28.3.06

Apurar toda a verdade

A demissão do ministro da Fazenda, Antonio Palocci - confirmada enquanto este texto era redigido -, não pode servir de pretexto para o governo considerar encerrada a escabrosa história da tentativa de linchamento moral de Francenildo Costa. Assinale-se, desde logo, que a descida do ministro aos infernos, para usar a mesma metáfora a que recorreu no discurso à Câmara Americana de Comércio, na sexta-feira, em São Paulo, não começou com a inevitável suspeita do envolvimento da Fazenda na sórdida operação montada para desqualificar o testemunho arrasador do ex-caseiro da sede da República de Ribeirão Preto em Brasília.

Começou, a rigor, quando ele não apenas confirmou o depoimento à CPI dos Bingos do motorista que servia à corriola freqüentadora do imóvel, mas o enriqueceu com tal quantidade de detalhes verossímeis que desidratou as juras de Palocci à mesma CPI de que jamais pusera os pés na malfadada mansão do Lago Sul. Diga-se a bem da verdade que nada indica, por ora, que ele a tenha visitado para participar da armação das negociatas a que se dedicava a sua patota, no horário, digamos, comercial. Mas isso não deteve a erosão do patrimônio político do ministro até então blindado pela oposição contra o fogo dito amigo dos seus companheiros.

O que precipitou a ruína política de Palocci foi a vexaminosa tentativa do apparat petista de incriminar Francenildo, violando a sua conta na Caixa Econômica Federal, repassando à imprensa a sua movimentação financeira e, por último, escândalo dos escândalos, mandando a Polícia Federal investigá-lo por lavagem de dinheiro. Admita-se, para argumentar, que Palocci não ordenou, nem autorizou e nem mesmo sabia de nada daquilo, apesar do apontado envolvimento, na divulgação dos extratos, de um de seus assessores mais próximos. De um modo ou de outro, o fato é que ele era, objetivamente, o beneficiário direto da vilania. É isso - a anatomia do crime - que interessa aos brasileiros.

Porque urge expor à luz do sol as entranhas do governo Lula, com a identificação cabal da origem dos delitos praticados, da seqüência de decisões e iniciativas que levaram à sua desastrada consumação - em suma, o organograma e o cronograma da ofensiva massacrante de um humilde assalariado, cuja intimidade foi sacrificada no altar profano das conveniências pessoais de um ministro e dos interesses eleitorais do seu chefe. Os nomes e os dados biográficos dos envolvidos citados na imprensa e na internet no fim da semana praticamente demonstram que o petismo deixou as suas digitais no processo de estilhaçamento dos direitos civis de Francenildo Costa.

Duas funcionárias mencionadas, ambas com poder de decisão em áreas estratégicas da Caixa, eram - ou são - militantes petistas, embora não tão estreladas como o presidente da instituição, Jorge Mattoso, que sintomaticamente se recusou a depor na Polícia Federal, na semana passada, mandando dois advogados em seu lugar - isso depois de anunciar que a apuração do caso poderia levar 15 dias. Foi o primeiro sinal de uma trama destinada a acobertar, contando com o tempo, a disseminação de informações confusas e desencontradas, e a supressão de evidências incriminadoras, não o delito escancarado, mas a malha mafiosa que o tornou possível. Estas não são acusações precipitadas nem politicamente motivadas.

No final da semana, o responsável pelo inquérito aberto na Polícia Federal, delegado Rodrigo Carneiro Gomes, afirmou textualmente o seguinte, em comunicado transmitido pela PF do Distrito Federal: "A polícia não compactua com a tentativa de transferir responsabilidades exclusivamente a pessoas de menor importância na cadeia de comando e que, portanto, não possuem poder decisório." Não é preciso ser nem bom entendedor para avaliar o alcance e a direção dessas palavras. Além da busca de bodes expiatórios, o esquema de dissimulação da verdade posto em movimento na Caixa incluiu aparentemente o estranho episódio de um computador portátil que viajou de Brasília para São Paulo com um dos dois funcionários que o utilizam. (O outro estaria em férias.) O laptop teria sido usado para quebrar o sigilo bancário de Francenildo.

Além do desvendamento da violação, é preciso que os seus autores paguem por seus atos. Apenas a demissão de Jorge Mattoso, o presidente da Caixa, não será suficiente nem para uma coisa nem para a outra.
Estadão

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