Advogado mostra ao Congresso quem manda no país
por Adriana Aguiar
Houvesse no país o prêmio de “criminalista do ano”, o troféu, certamente, iria para o advogado José Luís Oliveira Lima. Sua atuação na defesa do ex-deputado José Dirceu sacudiu o Congresso Nacional e monopolizou as manchetes do noticiário entre julho e novembro.
O episódio jogou luzes sobre uma situação esquisita: o fato de os congressistas acharem que, como legisladores, detêm o poder de escolher se querem ou não submeter-se às leis e à Constituição do país.
A constatação não é recente e a reação do Supremo Tribunal Federal já vinha se desenhando desde que a corte foi renovada neste governo. O fato é que a elegante insistência de Oliveira Lima, nas palavras dos próprios ministros, levou o tribunal a definir que os parlamentares, em todos os atos, quando se investem de funções judiciais subordinam-se a todas as obrigações que pesam sobre os juízes.
Nesta entrevista à equipe da Consultor Jurídico, José Luís Oliveira Lima (conhecido entre os amigos pelo apelido de Juca), narra a sua experiência e opina sobre temas polêmicos como a delação premiada e a forma como se tem aplicado a prisão preventiva no Brasil.
Ele defende que o advogado não pode abrir mão de nenhuma possibilidade para garantir um julgamento justo para seu cliente, mesmo que o país todo, em coro, vaie a iniciativa. “O que pedi no Supremo é que fossem garantidos os direitos previstos na Constituição e no Código de Processo Penal. Mesmo os ministros que não deferiram nossos pleitos deixaram claro de que deveria haver o direito de defesa”, disse.
Participaram da entrevista na revista Consultor Jurídico os jornalistas Márcio Chaer, Maurício Cardoso, Maria Fernanda Erdelyi, Rodrigo Haidar e Adriana Aguiar.
Leia a íntegra da entrevista:
ConJur — Como foi o seu relacionamento com os parlamentares durante a defesa do deputado José Dirceu?
Oliveira Lima — Muito bom. Não houve problemas. Foram quatro meses e meio de batalha. Fui contratado dia 19 de julho e já em 2 de agosto foi o primeiro depoimento de Dirceu. Desde o início recebi um tratamento respeitoso de todos os deputados. Claro que houve uma ou outra crítica quando tínhamos êxito no Supremo, mas tudo dentro da normalidade. Saí de lá cumprimentado por todos os deputados. Mesmo no dia da votação em plenário, parlamentares de todos os partidos me trataram super bem. Saí com uma boa impressão do parlamento.
ConJur — De acordo com um ministro do Supremo, o senhor contribuiu para o Congresso enxergar que o parlamentar, ao desempenhar o papel de juiz, está submetido às mesmas obrigações que o Judiciário está. Embora sua relação pessoal tenha sido boa, no campo técnico há um antagonismo óbvio, não é?
Oliveira Lima — Mas vários deputados também me procuravam para falar que esse caso tinha sido bom para que o Conselho de Ética começasse a adotar um rito processual correto.
ConJur — Inclusive os parlamentares da oposição o trataram bem?
Oliveira Lima — Inclusive. Fui procurado por vários parlamentares da oposição no dia da votação em plenário. O que pedi no Supremo é que se garantissem os direitos previstos na Constituição e no Código de Processo Penal. O Supremo agiu com muita tranqüilidade e serenidade. Mesmo os ministros que não deferiram nossos pleitos deixaram claro que deveria haver o direito de defesa. O importante é que o Supremo se aprofundou na questão. Então, os parlamentares partiram para o ataque, o que foi um equívoco deles. Depois que os ânimos ficaram mais calmos, houve a manifestação de vários juristas, que, exceto o professor Miguel Reali Junior, se manifestaram textualmente pelo direito de defesa. Houve uma tomada de consciência também dos parlamentares. Eu pude testemunhar um maior cuidado na coleta e juntada de documentos e na inquirição, por exemplo, no caso do deputado João Paulo Cunha. O direito de defesa também passa pelo sigilo dos dados, outro ponto que exige cuidado.
ConJur — A assessoria técnica dos parlamentares está preparada para orientar e atuar de acordo com o devido processo legal?
Oliveira Lima — Esse processo das CPIs demonstrou que há necessidade de um melhor conhecimento por parte da assessoria técnica no suporte aos parlamentares do Conselho de Ética.
ConJur — As falhas que ocorreram por parte dos parlamentares foi por falta de conhecimento ou por interesse?
Oliveira Lima — Nesse aspecto não dá para me aprofundar, porque teria que saber o que eles estão pensando. Mas ainda falta estrutura. Assim como falta estrutura para o Poder Judiciário também falta para o Legislativo.
ConJur — O senhor foi acusado de adotar medidas protelatórias, de recorrer a chicanas para protelar o processo. Qual o limite? Até onde vai o direito de defesa e onde começa a chicana?
Oliveira Lima — O presidente da comissão, Ricardo Izar me chamou de “chicaneiro”. Mas depois fez elogios à defesa na Folha de S. Paulo. Ele inclusive me telefonou em casa para manifestar seu respeito pela defesa. Não recorremos a chicana. Alias, não fui sequer intimado formalmente para o julgamento em plenário no dia do processo de cassação. Só recebi um e-mail. Não existe intimação por e-mail, por telefone, por fax. Se eu estivesse fazendo chicana, eu poderia não ter ido. Portanto, não teve chicana. Bater à porta do Supremo Tribunal Federal para garantir o direito de defesa do cliente é obrigação do advogado. O advogado não pode abrir mão das armas regulamentares para garantir que o seu cliente tenha um julgamento justo.
ConJur — A condenação foi política?
Oliveira Lima — Não tenho a menor dúvida.. Há quatro meses, o deputado José Dirceu era criticado diariamente na imprensa. Hoje os jornais já têm outra visão. As reportagens recentes ainda apresentam críticas, mas já há elogios. Há uma série de manifestações de pessoas respeitadas da sociedade que entendem que o julgamento foi político porque não teve nenhuma prova concreta. Dirceu foi acusado de ser o mentor do mensalão, mas Roberto Jefferson foi cassado justamente porque não conseguiu provar a existência do suposto esquema. A CPI do Mensalão não concluiu pela existência do mensalão.
ConJur — Então é uma ficção dizer que houve uma grande quantidade de dinheiro que transitou de empresas para o partido e para políticos?
Oliveira Lima — O que existe são empréstimos feitos ao Partido dos Trabalhadores, mas o envolvimento de empresas não está provado. Dentro desses empréstimos ocorreram alguns saques, mas não se constata a existência de um mensalão, uma semanada, isso não está provado. Tanto não está provado que o Partido dos Trabalhadores perdeu várias votações importantes no Congresso. Então, para que serviu esse mensalão? É inacreditável.
ConJur — Então, corre o risco de estarmos tratando de um escândalo falso?
Oliveira Lima — Não posso analisar com profundidade essa questão, até porque o objeto do meu trabalho foi outro. A acusação que pesa sobre o deputado José Dirceu era de ele ser o mentor de um mensalão que até agora não é mais que uma ficção.
ConJur — O que significa julgamento político?
Oliveira Lima — É um julgamento sem provas que praticamente condena o parlamentar à pena de morte. José Dirceu vai poder voltar mas quando estiver com 70 anos de idade. É uma pena muito pesada, exagerada. O deputado José Dirceu sofreu uma espécie de fuzilamento político.
ConJur — A atitude do cidadão que bateu com a bengala no Dirceu reflete uma percepção popular da imagem dele?
Oliveira Lima — Não. A atitude daquele senhor é um ato isolado. Eu acompanhei o deputado José Dirceu nesses quatro meses e meio e nunca vi nenhuma manifestação agressiva contra ele. No começo havia um olhar um pouco mais incisivo aqui ou ali, mas nos últimos quarenta dias, a sensação era exatamente oposta. Eu fui jantar com Dirceu no Rio de Janeiro e algumas pessoas pediam autógrafo para ele, mostravam simpatia. Minha imagem ficou muito ligada a ele e houve momentos em que fui alvo de comentários agressivos, mas depois as pessoas começaram a se manifestar a favor dele, dizendo que não havia provas, que estavam violando o direito de defesa.
ConJur — Alguém chegou a ser agressivo com o senhor?
Oliveira Lima — O advogado tem que enfrentar essa confusão que as pessoas fazem. Os familiares geralmente cobram, questionam. Também fui abordado em restaurantes por pessoas que não tinham a menor intimidade comigo e se sentiam no direito de criticar. Mas faz parte.
ConJur — Ter o José Dirceu como cliente enriquece a sua biografia?
Oliveira Lima — Não tenho a menor dúvida. Ele é um grande personagem. Com a cassação, o Brasil perdeu, o parlamento perdeu, mas ele vai continuar fazendo política independentemente do cargo. Dirceu é um ser humano fascinante. Minha relação com ele é muito boa e aprendi muito. Não é comum ter uma relação tão tranqüila com um cliente, de respeito e consideração como a que tive com ele. Dirceu sempre foi muito claro, me dizia para cuidar da parte jurídica, que ele cuidava da política.
ConJur — Ele é arrogante?
Oliveira Lima — Pelo contrário. Ele sempre foi extremamente gentil comigo e com o Rodrigo Dall'Acqua, meu sócio que trabalhou exaustivamente no caso. Aliás, se não fosse a atuação do Rodrigo, com certeza a gente não teria o sucesso que teve, porque ele é muito rápido, perspicaz e preparado tecnicamente. Se Dirceu fosse arrogante poderia pedir para falar só comigo, mas não. Ele chamava o Rodrigo para as reuniões e sempre foi muito gentil com a gente.
ConJur — O senhor foi apontado pela revista Época como a revelação do ano na área criminal. Como o senhor é um advogado relativamente novo, com 40 anos, algumas pessoas chegaram a duvidar que a defesa fosse elaborada pelo seu escritório. O senhor teve ajuda de outros escritórios?
Oliveira Lima — Nenhuma. Todas as peças foram feitas pelo meu escritório. É óbvio que outros advogados me ajudaram, deram sugestões, conversaram com o deputado José Dirceu, mas toda a linha de defesa foi feita pelo nosso escritório.
ConJur — A primeira escolha de Dirceu foi o José Carlos Dias [ministro da Justiça no Governo Fernando Henrique]?
Oliveira Lima — Exatamente. O advogado José Carlos Dias, que é meu tio, foi procurado pelo banco Rural. E foi procurado pelo Dirceu apenas para entrar com a queixa-crime contra o ex-deputado Roberto Jefferson. Ele entendeu que não poderia representar os dois. Então, ele me indicou. Tenho uma relação muito forte com meu tio. Foi ele que me ensinou a advogar. É meu segundo pai.
ConJur — Você não conhecia o José Dirceu pessoalmente antes?
Oliveira Lima — Não. Conhecia de eventos sociais, mas não tinha uma relação pessoal, de amizade.
ConJur — O senhor vai continuar dando assessoria jurídica para Dirceu?
Oliveira Lima — Ainda sou advogado do José Dirceu.
ConJur — Já tem alguma nova tarefa?
Oliveira Lima — Eu recebi uma ligação de uma jornalista do Estado de S. Paulo falando que os promotores de Justiça do caso Santo André queriam ouvir o José Dirceu. Eu achei estranho porque como é que podiam ouvi-lo se ele sequer recebeu uma intimação. Fiquei preocupado porque o Ministério Público procura a imprensa antes de agir e também porque o Supremo ainda não decidiu se o MP tem competência legal para investigar na esfera criminal. Então, eu disse que o deputado José Dirceu está disposto a prestar depoimento em qualquer instância possível desde que a autoridade seja competente. Portanto, eu vou também assessorá-lo nessa questão.
ConJur — Pode ser que o José Dirceu não compareça se o Ministério Público o intimar para ouvi-lo? O senhor não reconhece a autoridade do MP para fazer investigação?
Oliveira Lima — A defesa não quer criar problemas. É importante ressaltar que José Dirceu nesse caso está sendo chamado como testemunha. Agora, o Ministério Público não tem competência legal para investigar, isso é um fato. A Ordem já se manifestou e o Supremo Tribunal Federal está com a decisão suspensa. Há procedimentos todos feitos pelo Ministério Público, que depois foram anulados. E me preocupa muito esse uso da imprensa pelo MP para chamar atenção dos depoimentos. Se o MP quer ouvir o José Dirceu deveria mandar uma intimação discreta, e não chamar a imprensa para vender mais jornal ou conseguir mais ibope na televisão. Qualquer pessoa tem direito à privacidade. Fico muito incomodado com essa conduta espetaculosa que algumas autoridades gostam de adotar.
ConJur — O advogado pode abdicar de uma causa para não ter seu nome ligado ao de uma pessoa impopular?
Oliveira Lima — Essa confusão do advogado criminal com o cliente é clássica. O advogado não pode julgar o cliente. Se agir assim, passa a ser juiz. Não julgo meus clientes e não tenho nenhum problema em defender qualquer caso. Não tenho nenhuma preocupação da imagem que alguém possa fazer a meu respeito por causa da minha relação com o deputado José Dirceu. E insisto, é uma honra ser advogado dele.
ConJur — Existe muita diferença entre tratar do caso José Dirceu que tem repercussão nacional e tratar do caso de um cliente desconhecido?
Oliveira Lima — Num caso com repercussão, qualquer passo em falso o Brasil inteiro fica sabendo. O Brasil inteiro vai falar que o advogado é inepto se ele fizer uma petição mal colocada. Podem dizer que o advogado é falastrão se ele der uma entrevista mal colocada. Casos como esse requerem um cuidado maior, porque a exposição é muito grande. Um dia o advogado pode ser elogiado e no dia seguinte podem acabar com ele. No caso de Dirceu, esse cuidado foi tomado e nós tínhamos noção da responsabilidade que a situação impunha. Deu mais trabalho.
ConJur — Qual a principal lição o senhor tira de sua sua atuação nesse caso?
Oliveira Lima — Que o contato com o cliente é fundamental. O deputado José Dirceu mostrou que não é só o guerrilheiro, mas que na verdade é um guerreiro. Ele me incentivou a todo momento para lutar pelo direito de defesa. Esse é o grande legado desse caso: o respeito ao direito de defesa, que julguem as pessoas dentro da lei. Foi isso que pedimos. Infelizmente, o julgamento dele é político. Se fosse dentro da lei, estaria absolvido.
ConJur — Já existe algum desdobramento do caso na esfera judicial?
Oliveira Lima — Nenhum. Pode ter eventualmente algum procedimento, um inquérito, alguma coisa. Tem aquele inquérito do suposto mensalão no qual ele já prestou depoimento, mas não tem nenhum procedimento contra ele.
ConJur — O advogado criminal é visto com olhos diferentes por quem já respondeu um processo e por quem não teve essa experiência. Como funciona isso?
Oliveira Lima — O advogado criminal é um ser incompreendido. As pessoas não entendem como um advogado criminal pode defender uma pessoa acusada de um crime. A visão de mundo do advogado criminal é diferente da visão que a maioria dos profissionais tem. Ele é mais generoso, julga menos, entende mais as razões das pessoas. A advocacia criminal é técnica, mas é essencialmente humana. Só quem já acompanhou um caso compreende.
ConJur — O que o senhor responde para uma pessoa que questiona o papel do advogado criminal?
Oliveira Lima — Eu não respondo, eu tenho paciência. Algumas pessoas não entendem mesmo quando eu explico. Eu tive que explicar para o meu filho mais velho, que tem nove anos, qual é o papel do advogado e não sei se ele entendeu direito. Ele foi questionado sobre a função do advogado na escola. Eu não quero convencer ninguém. Coloco a minha visão, se a pessoa não concordar, paciência.
ConJur — O que o senhor respondeu para seu filho quando ele perguntou sobre qual a função do advogado?
Oliveira Lima — Eu disse para ele: “filho, quando você faz alguma coisa errada, papai vai conversar com você. Aí você se defende me dizendo o que aconteceu. Quando vou fazer a defesa de uma pessoa, ela me conta o que aconteceu, eu entendo suas razões para defendê-la.”
ConJur — Quem cria mais problema para os advogados? O Ministério Público, o juiz, o Legislativo, o Executivo?
Oliveira Lima — Eu fui presidente da Comissão da OAB São Paulo e naquela época quem dava mais problema aos advogados eram os juízes. A relação dos advogados com a magistratura ainda é muito difícil.
ConJur — O trabalho do juiz é aplicar as leis. Se há algo errado não é a lei que deve ser mudada? Afinal, nossas fábricas de leis não são da melhor qualidade...
Oliveira Lima — O problema do Brasil não é de lei, mas de cumprimento da lei. Lei tem até de mais.
ConJur — Qual sua opinião sobre a Lei de Crimes Hediondos?
Oliveira Lima — Essa lei é uma aberração. Esse “lado Ratinho” da Lei dos Crimes Hediondos de “quanto mais sangue melhor” me assusta. O acusado é condenado antes de ser julgado, não há a possibilidade de progressão do regime e o crime ainda é inafiançável. Não dá para haver a reintegração de um preso à sociedade se não tiver a progressão de regime, se ele não tiver um tratamento digno. E o Supremo mais uma vez tem se mostrado corajoso na apreciação dessa lei.
ConJur — A recuperação do condenado nesse sistema penitenciário não lhe parece uma ficção?
Oliveira Lima — Não tenho a menor dúvida. A OAB e as entidades de classe deveriam ter apoiado fortemente o juiz de Contagem que soltou os presos por causa da superlotação do sistema carcerário. Não podiam deixá-lo nas garras dos leões. Colocar uma grande quantidade de presos naquela cela é uma chacina. É o Estado que tem que dar condição para o preso, o que não tem ocorrido. Não dá para recuperar um preso se ele não tem o que comer, não tem condições de saúde, é tratado como bicho. O problema é que uma parcela da sociedade acha que criminoso tem que ser tratado dessa maneira. A imprensa criticou esse juiz, o que é inacreditável. Até a Ordem se manifestou contra.
ConJur — Em que situação alguém merece ser preso?
Oliveira Lima — Só em situação extrema, como em casos de tráfico pesado de entorpecentes, estupro, latrocínio ou grande fraude em empresa. A prisão tem que ser a exceção à regra. A regra tem que ser a soltura. Uma pessoa pratica um crime tributário ou societário vai sentir muito mais se a Justiça tirar dinheiro do bolso dela ou ordenar que ela preste serviço à comunidade. Com uma pena dessa natureza o condenado vai sentir o seu compromisso com a sociedade de maneira mais forte do que se for jogado na prisão.
ConJur — Se dependesse dos criminalistas as cadeias iriam estar bem vazias, mas o quadro de insegurança gerado pela criminalidade continuaria punindo o cidadão de bem.
Oliveira Lima — O Estado é responsável por garantir segurança nas ruas. A criminalidade não é uma questão de falta de segurança. É um problema social. Não há a menor dúvida de que a pessoa que comete crimes, no mais das vezes, não tem condição financeira, nem emprego, nem educação, nem saúde. Nós advogados defendemos a cadeia para quem efetivamente merece estar lá, não para qualquer um. O fato do juiz de Contagem ter soltado os presos da cadeia não vai aumentar a criminalidade em Contagem ou no estado de Minas Gerais.
ConJur — Há exagero na imposição de prisão preventiva?
Oliveira Lima — Não tenho a menor dúvida que há. A prisão preventiva é uma exceção à regra. Para ser decretada é preciso ter fortes motivos e ser bem fundamentada. E só pode ser aplicada se a pessoa for acusada de um crime extremamente grave. A imprensa cobra muito para que as pessoas sejam presas. Como Judiciário é formado por seres humanos, que lêem jornais, que assistem telejornais, é inegável que há uma pressão. Tanto que muitas vezes os advogados precisam recorrer ao Supremo ou ao STJ para que as pessoas sejam soltas.
ConJur — O Supremo desfruta da confiança dos advogados?
Oliveira Lima — Não tenho a menor dúvida que Supremo Tribunal Federal tem sido um guardião da Constituição Federal. O STJ também tem sido uma garantia em várias questões como o direito de defesa.
ConJur — O senhor acha que o STF se posiciona politicamente?
Oliveira Lima — Não, pelo contrário. No caso do deputado José Dirceu, por exemplo, o Supremo demonstrou grande serenidade. O voto do ministro Sepúlveda Pertence no último Mandado de Segurança, o voto do ministro Celso de Melo, são aulas de Direito. Um operador do Direito fica fascinado lendo a manifestação deles. A idéia de que o Supremo tem envolvimento político veio da imprensa. Se o Supremo não decide da maneira que a imprensa quer é político. A imprensa precisa aprender a ser mais democrática, ela anda muito autoritária.
ConJur — É o tribunal do povo?
Oliveira Lima — Julga, condena e põe na cadeia.
ConJur — Como a imprensa vê o direito de defesa?
Oliveira Lima — Eu não tive nenhum problema com a imprensa. Não tenho o que reclamar de ninguém. Mas tem que ter um pouco mais de calma. O jornal Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo durante o transcorrer do processo do deputado José Dirceu fizeram editoriais pedindo a cassação dele. Jornais com grande repercussão vir a público fazer esse tipo de afirmação é muito perigoso porque o processo ainda não acabou. Mas a imprensa deve ser sempre livre, mesmo que cometa excessos.
ConJur — O senhor acha que o juiz de primeira instância acaba decidindo contra o que Supremo Tribunal Federal entende por pressão da sociedade?
Oliveira Lima — Não. Os ministros são informados e estão próximos da sociedade, até porque são extremamente preparados. Não que os da primeira instância não sejam. Eu tenho muita admiração pelos ministros do Supremo Tribunal Federal.
ConJur — Esse escândalo político trouxe à tona a discussão sobre a delação premiada. A delação premiada pode interferir no sistema de investigação?
Oliveira Lima — Eu não conseguiria atuar em um caso em que o meu cliente quisesse fazer essa linha de defesa. A delação premiada é eticamente reprovável e por princípio sou contra. A delação não pode ser usada de maneira indiscriminada. Não vejo com bons olhos esse contato direto com o representante do Ministério Público sem a participação mais efetiva do juiz. Muitas vezes o indiciado revela fatos que poderiam ajudar na investigação e não há uma contrapartida para ele.
ConJur — A delação premiada interfere na relação do cliente com o advogado?
Oliveira Lima — No meu caso sim, porque eu sairia do caso. Eu não atuo em um caso em que o meu cliente queira fazer delação premiada.
ConJur — Qual a sua opinião sobre os projetos na área criminal previstos na reforma processual?
Oliveira Lima — Sou a favor de tudo que for assegurar o direito de defesa do cliente e contra tudo que limite esse direito.
ConJur — O processo penal foi feito para não acabar?
Oliveira Lima — Não concordo. O processo penal tem um rito até razoavelmente rápido. Existe o interrogatório, as testemunhas de acusação, as testemunhas de defesa, e pronto. Muitas vezes há a dificuldade de localizar uma testemunha, mas aí o problema não é do advogado mas do Estado que está mal aparelhado. Se houver uma melhora na infra-estrutura do Estado, o processo também vai correr mais rápido.
ConJur — O que é preciso para o Judiciário ser mais justo?
Oliveira Lima — O Judiciário ainda está aquém das expectativas. Os juízes precisam de melhores condições de trabalho, ganham menos do que merecem e não contam com uma infra-estrutura adequada para que tenham um melhor desempenho no trabalho. Mas o Judiciário não é injusto. Em um ou outro caso eles cometem equívocos.
Revista Consultor Jurídico, 18 de dezembro de 2005
2 comentários:
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