18.12.05

CVM apontava fraudes

Relatório da CVM concluído em junho já classificava como fraudadoras empresas e personagens investigados hoje pela CPI dos Correios

Inquérito já apontava fraudes antes de CPI
FERNANDO RODRIGUES /JANAÍNA LEITE

Um inquérito administrativo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) classifica como fraudadoras várias corretoras e personagens investigadas pela CPI dos Correios pelo suposto esquema com fundos de pensão.
Em 13 de junho passado, com os indícios disponíveis, a CVM produziu um relatório de 54 páginas sobre o inquérito nº 12/04. Nesse documento, acusa 35 pessoas e corretoras -sendo 12 delas também alvos da CPI dos Correios, que já recebeu cópia do material.
O documento relatando os fatos apurados pelo inquérito, ao qual a Folha teve acesso, também foi remetido para o Ministério Público Federal, o Banco Central, a Receita Federal e o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
Ao final, não deixa dúvida sobre o veredicto. Depois de quase um ano de investigação, sustenta que os citados praticaram "operações fraudulentas" ao criar "condições artificiais de demanda e oferta no mercado de valores mobiliários".
Essas operações se deram em "negócios com opções flexíveis de dólar, na modalidade de registro sem garantia na BM&F [Bolsa de Mercadorias & Futuros], no período de 1º/1/02 a 31/3/03, com a participação da São Paulo Corretora de Valores Ltda., Laeta S/A DTVM, Bônus-Banval Commodities - Corretora de Mercadorias Ltda., Fair Corretora de Câmbio Valores Ltda. e Cruzeiro do Sul Corretora de Mercadorias Ltda."
Todas essas corretoras são também investigadas pela CPI por supostas irregularidades cometidas contra fundos de pensão.
O valor da fraude apurada pela CVM nessas operações com opções de dólar flexível -operações particulares sem intermediação da bolsa- chegou ao valor de R$ 21,9 milhões. O montante equivale aos "prêmios recebidos" -pagamentos às corretoras pela execução de contratos no mercado de derivativos.
O mercado de opção de dólar é usado por alguém que deseja se proteger de variações bruscas no preço da moeda estrangeira. O interessado fecha um contrato futuro, por meio de corretoras. O documento determina o pagamento de um prêmio, que dará ao investidor a garantia de que a cotação do dólar ficará, em uma data previamente especificada, num determinado patamar.
A avaliação da CVM foi que as operações foram encerradas indevidamente. Chamou a atenção dos técnicos da comissão o fato de os contratos que registraram seguidos ganhos e perdas terem sido firmados, repetidamente, pelas mesmas pessoas. Além disso, há dúvidas sobre a capacidade financeira dessas empresas para movimentarem os valores envolvidos nas negociações.
Quando uma pessoa faz um contrato de opção para, por exemplo, adquirir dólares numa data futura a um determinado preço, ela só irá exercer esse direito se, na data da liquidação, a cotação da moeda estrangeira estiver maior do que o valor combinado. Caso contrário, é melhor encerrar o contrato e adquirir os dólares com os bancos.

Prejuízo de propósito
No caso da venda de moeda estrangeira, o investidor só optará por exercer seu direito e vender os dólares se a cotação estiver mais baixa. Com isso, ele garante um lucro maior na operação. O que a CVM apurou foi que, em alguns casos, essas instituições deixaram de exercer a opção contratada quando poderiam ter feito isso obtendo lucros. Ou seja, assumiram prejuízo de propósito.
A maioria das operações também tinha outra característica: os prazos "foram curtos, entre 21 e 35 dias úteis" e todas foram feitas diretamente entre as partes, sem a intermediação da Bolsa, que apenas registrou o negócio.
Essas operações do mercado de opção de dólar são dominadas, em geral, por três grupos de operadores: 50% são doleiros, 30% são bancos e, 20%, fundos de pensão ou de investimento fechados.
Quando há algum tipo de fraude nesse mercado, como assumir um prejuízo deliberadamente, um dos objetivos é "esquentar" ou "esfriar" dinheiro. No caso, internar recursos ou mandar para o exterior, fugindo do Fisco.

Personagens
Além das corretoras já citadas, são também acusados como parte do grupo de fraudadores os seguintes personagens e empresas, cujos nomes são investigados na sub-relatoria dos fundos de pensão da CPI dos Correios:
Jorge Ribeiro dos Santos (diretor da São Paulo Corretora); José Carlos Batista (operador de mercado); Cezar Sassoun (sócio da Laeta Corretora); Ipanema Corretora; Francisco Augusto Tertuliano (diretor da Fair Corretora); Renato Luciano Galli (operador da Fair); Ricardo Marques de Paiva (diretor da Bônus-Banval).
O fato de esses operadores e essas corretoras estarem também sendo investigados pela CPI dos Correios pode ajudar os deputados e senadores, que tiveram um revés na semana passada: vários dos acusados conseguiram liminares (decisões provisórias) no Supremo Tribunal Federal impedindo suas quebras de sigilo.
A CPI pretende contra-argumentar se houver razão suficiente para a quebra de sigilos dessas pessoas e corretoras, pois só assim será possível chegar a uma conclusão efetiva a respeito da responsabilidade de cada um. Segundo a investigação do Congresso, as perdas de 14 fundos chegam a mais de R$ 700 milhões.

Sem punições
Há um dado que chama a atenção nos papéis da CVM: embora o inquérito seja sobre operações suspeitas dos anos de 2002 e 2003, até hoje nenhuma sanção foi aplicada aos supostos fraudadores.
Apesar de todos os indícios e da contundência do relatório produzido pela CVM em junho passado, todos os envolvidos continuam operando livremente no mercado de capitais do Brasil.
O processo continua a correr no âmbito da CVM. Está em fase de defesa -embora os citados já tenham sido ouvidos, pois suas explicações constam do relatório ao qual a Folha teve acesso.
Depois que todos os envolvidos forem ouvidos e apresentarem provas adicionais, o relator designado para o caso confrontará a versão dos suspeitos com o trabalho dos técnicos da CVM. Em seguida, entregará um relatório final ao colegiado da Comissão, cuja missão serão então, finalmente, punir ou absolver os envolvidos.
O trâmite legal não pára por aí. Se forem condenados pela CVM, corretoras e operadores citados no processo poderão recorrer ao Conselhinho (Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional) e, caso percam de novo, terão a opção de procurar a Justiça.