17.3.06

É o fim do caminho

Para manter calado o caseiro, PT deu um tiro de canhão no peito de Palocci

Ao recorrer ao Supremo Tribunal Federal para suspender o depoimento de Francenildo Santos Costa na CPI dos Bingos, o PT mirou a voz do caseiro e atingiu o peito do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Feriu o coração do governo e imprimiu mácula inamovível na já irremediavelmente maculada história do partido.

Antes de ter a palavra cassada por uma liminar concedida por ação do vice-presidente do Senado, o petista Tião Viana, o funcionário da casa de lobby dos amigos e ex-assessores do ministro teve tempo para dizer o suficiente: que o ministro mentiu ao Congresso quando negou ter algum dia freqüentado aquele ambiente de negociatas e troca de favores lúdicos. "Confirmo até morrer", fulminou.

O governo orientou o PT a dar um tiro de canhão e não conseguiu matar o mosquito. Mais do que disse no início do depoimento muito pouco Francenildo poderia ter a acrescentar, uma vez que havia um acordo tácito entre os senadores para evitar a abordagem de quaisquer assuntos de natureza pessoal.

O ponto central do episódio de ontem não foi tanto a decisão do ministro Cezar Peluso ao conceder a liminar, mas a aflição contida na iniciativa de buscar na Justiça a proteção do ministro da Fazenda, por ausência absoluta de outro recurso disponível.

O PT entrou com o mandado de segurança baseado num sofisma, argumentando que a CPI dos Bingos se desviara de seu fato determinado. A falsidade da alegação está no fato de que a mesma providência poderia ter sido tomada muito antes, pois há tempos o governo apelidou a comissão de "CPI do fim do mundo", justamente aludindo à gama de temas abordados, e não o fez.

Não tomou uma providência ou por reconhecer a conexão das investigações com o fato determinado ou por avaliar que seria politicamente inábil e imprudente comprar uma briga desse tamanho com a oposição e com o Congresso, pois equivaleria - como equivaleu - a cometer o ato inédito de provocar a interrupção judicial dos trabalhos de uma comissão parlamentar de inquérito.

Se o PT decidiu ontem ignorar uma decisão anterior e deixar de lado os riscos políticos foi porque um motivo de força maior se apresentou. E a razão só pode estar relacionada com as informações que Francenildo Santos Costa teria a prestar à CPI.

Desde a publicação da reportagem de Rosa Costa na edição de terça-feira do Estado, o ministro da Fazenda havia perdido autoridade moral para permanecer à frente de seu cargo. Não apenas pela exposição de mais um episódio de mentira, mas sobretudo porque não exibia mais capacidade de defesa. Seu argumento para contraditar a entrevista do caseiro era de singeleza tosca: não dirigia carros em Brasília e, portanto, não teria sido visto à direção do Peugeot cor de prata chegando à casa de lobby, como dizia Francenildo.

O rapaz poderia estar mentindo, a serviço de alguém interessado em complicar a vida do ministro e, por intermédio desse estratagema, atingir o governo e o presidente Luiz Inácio da Silva?

Poderia sim, mas, se estivesse, a reação seria outra. De posse de todos os instrumentos disponíveis ao poder não teria sido muito trabalhoso desmontar a versão, expor os artífices da farsa, repor a verdade, recuperar a honorabilidade da palavra do ministro e encerrar por aí a questão, inclusive contando com o beneplácito da oposição, que nunca negou seu apoio a Antonio Palocci.

Da mesma forma como no dia anterior o publicitário Duda Mendonça havia escudado sua culpa no silêncio absoluto, ontem o PT optou por escorar as falsas versões do ministro da Fazenda no mutismo do caseiro, que só não foi absoluto porque a liminar do Supremo chegou tarde para calar Francenildo naquilo que era o essencial.

Mas alcançou a CPI a tempo de expor o desespero do governo, sua desconfiança na veracidade da palavra do ministro e a disposição cega do PT para interditar o direito social à informação a respeito das - para usar o jargão dos protagonistas em questão - maracutaias dos seus.
Dora Kramer