No que vai do ano, o MST e organizações afins, se não afiliadas, já invadiram mais de 60 propriedades rurais, sem falar da ocupação de pedágios, rodovias e sedes do Incra, num recorde absoluto, jamais atingido durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O desrespeito ao Estado de Direito e à democracia, tendo como alvo a implantação do socialismo no Brasil, é afirmado com todas as letras por essa organização política em seus documentos e nas declarações de seus líderes. Só não vê quem não quer! Por que o presidente Lula não quer ver?
No jornal Zero Hora (RS), nesta última semana, foi publicada uma foto exemplar. O MST, para "resistir" à desocupação decretada pela Justiça, armou uma tática de guerrilha, baseada em lanças pontiagudas, cravadas no solo, ao lado de grandes escudos, imensas peças de madeira construídas com tal função. Para quem viu a foto, é como se presenciássemos uma cena de batalha, daquelas de guerrilha que povoam imagens televisivas ou cinematográficas. Em visita a Sergipe, no dia 15, o presidente Lula declarou a sua afinidade com os "companheiros" do MST, afirmando a sua comunidade de objetivos. O que quis dizer o presidente com isso? Que ele aprova a invasão da Fazenda Coqueiros, no Rio Grande do Sul, altamente produtiva, com ameaça, inclusive armada, aos seus funcionários? Que ele aprova a destruição da unidade de pesquisa da Aracruz no mesmo Estado do Rio Grande do Sul, com requintes de destruição, onde todo um trabalho de pesquisa de mais de 15 anos foi destroçado? Que ele aprova a invasão de uma unidade agrícola, de pesquisa, da Syngenta, no Estado do Paraná? Falta-lhe autoridade ou não lhe convém exercer a autoridade?
O governo, ademais, age num flagrante desrespeito à lei. A medida provisória que impedia a vistoria de propriedades invadidas e retirava os ocupantes das listas dos beneficiários da concessão de terras não é observada, como se observar ou não a lei ficasse à discrição do presidente, de um ministro ou do presidente do Incra. O escândalo de tal conduta deveria ser propriamente inadmissível. Ora, nada é dito senão a mesma litania de que o governo não quer "criminalizar" os movimentos sociais. Se a sua conduta é ilícita, deve, evidentemente, ser punida com a responsabilização de seus líderes, tanto mais que seu objetivo consiste na destruição da democracia e do "capital".
Comentando e justificando a invasão do horto florestal da Aracruz, João Pedro Stédile declarou ao Estado (12/3, A15) que a "reforma agrária não se viabiliza no modelo neoliberal", ou seja, torna-se necessário o rompimento com o capitalismo e a implantação de uma sociedade socialista para que ela se possa concretizar. O jornal retomou em editorial uma precisa análise dessas declarações. Nessa mesma entrevista, o líder máximo do MST justifica a destruição da pesquisa realizada por estar ela voltada para o "lucro" e para a "produtividade" da empresa. Uma organização que age contra o Estado de Direito ditaria, então, as condições em que uma pesquisa é ou não válida. A violência seria, nesta perspectiva, o juiz que decidiria o que pode ou não ser feito. Estamos entre a condenação medieval da heresia e o stalinismo. E o presidente, o que tem a dizer a respeito?
Um comportamento do mesmo tipo se fez presente em outra invasão, dias após, numa fazenda da Syngenta onde pesquisas sobre transgênicos são realizadas. A justificativa foi uma pérola. Ela teria sido feita porque essa empresa não obedeceria a uma determinação relativa ao meio ambiente, por estar próxima de uma reserva ambiental. Ora, se essa empresa comete uma infração, cabe ao Estado fiscalizar e impor uma penalidade, se for ela verificada. É a tarefa mesma do Ibama, por exemplo. O MST, porém, não tem poderes de Estado. O que faz ele é cometer uma ilicitude tentando vender a idéia de que repararia uma outra ilicitude, como se fosse juiz e policial, numa evidente usurpação de um poder estatal, própria de movimentos de tipo revolucionário. E o Estado consente tal conduta?
Vários dirigentes petistas se manifestaram sobre essa questão, alguns aprovando o método utilizado, outros condenando-o, todos, no entanto, defendendo a "causa" do MST. O problema é de monta, porque significa dizer que o partido como um todo aprovaria a estratégia socialista do MST, embora possa divergir quanto a eventuais meios utilizados. O PT continua refém de suas bandeiras históricas, não conseguindo delas desvencilhar-se. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, presente em Porto Alegre para participar de um evento organizado pelo governo federal e pela FAO, quando da invasão da Aracruz, condenou, num primeiro momento, o método utilizado pelo MST/mulheres e, no dia seguinte, recebeu, sorridente, uma delegação das mesmas invasoras. Ria ele do quê? Dos cidadãos? Das leis? Do Estado?
As invasoras dessa unidade de pesquisa da Aracruz pernoitaram num seminário capuchinho, ao lado da Igreja Santo Antônio, em Porto Alegre. Elas tiveram o apoio logístico dessa ordem religiosa, que compartilha das posições marxistas do MST e considera Che Guevara uma espécie de mártir que deve ser louvado e reverenciado. Eles aplicam os princípios da Teologia da Libertação e agem sob o respaldo e a liderança da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Logo, a ação que se concluiu pela destruição da unidade de pesquisa se inscreve numa estratégia que tem a CPT como uma de suas líderes e mentoras. Dom Tomás Balduíno, presidente da CPT, elogiou a destruição, embora outros setores da Igreja a tenham condenado. Em todo caso, o papa Bento XVI, então cardeal Joseph Ratzinger, condenou explicitamente os princípios da Teologia da Libertação, adiantando-se ao que vieram a ser as ações em seu nome feitas. Concorda ou não a CNBB com esse tipo de ação revolucionária?
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br
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