinha conhecimento do esquema como teria descrito a entrega de dinheiro feita por ele a José Dirceu, então presidente do PT. O longo depoimento dos irmãos à CPI foi transmitido ao vivo pelas TVs.
Primeiro, chegou a João Francisco uma carta anônima. Dizia que ele e Bruno iriam morrer. Depois, em janeiro deste ano, os dois receberam por e-mail uma nova ameaça, desta vez contra as "sobrinhas do prefeito, filhas dos irmãos". Mais tarde, uma pessoa conhecida da família relatou ter ouvido detalhes do planejamento do seqüestro das jovens.
Informada, a polícia abriu inquérito. Bruno e Marilena passaram a contar com proteção policial 24 horas por dia.
Cada um dos filhos do casal -dois rapazes e uma moça, com idades entre 18 e 26 anos- seguiu para um lugar diferente. Os países de destino foram decididos com base em bolsas de extensão universitária e ajuda financeira providenciada por amigos da família. Apenas Bruno e Marilena permanecerão juntos. "Oficialmente, estamos indo para estudar", diz ele.
A situação de Bruno, economista que lecionava na PUC de São Paulo, chegou a ser discutida em reunião ocorrida quarta-feira passada na universidade. Os demais professores do departamento buscavam maneiras de ajudá-lo a acelerar os preparativos para a viagem.
De perfil mais discreto que o do oftalmologista João Francisco, Bruno é muito respeitado entre os colegas de PUC, aos quais, mesmo antes das ameaças de morte, já havia relatado ter sido seguido na rua em repetidas ocasiões.
Bruno se dizia impressionado porque os perseguidores não eram desconhecidos, mas sim pessoas que a família conhecia de Santo André, no ABC paulista.

O crime
Celso Daniel foi seqüestrado na noite de 18 de janeiro de 2002, após sair de um jantar com o ex-segurança e empresário Sérgio Gomes da Silva, de quem era muito próximo. O corpo foi encontrado dois dias depois, com oito tiros, em uma estrada de terra. Antes de morrer, o prefeito foi torturado, segundo legistas que examinaram o corpo.
Cerca de dois meses depois, quando o DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) da Polícia Civil de São Paulo concluiu que havia sido um crime comum, tese até hoje abraçada pelo PT, Bruno e João Francisco se colocaram na linha de frente das investigações. Recorreram ao Ministério Público, além de organismos internacionais, e exigiram a reabertura do caso.
Com a entrada da Promotoria, a investigação sofreu uma reviravolta. Gomes da Silva passou de testemunha a réu -ele nega envolvimento no assassinato. Sete pessoas acusadas pelo crime estão presas. A Promotoria Criminal de Santo André investiga outros possíveis envolvidos.
"A decisão de sair do país não é uma derrota para a família. Trata-se apenas de uma situação em que precisamos nos precaver", diz João Francisco. "Mas, mesmo à distância, nossa luta para identificar todos os envolvidos na morte de Celso vai continuar", afirma o irmão mais velho de Daniel.
Folha