Líder do MST aprova ação no Sul e ataca pesquisadora
Determinado e radical, estilo de Jaime Amorim inspira movimento
O lider do Movimento dos SemTerra (MST) Jaime Amorim aprovou ontem a depredação na Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul, ocorrida anteontem. 'Não estamos preocupados com a nossa imagem', disse ele, ao ser questionado sobre a violência empregada na ação.
Tampouco se sensibilizou com o choro da pesquisadora que viu anos de trabalho serem destruídos. 'Se fosse uma pesquisadora séria, não teria se vendido às multinacionais', afirmou. 'Ela representa um tipo de venda de soberania.' O mais conhecido líder do movimento, João Pedro Stédile, fez coro ao grito de guerra declarado por Amorim: 'As companheiras mulheres (que invadiram a Aracruz ) estão de parabéns pelo ato de chamar a atenção da sociedade.' Aos 46 anos, Amorim é a maior liderança do MST em Pernambuco. Responsável pela organização no Estado, não usa meias palavras para expressar suas posições - radicais até para o MST. Ele é natural de Santa Catarina, ingressou no movimento social e de luta pela terra através da Igreja. Casado com Rubineusa Souza, liderança ativa do MST na área da educação, com quem tem três filhos, mora em Caruaru, no agreste, quartel-general do movimento. Está lá desde 1987.
Mesmo com o crescimento do movimento no Estado e a formação de líderes estaduais, Amorim, que integra a direção nacional, é sua maior referência. Está presente em todas as grandes manifestações, assim como no planejamento.
Após quase duas décadas em Pernambuco, acumulou processos judiciais por vários motivos: incêndio de tratores e ocupação de terra, bloqueio de estradas, invasão de navio vindo da Argentina com milho transgênico, ocupação da sede do Incra com reféns, retirada de produtos geneticamente modificados em supermercados.
Há cerca de um mês, teve a prisão decretada por depredação de veículos em uma rodovia, mas a ordem foi revogada.
INFLUÊNCIA
Ontem, ao comentar a depredação no Sul, Amorim explicitou objetivos que vão além da reforma agrária. Para ele, o importante é que o ato da Via Campesina e do MST ajude a sociedade a discutir o sistema produtivo e os produtos geneticamente modificados. 'O País não pode ficar refém das florestas homogêneas, como a de eucalipto, nem de monoculturas, que destroem o meio ambiente.' A tática de Amorim influenciou outros movimentos de luta pela terra, mais comedidos desde as Ligas Camponesas, de Francisco Julião, que reuniam canavieiros na Zona da Mata e foram duramente reprimidas pelos governos militares.
Amorim pega na foice para derrubar cercas e está sempre junto dos acampados e assentados, o que reforça a sua liderança. Tem a confiança dos semterra, que vêem nele e no movimento alguém que se preocupa com sua realidade e necessidades. Amorim recorreu à greve de fome com outros companheiros, há dez anos, para forçar a desapropriação da Fazenda Normandia, em Caruaru. Se for preciso, ele garante que voltará a fazer jejum.
Ações consideradas radicais e extremistas se transformam em mecanismo de luta, nas suas explicações. Para ele, ocupação do Incra com queima de veículos 'visou unicamente a fortalecer a infra-estrutura do órgão'. Depredar laboratório da Aracruz 'tem o objetivo de defender a saúde do povo e a soberania nacional'.
Nesse contexto, o caminho que começa a ser trilhado pelo MST, de combate às multinacionais, por devastar a agricultura e o meio ambiente, 'ameaçando a soberania nacional', é perfeitamente defensável.
AVESTRUZES
Ontem, a ala do MST conduzida por Amorim promoveu nova ação. Cerca de 200 pessoas derrubaram um outdoor da Avestruz Master, na frente da fazenda onde são criadas 502 aves, em Vitória de Santo Antão, zona da mata pernambucana.
O grupo ocupou a propriedade por uma hora e meia, para um 'protesto simbólico' contra 'a mentira do agronegócio e a financeirização da agricultura' - termos do próprio Amorim.
Ele pediu a punição donos da Avestruz Master, que culpou por prejuízo causado a centenas de pessoas que investiram no negócio e pelo sofrimento dos animais - muitos morreram de fome e sede. 'É um modelo que não precisa trabalhar na terra, basta criar um projeto e iludir as pessoas.'
Laboratório levaria 6 anos para refazer cruzamentos de espécies
Para pesquisador, biotecnologia ajuda reforma agrária, já que aumenta produtividade e libera áreas
Pesquisadores que trabalhavam no laboratório da Aracruz em Barra do Ribeiro passaram o dia ontem tentando contabilizar os prejuízos causados pela invasão do movimento Via Campesina. Fora os microscópios e outros equipamentos de pesquisa - que podem ser comprados de novo -, os invasores destruíram milhares de mudas de variedades experimentais de eucalipto, que estavam sendo desenvolvidas para melhorar a produtividade da planta no campo. Muitas delas, segundo os cientistas, não poderão ser recuperadas.Para o pesquisador Aurélio Mendes Aguiar, da Aracruz, o vandalismo foi um 'tiro no pé' do movimento agrário, já que o principal objetivo das pesquisas era, justamente, aumentar a produtividade do eucalipto e reduzir a necessidade de expansão das áreas de cultura - que tanto assusta os sem-terra. 'O mercado não vai parar de consumir papel', diz. 'Portanto, ou você aumenta a produtividade ou aumenta a área plantada. Quanto mais produtiva for cada árvore de eucalipto, menor será o impacto sobre o meio ambiente.' Entre as mudas destruídas estavam variedades com produção elevada de celulose e melhor adaptabilidade às condições climáticas do Rio Grande do Sul.Nenhuma delas era transgênica. As transformações foram obtidas por melhoramento genético tradicional, no qual os cientistas selecionam e cruzam as árvores com características mais desejáveis. Por exemplo, combinando crescimento mais rápido, maior produção de celulose e resistência a doenças e geadas.O processo envolve anos de trabalho de campo e de laboratório, onde é feita a caracterização genética das plantas. Cada indivíduo selecionado de um novo cruzamento é chamado 'clone'.Segundo Aguiar, 16 clones de alta produtividade que estavam ainda dentro do laboratório, cultivados em placas de petri, foram destruídos no ataque. Na casa de vegetação, cerca de 2 mil mudas de pesquisa que iriam a campo para testes nos próximos 15 dias foram destruídas, assim como cerca de 50 (ou 20%) das chamadas matrizes (as plantas de melhor qualidade genética, que são selecionadas para os cruzamentos). Além de 1 milhão de mudas comerciais. 'Se fôssemos realizar todos os cruzamentos de novo, levaria no mínimo cinco ou seis anos. Alguns nunca mais serão possíveis, porque as matrizes não existem mais', diz Aguiar. 'Ainda estamos tentando quantificar o prejuízo, mas acho que vamos sentir os efeitos disso pelos próximos cinco ou dez anos.' Outra perda irreparável ocorreu no banco de germoplasma da unidade: uma espécie de biblioteca biológica, onde eram preservadas as sementes de várias espécies de eucalipto para uso em melhoramento. Os invasores estouraram o cadeado da câmara refrigerada e rasgaram quase todos os envelopes nos quais eram guardadas as sementes, misturando todo o material. 'Talvez consigamos recuperar 30% disso.'
REPERCUSSÃO
A Aracruz é uma das 14 empresas que participam da Rede Brasileira de Pesquisa do Genoma do Eucalyptus (Genolyptus), criada em 2002 e coordenada pela Embrapa. 'Estamos todos chocados com este ato de puro banditismo, completa ignorância e, pior, praticado com justificativas absolutamente absurdas', disse ao Estado o geneticista Dario Grattapaglia, pesquisador da Embrapa e coordenador do projeto. 'Acho que foi um crime violento, bárbaro, não só contra a empresa, mas contra a sociedade brasileira', disse o pesquisador Carlos Alberto Labate, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), que também trabalha com melhoramento genético de eucalipto. A indústria de celulose, segundo ele, representa cerca de 5% do PIB brasileiro e dá emprego a 2 milhões de pessoas.
Estadão
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