Os formuladores da atual política externa brasileira não precisarão esperar o fim do governo Lula para ver os resultados da estratégia que traçaram para afastar o Brasil de um acordo promissor com Estados Unidos, Canadá, México e outros países latino-americanos, a tão combatida Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Em 2006 já será possível ver as conseqüências do sonho de expandir as exportações para o fechado mercado europeu, para a China e para a Índia, em detrimento das vendas para o mercado norte-americano.
Ao contrário do que os especialistas do governo imaginaram quando lutaram pela abertura multilateral na Organização Mundial do Comércio (OMC), não serão os países menos desenvolvidos os mais beneficiados. Se haverá um setor que sairá favorecido desse processo, será a indústria chinesa.
Quer dizer: o industrial e o governo passaram décadas temendo a competição desigual do produto industrializado dos países ricos, especialmente dos EUA, e agora descobrem que a ameaça vem mesmo de um país emergente. E pior: de um país que o governo brasileiro reconheceu como economia de mercado, embora dominado ainda por uma decrépita aristocracia comunista. E sem levar vantagem nenhuma.
Como se sabe, a última reunião ministerial da OMC, realizada em dezembro em Hong Kong, terminou com um acordo em que não só o acesso a mercados industrializados não melhorou como dificultou o acesso aos países em desenvolvimento, que respondem por mais da metade das exportações do agronegócio brasileiro.
Para piorar, o governo, dentro da mesma política de bom-mocismo que o leva a financiar a construção de rodovias em países vizinhos, enquanto as nossas estradas são levadas pela chuva, apoiou a aprovação de salvaguardas de aplicação automática que poderão ser utilizadas por nações em desenvolvimento para proteger seus mercados. Isso significa que, quando a Argentina decidir recorrer a salvaguardas contra produtos brasileiros, não poderemos reclamar.
Enquanto o Brasil tratava de encontrar obstáculos para impedir a concretização da Alca, México e China continuaram a evoluir no mercado, especialmente em razão das vendas que fazem para os EUA. O México, que há 30 anos representava 0,4% do comércio mundial, já é o 13º maior exportador e vende mais que o Mercosul inteiro. Hoje já responde por 2,5% do mercado mundial, com exportações superiores a US$ 200 bilhões, enquanto o Brasil, com os US$ 118 bilhões de 2005, pouco passa de 1%.
Já a China, que na década de 80 nem aparecia no ranking dos exportadores, ultrapassou US$ 762 bilhões em vendas em 2005, representando 8% do comércio mundial, depois de superar economias tradicionais como França, Reino Unido e Itália.
Aliás, a ameaça chinesa já chegou à indústria automobilística no Brasil. No começo deste século, a China pouco exportava veículos e sua produção de 2 milhões de unidades por ano era absorvida pelo seu mercado. Hoje a produção chinesa já está ao redor de 6 milhões de veículos e suas exportações aproximam-se de 200 mil unidades.
Por enquanto, o Brasil ainda está na frente, com a exportação de 750 mil veículos. Mas a presença na China de montadoras estrangeiras com sócios locais faz prever para breve uma explosão na produção. A própria General Motors já anunciou que pretende produzir na China 1,6 milhão de veículos por ano, o que representa a totalidade das vendas da indústria brasileira no mercado interno. Logo deverá estar exportando mais que a GM do Brasil e avançando no mercado brasileiro lá fora.
Portanto, enquanto uma legião de desinformados passava abaixo-assinados repudiando a formação da Alca, imaginando que os EUA representariam algum perigo para a nossa soberania, várias nações emergentes - não só a China, mas também Índia, Coréia do Sul, Tailândia, Austrália, África do Sul e Rússia - começaram a se expandir.
É o avanço desses países que deveria preocupar o governo, pois são eles que vão ocupar o espaço do produto brasileiro no exterior. Afinal, se além de não atrair investimentos o Brasil começar a encontrar dificuldades para exportar, não é difícil imaginar o desastre que poderá vir por aí. Já os EUA continuam a importar cada vez mais.
*Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo. Site:www.fiorde.com.br.
Nenhum comentário:
Postar um comentário