20.12.05

Entrevista

''Não envolvi Lula por estratégia''
EntrevistaRoberto Jefferson:

Paulo Celso Pereira
[18/DEZ/2005]


Na última quarta-feira o país viu o deputado Romeu Queiroz (PTB-MG), que confessou ter recebido recursos de Marcos Valério Fernandes de Souza, ser absolvido. Nesse mesmo dia, o precursor da crise, ex-deputado Roberto Jefferson, colega de partido de Queiroz, completava três meses fora do Parlamento onde legislou por 22 anos. Aos 52 anos, Jefferson voltou a ser advogado e tem dividido o tempo entre o escritório no Centro do Rio e viagens para participar de julgamentos. Foi em sua sala de trabalho, que deu essa entrevista ao Jornal do Brasil. Decorada com duas cabeças de índios norte-americanos, um quadro da avó e um cartaz do musical Fastasma da Ópera, a sala é também o local de seus ensaios de canto. Um piano e um pequeno som fazem a base para que o homem que derrubou a cúpula do Planalto solte a voz. Pedimos que ele cantasse uma música. Cantou cinco italianas: Caruso, Champagne, Con Te Parteró, Dio como te amo e o tema do filme O Poderoso Chefão. Hoje, Jefferson se diz cansado de ódio e planeja voltar a presidir o PTB. Nas eleições de 2006 pretende viajar pelo Brasil ajudando os amigos que estiveram ao seu lado. Não sabe, no entanto, em quem votará para presidente: “No Lula, nunca mais. Tem três coisas que só se faz uma vez na vida: nascer, morrer e votar no PT.”


O deputado Romeu Queiroz não foi cassado e se fala em um acordão para salvar os denunciados. Em que bases seria esse acordo?
– Desde o início as duas cabeças escolhidas para serem cortadas foram a minha e a do José Dirceu. Não creio que haja nenhuma outra cassação. Eu, porque foi quem denunciou o mensalão e o Zé Dirceu porque é acusado de ser o chefe. A partir da minha cassação já caiu muito o movimento das CPIs e agora, a partir da cassação do Zé Dirceu, quase não existe mais movimento. Quer dizer, o Romeu Queiroz, contra quem pesou uma acusação de receber em conta R$ 450 mil, saiu. Se ele saiu, como se cassa o Professor Luizinho por R$ 20 mil, o João Paulo Cunha por R$ 50 mil e o Mentor por R$ 150 mil? Acabou.


Mas o senhor acredita em acordão?
– O acordão foi do PT e do PSDB. Você repare que no Supremo Tribunal Federal não há clima para se investigar nenhum fundo de pensão, de quebrar o sigilo de nenhuma corretora, a CPI não avança nisso. Nos fundos de pensão se pega o PT fortemente e se chega ao PSDB. Qual foi o acordo: toma a cabeça do Zé Dirceu, não cassa o senador Eduardo Azeredo (então presidente do PSDB) nem se mexe no fundo de pensão que atinge os governos do Lula e Fernando Henrique.


De que forma?
– Muita manipulação. São muitos recursos mal aplicados, gestão temerária mesmo, levando muito prejuízo aos fundos. Tanto na época do Fernando Henrique quanto agora no governo do Lula. O acordo se dá em torno disso. Aí é que está o caixa dois.


Quem fazia parte dessa organização e quem era o beneficiário?
– Os beneficiados eram os partidos. Esses processos de privatização foram financiados pelos fundos de pensão. Quem tem dinheiro hoje são os fundos aliados aos grandes bancos. O famoso mercado financeiro. O patrão do governo Fernando Henrique como o do governo Lula é o mercado financeiro. Os bancos exercem o papel de patrão nesses dois governos.


O PSDB também se beneficiou?
– Claro. Eles usaram fortunas nos processos de privatização com reversão para interesses partidários. Na época houve várias denúncias que não foram apuradas. Em relação ao PT, a mesma manipulação não está sendo apurada. Claro, cumpriu-se o acordo PSDB-PT. Um protege o outro. Faz aquele joguinho como se estivessem fazendo grande oposição um ao outro, mas não fazem. Não cassam o Eduardo Azeredo por quê? Quem mais levou dinheiro do valerioduto foi ele, R$ 12,5 milhões. Mais do que o PL, o PP, mais que todo mundo e ninguém pediu a cassação. Isso é acordo. Por que o PSDB, que podia pedir o impeachment do Lula, não o fez?


Mas alguém do governo era beneficiado diretamente por essas aplicações dos fundos de pensão?
– É claro, o partido do governo, o PT. Isso dá muito recurso para campanha. Você veja, esse fundo de pensão de Furnas, o Real Grandeza, em uma aplicação mal-feita perdeu R$ 150 milhões. O presidente dele foi indicado pelo Jorge Bittar (PT-RJ), mas já foi exonerado. O fundo perdeu no Banco Santos R$ 150 milhões. Como é que um fundo de pensão aplica num banco de terceira linha sem nenhuma garantia? Gestão temerária.


Isso volta para o partido a partir dos próprios bancos que se beneficiaram da operação?
– Claro. Eles são abastecedores das contas de Marcos Valério. Os depósitos têm origem nesse dinheiro.


Esse dinheiro dos fundos voltava via caixa dois para os partidos?
– Sim, através das corretoras. Por isso não se consegue quebrar o sigilo das corretoras. Porque você vai pegar um monte de dinheiro sendo transportado para essas contas de fantasmas, de operadores de partidos.


No exterior também?
– Sim. Vai ser um barulho nacional: pega duramente no PT e no PSDB, por isso não passa.


Agora, o senhor falou que houve um acordão que beneficiou o PT e o PSDB. O senhor fez parte desses dois governos. Depois de cassado, se sentiu traído por eles?
– Não. Fui traído pelo Lula naquele negócio do Maurício Marinho nos Correios. Eu estava incomodando o governo, porque ia aos ministros, denunciava o mensalão. Fui a vários ministros dizer: “Está tendo o mensalão”. Fiz isso várias vezes. Aí surge aquela história do Maurício Marinho recebendo R$ 3 mil numa plantação que a Abin (Agência Brasileira de inteligência) fez para tentar colocar um crime na minha vida e na do PTB.


E o que o senhor fez?
– Conversei com o Zé Dirceu e ele falou: “Roberto, você entende, eu não tenho nenhuma ingerência sobre o ministro da Justiça. Não parte de mim esse comando para atingir você nem o PTB”. Se ele não tinha ingerência sobre o ministro da Justiça, quem tinha? Eu sabia que era o Lula, mas precisava devolver aquilo. Mas, sabia que o Lula eu não poderia atingir. Atirei então em volta dele. Peguei firme no Zé Dirceu e no Luiz Gushiken (chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos). E a conseqüencia é essa toda que você está vendo.


O senhor sempre repetiu que o presidente Lula não estava envolvido no mensalão. Hoje o senhor repete isso?
– Sempre entendi que o Lula sabia, eu só não tinha como provar. Já era difícil confirmar minha versão sem colocar o Lula na história. Se eu o colocasse então, nunca conseguiria afirmá-la. Foi uma estratégia. Atingi em volta, aquele núcleo duro do governo, e preservei o Lula. Bati duro no Zé Dirceu, no Gushiken, no Antonio Palocci (ministro da Fazenda), mas aí foi uma correria em cima de mim. Vários empresários do Rio e de São Paulo vieram me pedir para não desestabilizar a economia. Aí não peguei nele.


Mas de que poderia tê-lo acusado?
– Disse a ele três vezes sobre o mensalão e ele nada fez. E o Palocci ainda tem um agravante, porque o Coaf é subordinado a ele. Se você sacar R$ 100 mil, o Coaf avisa ao ministro. Então, ele não sabia que o Marcos Valério havia sacado R$ 55 milhões em dinheiro? É claro que sabia. Mas foi poupado porque o mercado não quer desestabilizar a estrutura que tem favorecido aos partidos.


O senhor falou que foi uma estratégia de defesa não envolver o Lula. Em que ponto o senhor tem certeza da participação dele?
– Os três ministros do núcleo duro dele sabiam, montaram o mensalão, alugaram a base parlamentar. Você acha que o presidente não sabia? Os três mosqueteiros do rei sabiam e o rei não sabia? Eles agiam em causa própria sem que o Lula soubesse? É claro que o Lula sabia.


O senhor afirma que foi ele que deu a ordem para iniciar o mensalão?
– A inteligência foi feita pelos três ministros do núcleo duro e o Lula aprovou. Eu só não podia provar. Se não acusando o Lula já fui cassado, imagina se eu acuso? Fui ao meu limite.


Se arrepende de alguma coisa?
– Nada. Faria tudo outra vez.


No caso da absolvição do Romeu Queiroz, pode ter havido corrupção?
– Não. Há uma articulação hoje do governo que não houve nem em meu favor, nem em favor de Dirceu. Ministros trabalharam pela absolvição do Romeu Queiroz. Como vão fazer agora em relação aos outros? Não tenho dúvidas. Não envolveu dinheiro nisso. É uma articulação política de salvar os deputados.


Porque é tão importante para o governo salvá-los?
– O governo sabe que acabou. Ele precisa sobreviver pelo menos até as eleições com alguma base parlamentar para aprovar seus projetos. Se desandar, o governo acaba e tem uma gravíssima crise econômica. Se passar para o mercado financeiro nacional e internacional que o governo perdeu as rédeas do Congresso, o governo acaba. Porque a instabilidade política gera insegurança de mercado. Por isso que o governo vai acertando sua base, para não ficar sozinho. Porque se ficar sozinho, sucumbe.


O PT já sucumbiu?
– Foi desmascarado. Todo o discurso do PT era mentira. Tudo o que ele metia o bodoque nos outros, fez pior. Olha a conta do PC Farias: ela chega no máximo a US$ 400 milhões, a do Marcos Valério chega a US$ 2 bilhões. O PC Farias é ladrão de galinha e o pior, as contas do PC eram no Brasil, o esquema do PT é internacional. O Duda Mendonça recebeu do PT em paraíso fiscal. O Dirceu me disse que não estava podendo cumprir o acordo com os partidos da base na eleição porque haviam sido presos 62 doleiros e que eles estavam impossibilitados de internar dinheiro. Todo o esquema era montado lá fora. Isso o Collor não fez. É uma corrupção muito mais sofisticada, mais inteligente.


O governo está com dificuldade de aprovar projetos importantes...
– Você pode ter certeza que é falta do mensalão. Agora está todo mundo de bico seco e ninguém tem mais estrutura de poder. Viciou. É igual cão pastor que toma sangue de ovelha. Só tem um jeito: matar. Porque nunca mais vai deixar de tomar sangue de ovelha. Aquela mesada virou um vício. Porque o cara que ganha mesada compra um carro novo, arruma duas amantes, aluga o apartamento da amante. Acabou o dinheiro, como vai pagar o apartamento da amante e a prestação do carro? Acabou. O certo teria sido dissolver esse Congresso e convocar uma eleição geral, até do Lula. O governo agoniza. Vai ser levado agonizando até a eleição de outubro do ano que vem.


Pode voltar a ocorrer o mensalão?
– É quase impossível. A imprensa está muito atenta e se perceber, denuncia. Ninguém segura mais a mídia.


O senhor foi cassado por denunciar sem provas o mensalão e o José Dirceu por ser chefe do mensalão que o senhor não provou.
– Isso a Comissão de Ética tem de explicar ao Brasil. Ela é farisaica. Ali todo mundo faz pose de Zeus da ética para lavar a cara. E todo mundo tem os vícios de todo mundo. Se há tantos errados como você tem meia dúzia de perfeitos? Todos sem exceção de um daquela Comissão de Ética foram eleitos pelo caixa dois. Se nós presidentes recebíamos em nome de nossos partidos caixa dois, você acha que os deputados não foram financiados pelo caixa dois? É claro.


Os R$ 4 milhões que o senhor recebeu foram para financiamentos de campanha?
– Você acha que eu fiquei com o dinheiro para mim? Claro que não. Se não eles me expulsavam, me punham para correr do partido.

Um comentário:

Anônimo disse...

Best regards from NY! » » »