29.12.05

Por onde escoa a seiva do nosso trabalho

CARLOS CHAGAS

BRASÍLIA - O Banco Central vai demorar um pouco para liberar os números, menos porque tem dificuldades em realizar uma simples conta de somar, mais porque o impacto negativo será sensível, na opinião pública.

Falamos do montante que o Brasil terá despendido, em 2005, para pagamento dos juros das dívidas externa e pública. Passa dos 250 bilhões de reais, não se contando, no total, recursos como os 15 bilhões de dólares utilizados há duas semanas para pagar antecipadamente nossa dívida com o Fundo Monetário Internacional. Nem outros eventuais pagamentos do principal das dívidas.

A referência, hoje, vai apenas para os juros das dívidas externa e pública, cada vez mais entrelaçadas, porque os títulos colocados no mercado pelo governo brasileiro são, em maioria, adquiridos por bancos e especuladores estrangeiros - quer dizer, o lucro vai para fora.

O governo sua a camisa e faz o ministro Antônio Palocci sofrer para poder liberar sete bilhões de reais destinados a investimentos em infra-estrutura, neste final de ano e no começo do próximo. Não se defenderá, por irracional, qualquer espécie de moratória ou declaração de não pagamento dos juros. Faz parte das regras do jogo saldar dívidas e seus respectivos juros, mesmo se tendo presente as obscenas regras internacionais que nos fazem sempre dever mais, mesmo pagando. A dívida externa beira os 750 bilhões de reais, enquanto a pública encosta no trilhão.

O lógico seria que o governo tentasse renegociar, ampliando o perfil dessas dívidas e reduzindo seus juros. Em momentos de crise, muitos países fizeram isso, até com certa arrogância, como a Rússia, dez anos atrás, e a Argentina há um ano. Engrossaram, demonstraram que não podiam pagar, do jeito que eram cobrados, e os credores aceitaram. Era, para eles, receber um pouco menos ou não receber nada.

O que choca, irrita e nos leva à indignação é que, não vivendo crises inusitadas, o governo brasileiro mantenha postura de placidez absoluta, vendo escoar pelas veias da produção crescente a seiva de nosso trabalho. Vinte por cento que fossem dos 250 bilhões mandados para fora, este ano, teriam resolvido os problemas das estradas, dos portos, das ferrovias e outros.

Afinal, seriam 50 bilhões para investir em nós mesmos. Nada indica que vá mudar a política de pagar sem reclamar, no último ano de mandato do presidente Lula. E se porventura ele se candidatar à reeleição e propuser em sua campanha a renegociação, quem vai acreditar?

Café ralo e amargo
No último "café com o presidente" do ano, segunda-feira, o Lula repetiu pela milésima vez que o processo eleitoral de 2006 não irá interferir no crescimento de nossa economia. A leitura de suas palavras é uma só: a política econômica não vai mudar.

O importante a questionar é se, continuando como vai, o modelo econômico praticado por Palocci e companhia irá interferir na campanha eleitoral. Com certeza irá. Porque o presidente Lula, se percebeu, não dá o braço a torcer. Permanece aferrado aos postulados da equipe econômica, mesmo aqui e ali estimulando críticas de seus próprios ministros ou, em sucessivos pronunciamentos, prometendo que os juros vão baixar, a carga tributária diminuir, a produção aumentar, as exportações também, e a renda dos desfavorecidos, crescer.

A incongruência é óbvia. Os reclamos que o próprio chefe do governo endossa nas entrelinhas de seus pronunciamentos constituem a maior prova de que a campanha eleitoral será travada em função de promessas de mudanças, que seus adversários fatalmente vão alinhar.

O que será "crescimento sólido", no entender do presidente Lula? Será isso que aí está, bombardeado pelo próprio empresariado, pelas massas, pela classe média e até por muitos de seus ministros? E, sem esquecer, por ele mesmo? O governo oferece às oposições um banquete de contradições que não deixarão de ser exploradas e se refletirão não só nas campanhas eleitorais, mas no resultado das eleições. Depois, não adiantará lamentar que poderia mudar e não mudou. Foi mudado...

O eixco Minas-Ceará
Alterar a disposição dos paulistas do PSDB de indicar o candidato que enfrentará a reeleição do presidente Lula, nenhum tucano conseguirá. Nem por milagre. Provavelmente o indicado será José Serra, ainda que Geraldo Alckmin e Fernando Henrique formem na fila, logo atrás.

Mesmo assim, Aécio Neves continua fazendo o dever de casa, ajudado por Tasso Jereissati. "Por que eles e não nós?" - é a pergunta que mineiros e cearenses mais fazem. Entregar, eles vão entregar a candidatura a um paulista, mas a preços altos. Exigirão compromissos, desde o início. O primeiro, se Serra vencer, a respeito de a política econômica ultrapassar as fronteiras da paulicéia. Mesmo se vier a ser gerido por um paulista, o Ministério da Fazenda precisará fazer o modelo econômico voltar-se prioritariamente para as demais regiões do País.

Não parece tão cômoda assim a posição da Avenida Paulista, na hipótese de seus inquilinos não conseguirem emplacar Geraldo Alckmin ou Fernando Henrique, como gostariam. Porque eles não confiam tanto assim em Serra, capaz até mesmo de estimular a dupla Aécio-Tasso a continuar no mesmo ritmo de cobrança.

Vamos pegar na palavra?
Declarou o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, que a gasolina não aumentará em 2006. Trata-se de uma bela notícia, mas necessitada de comprovação dia a dia, nos 365 que se aproximam. Por que quem garante que os Estados Unidos, por exemplo, não se disponham a intervir e até invadir o Irã? Há certeza de que permanecerão no Iraque, em meio a tantas reações da população daquele país? Na Arábia Saudita, estão mesmo firmes as tradicionais famílias que dominam o governo local, sócias dos Estados Unidos?

A referência vai apenas para o Oriente Médio, mas que tal estendê-la a imperscrutáveis novas catástrofes da natureza em qualquer lugar do planeta, ou a uma reviravolta política na China e na Rússia? Quem sabe a um gesto inusitado de Hugo Chávez?

Promessas como a que fez o ministro de Minas e Energia são perigosas. Há quanto tempo os combustíveis vêm aumentando no País, todos os anos? Vinte, trinta, cinqüenta? Melhor para Silas Rondeau teria sido ficar calado, mas não resistiu ao chamamento do presidente Lula para todos os seus ministros colaborarem com o governo...

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