14.3.06

Caseiro desmente Palocci

Caseiro desmente Palocci e revela partilha de dinheiro em mansão
Empregado da casa diz que testemunhou entrega de dinheiro vivo a secretário particular de ministro da Fazenda

Depois dos depoimentos do delegado Benedito Antônio Valencise e do motorista Francisco das Chagas Costa à CPI dos Bingos, uma nova testemunha desmente o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Conhecido como Nildo, Francenildo Santos Costa foi caseiro da mansão freqüentada no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, por amigos e assessores que acompanham o ministro desde que ele era prefeito de Ribeirão Preto. Nildo contou ao Estado que a casa - alugada por Vladimir Poleto, ex-assessor da prefeitura - era usada para partilha de dinheiro. Segundo o caseiro, Palocci era freqüentador assíduo do local, onde todos o chamavam de "chefe". Também aparecia por lá, com assiduidade até maior que Palocci, seu secretário particular , Ademirson Ariosvaldo da Silva.

Na casa, segundo Nildo, eram realizadas reuniões para organizar a distribuição de dinheiro por Brasília - além de festas animadas por garotas de programa, agenciadas, muitas vezes, por Jeany Mary Corner. Encarregado de vigiar e limpar o local, Nildo tinha acesso livre a seus cômodos e disse ter visto malas e maços do dinheiro administrado por Poleto. E mais: numa ocasião, testemunhou quando Costa, o motorista, teria entregado um envelope com reais a Ademirson, no estacionamento do Ministério da Fazenda. O caseiro afirmou que Costa, sempre por orientação de Poleto, fazia entregas de dinheiro com freqüência.

Durante um período de oito meses, encerrado no início de 2004, a casa serviu como base para a chamada república de Ribeirão. Segundo Nildo, o dinheiro era enviado de São Paulo mensalmente por Rogério Buratti, secretário de Governo de Ribeirão na primeira gestão de Palocci. Uma parte do dinheiro custeava as despesas de manutenção do imóvel e pagava os serviços dos empregados e as festas. O restante seria distribuído entre os membros da república de Ribeirão.

"Eu via as notas. Vi pacotes de R$ 100 e de R$ 50 na mala do Vladimir", afirmou o caseiro. Poleto costumava carregar maços de reais numa mala e pagava tudo com dinheiro vivo, até mesmo o aluguel dos seis primeiros meses da casa, num total de R$ 60 mil. Nildo contou que as remessas só atrasaram uma vez, porque "a moça lá da empresa do doutor Rogério não fez o envio no dia certo".

VIDROS ESCUROS

Segundo o caseiro, Palocci esteve no imóvel "umas 10 ou 20 vezes". Chegou quase sempre sozinho, dirigindo um Peugeot prata de vidros escuros - o mesmo usado por Ralph Barquete, secretário de Finanças de Palocci na prefeitura de Ribeirão e posteriormente assessor da presidência da Caixa Econômica Federal. Barquete morreu em junho de 2004, de câncer.

Sempre que Palocci ia à casa, de acordo com o relato, os integrantes do grupo de Ribeirão eram alertados por um telefonema de Ademirson. Segundo Nildo, eles diziam: "Olha, o chefe vem hoje." Palocci, contou o caseiro, pediu que as luzes do portão ficassem apagadas para que ninguém o visse.

O testemunho de Nildo, somado ao depoimento do motorista à CPI, derruba a versão sustentada pelo ministro de que cessara sua convivência com a república de Ribeirão após a sua vinda para Brasília. A manutenção da proximidade com esses personagens, já como ministro, reforça a posição do Ministério Público de Ribeirão, para o qual Palocci estava comprometido com o esquema de corrupção na prefeitura. Há menos de um mês, o delegado Valencise, lotado na cidade, acusou Palocci, também na CPI, de ter comandado um esquema de fraude nos contratos de coleta de lixo.

Nascido em Nazária (PI), o caseiro tem carteira assinada desde 1998 pelo dono do imóvel alugado por Buratti, o advogado Luiz Antonio Guerra. Disse que o motorista só contou parte do que viu. Quanto ao depoimento de Palocci, avaliou que foi ainda menos verdadeiro.

Para adiantar o aluguel, uma maleta com R$ 60 mil
Situada no Lago Sul, bairro mais chique de Brasília, a mansão ocupada pela turma de Ribeirão Preto tem dois andares, 700 metros quadrados, quatro suítes, salão de jogos, piscina, churrasqueira, quadra de tênis e um bom sistema de segurança, que inclui câmeras de vídeo e sensores de luz que se acendem a qualquer movimento.
A casa foi alugada por Vladimir Poleto, ex-assessor do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, quando este era prefeito de Ribeirão Preto. O aluguel foi acertado em junho de 2003, ao preço de R$ 10 mil mensais.
À VISTA
O dono do imóvel, o advogado Luiz Antônio Guerra, conta que Vladimir Poleto se apresentou como empresário que estava se mudando de Ribeirão Preto para Brasília sem a família.
Poleto pagou à vista e adiantado por seis meses de aluguel. Ele alegou não ter avalista, porque dizia não conhecer ninguém na cidade, e propôs pagar os seis primeiros meses de uma só vez.
O adiantamento foi pago em dinheiro vivo: R$ 60 mil, guardados numa maleta.
De acordo com o caseiro Francenildo Costa, a mansão foi escolhida por estar numa área bem próxima ao aeroporto de Brasília.
A casa só foi desmontada no início de 2004, quando estourou o escândalo do ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz, flagrado extorquindo o empresário de jogos Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
Hoje, serve de escritório de advocacia do próprio Luiz Antônio Guerra.

"Ministro chegava num Peugeot prata"
Caseiro contesta depoimento de motorista e dá detalhes das visitas de Palocci à mansão alugada em Brasília
Caseiro da mansão que por oito meses serviu de base para a república de Ribeirão Preto, Francenildo Santos Costa, o Nildo, relatou ao Estado a rotina da casa e de seus freqüentadores, entre os quais incluiu o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Mais enfático que o depoimento do motorista Francisco das Chagas Costa à CPI dos Bingos, segundo o qual Palocci fora à casa "umas duas ou três vezes", Nildo assegurou que o ministro foi mais assíduo.
"Ele chegava sozinho, num Peugeot prata, de vidro escuro, de uso do dr. Ralph (Barquete)", contou Nildo, referindo-se ao ex-assessor de Palocci em Ribeirão, já morto.
O caseiro garante ter testemunhado distribuição de dinheiro na casa do Lago Sul e conta que o local servia para reuniões do grupo. Relata, ainda, que a chegada de Palocci era antecedida de um aviso do seu secretário particular, Ademirson Ariosvaldo da Silva, e caracterizada pela discrição.
Pelo testemunho, Palocci, já como ministro, manteve relações com seus ex-assessores na prefeitura de Ribeirão, ao contrário do que afirmou à CPI. Abaixo, os principais trechos da entrevista do caseiro:
O que chamou mais a sua atenção nos meses em que conviveu com os inquilinos de Ribeirão Preto?
A forma de pagamento. Era muito bom.
O pagamento era em cheque?
Nunca saiu cheque, não. Só em dinheiro.
Quem morava na casa?
Ninguém morava lá. Passavam só a noite.
Quem eram essas pessoas?
Vladimir Poleto, doutor Ralph Barquete, doutor Rui (Barquete, irmão de Ralph), Ademirson (Ariosvaldo da Silva, secretário particular de Palocci) e o chefe.
Quem é o chefe?
A gente não chamava de Palocci lá na frente deles. Eles achavam ruim. Tinha que chamar de chefe.
E eles chamavam Palocci de chefe ou só os empregados?
Não, era para todo mundo: "Olha, o chefe vem hoje. Vamos sair fora e deixar a casa para o chefe." Isso quando ele ia durante a semana, porque geralmente ele ia no sábado e no domingo.
O senhor conheceu o ministro pessoalmente?
Eu via de longe, porque a casa tem sensor de luz que se acendia quando ele aparecia. Via a cara dele de terno e tudo. Num sábado à tarde, cheguei a ver ele com doutor Rogério (Buratti, ex-assessor de Palocci na prefeitura de Ribeirão Preto) e doutor Rui Barquete.
Onde havia sensores de luz?
Dentro da casa, para clarear o terreno. Ele pediu para desligar os sensores em volta da casa, mas não teve como desligar. Era para ninguém vê-lo. No jardim tem luzes. Ele falava que não era para ligar a luz do jardim, que queria a casa escura do lado de fora.
Ele chegava sozinho?
Chegava sozinho, vinha num Peugeot prata, de vidro escuro, dirigindo sozinho.
De quem era o carro?
Era de uso do doutor Ralph.
O senhor morava na casa?
Sim. A casa fica do lado da garagem. Quem está lá dentro dá pra ver quem está lá fora.
O senhor via o ministro chegando?
É, a gente via.
Mas ele disse que nunca foi à casa
Do lado dele, eu não sou nada, mas ele está mentindo.
Quantas vezes ele foi à casa?
Se for contar, que eu me lembre, umas 10 ou 20 vezes. Não foram três vezes como Francisco falou (à CPI dos Bingos).
Ele jogava tênis?
Teve um sábado em que estava jogando tênis com o doutor Rogério e Rui, à tarde.
Buratti freqüentava a casa?
Umas três vezes o chefe foi para conversar com o doutor Rogério, lá numa sala que tinha TV. Eles sempre ficavam lá. O doutor Rogério ficava lá com a mulher dele, Carla. Quando iam para São Paulo, Carla vinha no final de semana.
O senhor via dinheiro na casa?
Via, via as notas, pacotes de R$ 100 e R$ 50 na mala de Vladimir. Ele trazia muito dinheiro. Eu sabia que tinha muito dinheiro porque ele saía do quarto e fechava a porta do quarto.
Quem pagava as contas?
Era Vladimir. Vinha uma verba lá de São Paulo.
De onde vinha o dinheiro?
Vinha da empresa do doutor Rogério. Era ele quem pagava as despesas, os empregados. Ele passava o dinheiro para Vladimir.
O senhor participou alguma vez da entrega de dinheiro?
Um dia o Francisco me chamou para ir ao ministério. Disse: "Vamos ali mais eu, que você está à toa mesmo." Chegamos lá, Francisco parou o carro no estacionamento, ligou para o doutor Ademirson. Esperamos uns 20, 30 minutos. Aí ele desceu e Francisco entregou o envelope. Eu vi Francisco pegando o dinheiro. Dava para ver que era muito dinheiro, não era pouco. Acho que R$ 5 mil, R$ 6 mil, R$ 7 mil.
O pagamento dos empregados da casa também era feito com dinheiro enviado por Buratti?
Era. Ele passava o dinheiro ao Vladimir, que pagava a gente.
O dinheiro vinha de São Paulo?
O dinheiro vinha lá da empresa de São Paulo, eles chamavam de verba.
Como era o pagamento de vocês?
Eles pagavam no dia 1º. Falavam que era até dia 5, mas pagavam antes. Davam R$ 750, R$ 770, mais um pouquinho. Vladimir era ótimo patrão.
Onde ele pegava o dinheiro?
Tinha vez que ele vinha com o dinheiro na mala, vinha do aeroporto, vinha de fora. Sempre pagavam na terça ou na quinta-feira.
O senhor levou dinheiro outras vezes para Ademirson?
Francisco deve ter levado muitas vezes. Pelo que eu conversei com ele, ele levou dinheiro para cada um deles. Levava para os apartamentos, para um e outro, doutor Rogério, doutor Ralph. Se precisava de dinheiro trocado, aí Vladimir fazia um pacote numa mesa que tinha lá, separava, desmanchava o dinheiro, separava e mandava Francisco distribuir. Francisco me falou isso.
O dinheiro que o motorista Francisco levava era para Ademirson ou para o chefe?
Não posso informar, não. Não sei o que eles faziam com esse dinheiro, não.
Alguma vez alguém falou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Ele era bem falado lá, mas quando falavam no nome de Lula iam lá para dentro. Falava nos eventos, nas viagens que ele ia fazer.
A casa era mobiliada?
Não, Vladimir comprou tudinho. As camas vieram assim que ele fez o contrato. As camas novas, tudo camona boa, bonita.
Eles guardavam roupa dentro daquela casa?
O Vladimir, o doutor Rogério, o doutor Ralph, sim.
Por que o senhor decidiu contar tudo isso agora?
É porque o Francisco depôs na CPI e citou a mim e minha mulher. Fiquei meio com medo e resolvi falar logo.

Motorista admite que conhece caseiro, mas nega denúncias
O motorista Francisco das Chagas Costa confirmou que Francenildo dos Santos Costa, o Nildo, foi realmente caseiro da mansão que era freqüentada pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e seus amigos da república de Ribeirão. "É o Nildo, o caseiro, eu conheço ele", afirmou, ao ver as fotografias mostradas pelo Estado. Evangélico, do tipo que não mente por dever religioso, ele preferiu silenciar quando soube que Nildo tinha contado sobre a entrega de um envelope com dinheiro para Ademirson Ariosvaldo da Silva, secretário do ministro. Ele não negou que tenha feito a entrega e depois encerrou a conversa: "Deixa isso para lá, não vou me meter nisso não." Ao ser alertado de que poderia se prejudicar, disse: "Não tenho nada que falar. Deixe eu me complicar." O advogado Luiz Antônio Guerra da Silva, proprietário da mansão alugada para Vladimir Poleto, confirmou ter sugerido a permanência de Nildo. "Eu o recomendei ao Poleto. Disse que tinha um casal de caseiros que conhecia e já trabalhava na casa. O Poletto aceitou e o Francenildo passou a ser contratado dele", afirmou.

Estadão