19.3.06

Recife = Miséria regula mercado do sexo

Em Recife, miséria regula o mercado livre do sexo
A miséria dita os preços do mercado do sexo em Pernambuco. Se na praia de Boa Viagem, na Zona Sul de Recife, onde fica o epicentro do turismo sexual, um programa pode render até R$ 200 por noite, na periferia da capital as meninas começam a sofrer abusos a partir dos 5 anos, quando se submetem a todo tipo de humilhação por menos de R$ 1. Entre os 11 e os 12 anos, já estão na vida, chegando a sair com até seis homens num só dia, por preços que variam de R$ 15 a R$ 30.

Foi o que O GLOBO constatou, depois de conversar com entidades não governamentais que atuam em Recife e no interior acompanhando menores em situação de risco. E também ao visitar um bairro da capital, onde em apenas uma rua localizou oito meninas com idades inferiores a 15 anos que já atuam nas ruas, motéis ou prostíbulos. Das oito, seis “trabalham” sem que os pais tomem conhecimento e duas o fazem por influência da própria mãe. Elas batem ponto em praças da Zona Norte onde o sexo custa mais barato. Já tentaram a beira da praia, em busca de um trocado melhor, mas afirmam que foram recebidas com hostilidade pelas profissionais da orla.

Meninas são vítimas de abusos desde muito cedo

Se na Zona Sul as garotas buscam gringos porque dólares rendem roupas e sapatos de grife, na periferia e no interior o que conta mais é a primeira necessidade: o prato de comida. O problema pode ser observado à luz do dia, em praças centrais, como a da Independência, ou da periferia, como a do Trabalho, no bairro de Casa Amarela, a dez quilômetros do centro. Ou ainda na avenida Artur Lima Cavalcanti, próxima a uma vila militar e à sede da vice-governadoria. Ali, às vistas de todos, meninas com 5 e 6 anos já são vítimas de abusos nas ruas.

— Normalmente nessa idade a penetração ainda não se efetiva. Mas temos visto garotas pequenas, residentes nas favelas do bairro de Santo Amaro, que recebem R$ 0,50 para fazer sexo oral no meio do matagal ou no interior dos automóveis — afirma Eleonor Pereira, membro da Rede de Combate ao Abuso Sexual de Recife e integrante do Comitê de Comunidade e Cidadania da Casa da Passagem, uma das mais antigas ONGs que lidam com meninas em situação de risco no estado.

De acordo com uma das fundadoras da entidade, Cristina Mendonça, mais de 30% das meninas atendidas já sofreram algum tipo de exploração sexual.

— A miséria torna grande a vulnerabilidade e temos muitos casos de crianças e adolescentes que venderam o corpo por um prato de comida.

Pobres e negras são as mais exploradas, diz ONG

Leonor informa que entre os 5 e os 7 anos as garotas são levadas para manipulação nos seios, sexo oral, para exibirem a nudez aos homens ou para que eles se masturbem. Na semana passada, um policial militar foi flagrado com uma menina de 12 anos. Ele fez sexo no carro com a garota e depois a deixou lá.

— Eu saio com muito coroa, policial civil, policial militar. Vou para motel, para a casa deles, faço tudo por R$ 15, afirma C., residente na Zona Norte que, aos 11 anos, já chamou pelo menos três amigas para sair com homens. C. não gosta de estudar e na última sexta-feira chegou em casa às cinco da manhã. Disse à mãe que dormira na casa de uma amiga.

De acordo com Adriana Duarte, da ONG Coletivo Mulher Vida, em Pernambuco acontece de tudo na exploração sexual de crianças e adolescentes: o turismo sexual, a pornografia, a prostituição infantil e por fim o tráfico para exploração sexual.

— As exploradas são basicamente meninas, pobres e negras — diz.

Ela lembra que se na praia de Boa Viagem o turismo sexual pode render bons dividendos, as garotas, que chegam a ganhar em dólar, já viveram a trajetória das meninas que ainda atuam na Zona Norte.

— Boa Viagem todo mundo quer. Mas quem chegou lá já passou pelo que passa C. Já vendeu o corpo por R$ 0,10, R$ 0,50, R$ 15. A que chega lá, no turismo sexual, sobreviveu à fase anterior ao processo e chega lá formada e doutorada em exploração sexual — diz Adriana.

L., 12, uma gravidez e um aborto


RECIFE. Ela tem apenas 12 anos. Franzina, corpo ainda de menina. Quem olha para L. jamais imagina que ela já enfrentou uma gravidez e um aborto. A mãe é dona de casa e o pai, biscateiro. A família tem nove filhos. L freqüenta um colégio estadual mas não gosta de estudar. Também não tem idéia do que o futuro lhe reserva. Cobra entre R$ 15 e R$ 30 por programa, e chega a fazer seis por noite. Vai ao motel, à casa do cliente ou faz o que for necessário no carro, no meio da rua. Começou a ser sexualmente explorada acompanhado amigas da mesma idade, quando ainda era virgem e recebia para o cliente manipular seus seios ainda em formação.

— Eu via elas saírem, entrar no carro dos homens e voltarem vivas. Achei que comigo ia acontecer a mesma coisa. Na primeira vez não fui só. Fui eu, mais duas amigas e uma de 18 anos. Ela foi no banco da frente e a gente na mala porque é de menor. Não tive relações, o homem só pegou nos meus peitos. Mesmo assim, cobrei R$ 30. Ele disse que não dava. Armei um escândalo no motel para o povo ouvir. Sou de menor, e se a polícia chegasse ele poderia ser preso. Aí ele pagou com medo.

Afirma que ultimamente desceu o preço do programa de R$ 30 para R$ 15, porque “o movimento está ruim”. L. tentou a Praia de Boa Viagem, mas foi roubada e maltratada pelas meninas mais experientes.

L. não é um caso isolado no Vasco da Gama, onde em uma só rua O GLOBO localizou oito meninas que trabalham na noite, duas delas com conhecimento dos pais. Em Boa Viagem, situações como a de L. se repetem. E não é só no turismo sexual. Nos sinais, meninas que ganham trocados limpando pára-brisas colecionam histórias de exploração sexual. Grávida, uma delas disse que nem assim deixa de receber cantadas.

— Os homens param e perguntam: quanto é o programa? Convite aqui não falta — conta B., 15 anos.
O Globo