Advogado e ex-deputado ligam personagens do caso mensalão à CPI do Banestado
Documentos em poder da Justiça Federal do Paraná podem ser o elo perdido entre duas das maiores investigações dos últimos anos no país: as CPIs do Banestado e dos Correios. Os pontos de ligação entre os dois casos são o advogado Roberto Bertholdo - apontado como um dos caixas do mensalão, encarregado de pagar propina para que 55 parlamentares do PMDB mantivessem seu apoio ao governo federal - e seu principal acusador, o ex-deputado estadual Tony Garcia.
O Ministério Público Federal acusou formalmente Bertholdo de tráfico de influência, em dezembro passado, por oferecer proteção contra a CPI do Banestado a Luiz Antonio Scarpin – sócio da casa de câmbio Brasil Sul – que, segundo as investigações da CPI, faria parte de um esquema de remessas ilegais de dinheiro que envolveria ainda o banco paraguaio Integración e o brasileiro Araucária. Os fatos teriam ocorrido em 2003. De acordo com a denúncia do MPF, o advogado dizia ter contatos com os deputados José Mentor (PT-SP, relator da CPI), Íris Simões (PTB-PR) e Paulo Bernardo (PT-PR), e pediu R$ 1 milhão para livrar o empresário de quaisquer acusações. Em um depoimento posterior, concedido à 2.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Scarpin afirmou acreditar que o protagonista do tráfico de influência era Garcia.
Na ocasião, Scarpin disse que temia ser vítima de achaque. “O Tony insistia muito. Não é normal uma pessoa insistir tanto para outra pessoa ir no advogado. Eu achei que ele deve estar recebendo a metade, alguma coisa assim”, afirmou. O advogado Renato Andrade, representante de Scarpin, diz que seu cliente “afirma categoricamente” que quem pedia dinheiro em troca de favorecimento na CPI era o ex-deputado. “Bertholdo seria o advogado contratado”, diz Andrade.
Temendo ser vítima de um golpe, o empresário resolveu gravar uma conversa com Bertholdo. A denúncia do MPF diz que, numa ocasião posterior, Bertholdo sacou de uma arma e apontou para Scarpin, dizendo para que não usasse a fita na Justiça. A cena foi testemunhada por um outro advogado.
O empresário Scarpin chegou a ser citado na CPI do Banestado. Foi em 21 de novembro de 2003, em uma audiência realizada em Curitiba, na Assembléia Legislativa. Na ocasião estavam sendo inquiridos Afonso Celso Braga e Afonso Celso Braga Filho, donos do banco paraguaio Integración. Depois de perguntar sobre as relações dos depoentes com Scarpin, Íris Simões disse que apresentaria mais tarde requerimento para que ele fosse ouvido em Brasília. A convocação não aconteceu, apesar de Scarpin ter sido investigado pela força-tarefa montada pelo Ministério Público para investigar as contas CC-5 (contas de estrangeiros abertas em bancos nacionais, que na época eram usadas para remessas ilegais). Atualmente, o empresário está sendo processado pela Justiça Federal por gestão temerária e evasão de divisas, crimes contra o sistema financeiro.
O documento do Ministério Público Federal confirma que Bertholdo e Scarpin conheceram-se por intermédio do ex-deputado estadual Tony Garcia, que também foi cliente do advogado. Garcia à época acreditava na “influência” de Bertholdo, e pagara R$ 600 mil ao advogado para obter liminar em processo em que era réu, em 2002. Segundo o processo, Bertholdo teria dito ao ex-deputado que o dinheiro seria para subornar autoridades no Poder Judiciário.
Apontado como um dos parlamentares a se beneficiar com o tráfico de influência, José Mentor admite conhecer Bertholdo, mas nega a acusação de suborno . “Ele assistiu a algumas audiências públicas da CPI, assessorando deputados do PTB”, diz. Para ele, a hipótese de suborno é “absurda”.
Não era o que se dizia em maio e junho de 2004, quando a CPI fez suas últimas reuniões. À época comentava-se que havia vazamento de informações confidenciais e que pessoas ligadas a parlamentares vinham usando esses dados para obter dinheiro na iniciativa privada. Uma comissão de sindicância foi aberta em agosto de 2004 pela corregedoria do Senado, para apurar a questão. Um mês depois, o então presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP) prometeu punir com severidade qualquer caso comprovado de irregularidade na CPI do Banestado. Tais denúncias e o desentendimento entre os parlamentares fizeram com que a comissão fosse encerrada sem sequer votar um relatório.
Mentor e Cunha foram listados pela CPI dos Correios entre os receptores do mensalão. Mentor é investigado pela CPI e pelo Conselho de Ética por ter recebido R$ 120 mil do esquema de Marcos Valério. No caso de João Paulo, quem recebeu o dinheiro – R$ 50 mil – teria sido sua mulher.
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Gravações comprometedoras ficam guardadas na cela, em um aparelho de mp3
“É tudo conspiração”
Curitiba – O advogado Roberto Bertholdo, detido desde novembro do ano passado no Centro de Operações Policiais Especiais, em Curitiba, negou qualquer envolvimento em algum dos crimes dos quais é acusado - uma lista que inclui tortura, ameaças de morte a seus desafetos, suborno a parlamentares, de evasão de divisas e tráfico de influência. Na cela ele estuda o seu processo, escuta as gravações apresentadas pela acusação em um aparelho de mp3 e diz poder provar que as fitas foram editadas para incriminá-lo. Ele se sente injustiçado e quer falar no Jornal Nacional, na CPI, em qualquer local, pois garante poder comprovar sua inocência. Insiste todo o tempo em que existe uma “conspiração” que inclui juízes e doleiros, para extorquí-lo. Acompanhe alguns trechos da conversa.
Como você explica a denúncia do Ministério Público Federal sobre o seu envolvimento com a CPI do Banestado?
A vítima (Scarpin) negou, disse que eu não o constrangi e que foi o Tony Garcia que estava ameaçando ele e a família dele. Quanto à história de eu ter apresentado uma arma, aconteceu o seguinte. O Nego (apelido) Scarpin foi no meu escritório como cliente, apresentado pelo Tony Garcia. O Tony Garcia começou a extorquir, “você vai para a CPI, vai ter de pagar um milhão para mim senão sai preso de lá”. O Nego achou que eu estava junto e, por isso, para não ser citado na CPI, uma vez ele foi no meu escritório e gravou uma reunião sem me falar nada. Eu soube e o encontrei por acaso no escritório de um colega. Falei: “Nego, para conversar com você preciso te revistar”. Eu estava constrangido por ele ter me gravado sem ter dito nada. Ele quis me revistar também e eu estava com uma arma, sem pente, para fazer uma lubrificação. Ele ficou nervoso, tirei a arma, coloquei na mesa e começamos a conversar. Eu disse que se ele provasse a minha participação no esquema da CPI eu iria trabalhar o resto da vida de graça para ele – e eu tinha cobrado R$ 300 mil reais dele para fazer trabalho em uma ação penal. No final a gente acabou saindo de lá e se entendendo. Não há nada de comprometedor nessa conversa da fita, que está com o Ministério Público.
Você pode explicar as acusações da Veja? E o envolvimento do deputado José Janene (PP-PR)?
Quando surgiu o Marcos Valério, dizem que eu aqui no Paraná virei o homem do mensalão do PMDB. Isso tudo começou com uma gravação do meu ex-sócio, o Sérgio Costa. É uma conversa entre eu e ele, ele gravou mais de 200 horas e editou tudo. Se eu tenho 200 horas de conversa, eu extraio uma frase que eu estou tendo com você e edito. Tudo bem, vou fazer uma perícia e, evidentemente, vai aparecer a edição. Quanto ao Janene, eu não tenho mais nenhum compromisso porque ele mentiu. O deputado sabia que tinha sido o doleiro Alberto Youssef quem grampeou o juiz da segunda Vara Criminal de Curitiba, Sérgio Moro. Ele tinha acesso a essas fitas, foi ao Ministério Público e não disse a verdade, falou que fui eu. O Janene alimentava o esquema de corrupção do governo por meio do doleiro Youssef. Quem ele pagava eu só falo ao procurador-geral da República, mas grande parte dos recursos passava pela corretora Bônus-Banval, de São Paulo.
E as acusações sobre Itaipu?
Eu estava falando daquele caso específico, mas não tinha nada de criminoso. Na Veja a conversa está fora do contexto, as frases estão invertidas e outras foram suprimidas. Quando eu falo, “Pelo que eu sei, pegaram 6 paus de dólar”, eu estava falando de um cliente, de uma operação que eu estava fazendo de crédito tributário. Nunca voei em avião de Itaipu, nunca levei o (Jorge) Samek (diretor de Itaipu Binacional) para Brasília. Dei duas vezes carona para o Samek de Foz para Curitiba e tinha gente junto, vários funcionários de Itaipu.
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Beneficiário da “delação premiada”, Garcia nega tráfico de influência
“Nunca fui mentor de extorsão nenhuma”, diz ex-deputado
Curitiba – Conversar com quem celebrou um acordo de delação premiada com a justiça é desagradável, pela certeza de ter mais gente na escuta. Em troca do perdão de erros passados ou da reavaliação de antigos processos, o signatário abre mão de seus direitos e permite a colocação de interceptores nos telefones e nos ambientes da residência e do escritório para ajudar os investigadores a encontrar provas contra suspeitos. Essa é a situação do ex-deputado Tony Garcia. Mesmo tendo sido citado no depoimento de Luiz Antonio Scarpin como sendo um dos autores do pedido de propina para a absolvição do empresário na CPI, Tony contesta a história e transfere a culpa para o advogado Roberto Bertholdo.
Você propôs a alguém o pagamento de propina em troca de favores na CPI? Como foi o caso Scarpin?
Nunca. Com o Scarpin, tivemos a seguinte conversa. Ele me disse “então vou ter que acertar com esse cara”. “Acertar com quem?”, perguntei. “Com o Bertholdo”. “O que você vai ter de acertar?”, disse. Aí que ele continuou: “Ele me falou que precisa de R$ 300 mil, para dar R$ 30 mil para cada deputado da CPI, para me livrar”. E aí eu disse: “Você falou para mim que não deve nada, que não tem problema nenhum. Vai lá conversar com ele”. E aí foi o episódio que o Bertholdo apontou a arma para eles. No fim, eles conversaram e se acertaram para outros negócios que daqui a pouco vão surgir, já estão sendo investigados pela Justiça. E o Bertholdo me coloca como se eu fosse o mentor da extorsão. Isso nunca aconteceu, eu apenas estava no meio dos dois.
E o deputado Janene?
O Janene é meu amigo. Ele está muito doente. Eu acho que ele desconhecia qualquer caso de corrupção na CPI ou no caso do mensalão.
O Roberto Bertholdo diz que a delação premiada é a sua moeda de troca para se livrar dessa e de outras acusações, como o processo do Consórcio Garibaldi, no qual você teria embolsado R$ 48 milhões de mais de 40 mil consorciados. O que você diz disso?
Passei por um pente-fino, varreram a minha vida e não tenho nenhuma acusação a não ser essa bobagem que fizeram comigo em 1994, desse consórcio que eu jamais fui dono na minha vida. A minha família tinha apenas empresas que trabalhavam com o Consórcio. E para falar a verdade sobre isso, a primeira vez que eu fui ouvido sobre o assunto foi há três semanas e tenho certeza que no final vou sair tranqüilo. (DD)
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Íris e Bernardo negam envolvimento
O deputado Íris Simões (PTB) negou para a reportagem da Gazeta do Povo qualquer tipo de relação com o advogado Roberto Bertholdo, embora o deputado José Mentor, relator da CPI do Banestado tenha dito que ele acompanhou algumas reuniões da comissão, assessorando ou acompanhando parlamentares do PTB. “Eu o via na liderança do PMDB e, porque ele era do Paraná, às vezes no aeroporto”, afirmou Simões.
Sobre as gravações que citam o seu nome no esquema de compra de deputados para oferecer facilidades para pessoas investigadas pela comissão – entre elas o empresário Luiz Antônio Scarpin –, o deputado Íris Simões disse que só quem falou poderia explicar. “Não sei porque ele [Bertholdo] diz isso. Eu entrei no finalzinho da CPI, após a morte do deputado José Carlos Martinez. Participei de poucas reuniões, até porque a comissão não andava mesmo. Virou uma guerra entre governo e oposição.” Simões disse ainda que apenas ouviu falar de Scarpin, apesar de ter feito várias perguntas para os donos do Banco Integración em que insinuava que ele poderia ser acio-nista da instituição.
Já o deputado Paulo Bernardo (PT), suplente que participou de algumas reuniões da CPI do Banestado, foi procurado pela reportagem, mas não foi localizado para falar sobre o assunto. Por meio de sua assessoria, o atual ministro do Planejamento informou que não mantém nem nunca manteve relações com Roberto Bertholdo e que participou apenas de algumas sessões da CPI do Banestado, na condição de membro suplente. O ministro nega ter participado de qualquer acordo para evitar convocações na comissão.
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Entenda o caso
• A CPI do Banestado foi instalada no Congresso Nacional em junho de 2003 para investigar denúncias de remessas ilegais para o exterior por meio de contas CC-5.
• As CC-5 eram contas correntes em bancos nacionais que permitiam aos estrangeiros a remessa de dinheiro para o exterior. Eram usadas ainda por empresas para pagamento de compromissos no exterior e para remessa antecipada de dividendos.
• Mesmo depois de aberta uma comissão de sindicância em 2004 para apurar boatos de vazamento de informações confidenciais na CPI e a chantagem a envolvidos, a comissão terminou em dezembro de 2004 sem votar o relatório final do deputado José Mentor (PT-SP). Na época, Mentor afirmou que a última reunião havia sido marcada antes do prazo previsto de propósito para que o documento que propunha 91 indiciamentos – entre eles, do ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta – não fosse votado.
• No ano passado, o Ministerio Publico soube que evolvidos na CPI do Banestado teriam chantageado o empresario Luiz Antonio Scarpin a pagar R$ 1 milhao para não ser citado na CPI. Mesmo sendo mencionado na CPI, Scarpin nunca foi chamado para depor.
• O escândalo do mensalão surgiu no ano passado, quando o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou o pagamento de parcelas em dinheiro a parlamentares aliados ao governo. Está sendo investigado pelas CPIs dos Correios e dos Bingos. Jefferson e o ex-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, foram cassados em conseqüência das investigações.
Um comentário:
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