27.12.05

Lillian Witte Fibe entrevista Berzoini

"O PT nunca teve, não está tendo no governo e não terá vida fácil em 2006", diz Berzoini
2005 foi um ano muito difícil para o PT, o partido do presidente da República que, além de se propor a ser de esquerda e de ser o defensor dos excluídos, cresceu sob a égide da honestidade e da ética. A imagem construída ao longo de 25 anos de militância, ruiu em sete meses.

Caciques que fundaram o PT confessaram ser corruptos; o marqueteiro de Lula veio a público contar que recebeu dinheiro do partido no exterior sem pagar um centavo de imposto; José Dirceu, o homem forte de Lula durante tanto e tanto tempo, saiu do governo pela porta dos fundos e foi cassado na Câmara; e a nova direção do partido não consegue se acertar com o presidente Lula.

Resultado: o instituto de pesquisa Datafolha já radiografou um emagrecimento importante no eleitorado do PT este ano: um terço sumiu. Há um ano, 24% dos brasileiros se diziam simpatizantes do PT. Agora, apenas 16% respondem o mesmo.

Em entrevista ao UOL News, o presidente nacional do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), disse que o partido nunca teve, não tem agora e não terá vida fácil nas eleições do ano que vem; lembrou que os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken são dirigentes partidários e "que nada os impede de ter um grau de participação na campanha"; e que a crise vai sim ter conseqüências na disputa de 2006, mas que caberá à direção do PT colocar este "impacto" no seu devido lugar.

Berzoini também contou que vai passar longe da disputa entre Marta Suplicy e Aloizio Mercadante para ver quem será o candidato do partido ao governo de São Paulo. "Como presidente nacional já declarei que estarei absolutamente neutro nesta disputa."

Disse que está tudo bem entre o Partido dos Trabalhadores e o presidente da República, e ressaltou que o PT não pode ser apenas uma extensão do governo. Por isso, justifica críticas que chama de construtivas ao governo, principalmente à condução da política econômica.

"A opinião do PT não vincula nem ofende o governo federal. Não pode ofender. Agora, o PT precisa ser inteligente: tendo o presidente da República como seu principal filiado, não pode ser oposição ao governo, mas pode estabelecer críticas construtivas, diferenças, chamar atenção do governo para aspectos que entenda que não estão bem conduzidos e saber fazê-lo através de resoluções formais, democráticas."

"Sem dourar a pílula"
Ricardo Berzoini disse que não dá para generalizar a crise. "Temos de ponderar o significado histórico que estamos vivendo nesta crise e lembrar que partidos políticos, como organização de homens e mulheres ao redor de todo o planeta, vivem fases melhores, piores, difíceis... Pessoas erram, pessoas cometem ilegalidades, enquanto muitos outros estão agindo corretamente, cumprindo com as suas obrigações."

Segundo ele, não dá para transferir a responsabilidade dos atos de alguns a todos os representantes da instituição. "Não me parece razoável atribuir ao PT falhas e erros cometidos por algumas pessoas." Com números, o deputado afirmou que a situação do PT perante o eleitorado não é tão ruim como se pensa.

"[A pesquisa Datafolha] mostra que, apesar de um ano inteiro de crises e problemas, o PT é o partido mais preferido pela opinião pública, com 16% - o dobro do PMDB, o triplo do PSDB e mais que o triplo do PFL, que são os principais atacantes hoje em relação ao PT. Sabemos que preferência partidária não necessariamente se converte em voto nas eleições, mas sinto que devemos ter tranqüilidade, os petistas em geral, de saber discutir esse assunto [crise] com transparência, sem querer dourar a pílula."

E completou: "portanto, o desgaste político em relação àqueles que se declaram petistas é bem menor do que alguns supunham - teve gente inclusive que previu que o PT poderia acabar como partido político viável."

Supresa geral
A jornalista Lillian Witte Fibe, âncora do UOL News, disse que ficou absolutamente surpresa com toda a crise e perguntou a ele como se sentia. "Tenho certeza que a imensa maioria dos petistas foi acometida da mesma surpresa e da mesma perplexidade que pessoas que, por profissão, por serem jornalistas, têm obrigação de capturar fatos e transformá-los em matérias compreensíveis para o grande público."

E elogiou os militantes do partido: "não tenho dúvida de que a grande homenagem que devemos fazer este ano é para a militância do PT. Apesar de todo o processo, muito difícil, soube dar uma demonstração de força e de coragem no processo interno - foram 314 mil pessoas votando. Mostrou que o PT não é só uma legenda partidária, mas um partido organizado nas bases; e é essa base que segura o PT."

Briga com Gushiken?
Lillian comentou com o deputado notinhas que saíram ontem no Painel, da Folha de S.Paulo. Uma delas dizia o seguinte: "As relações tensas entre o partido e o governo levaram Luiz Gushiken a brigar com Ricardo Berzoini, sua cria política dos tempos do Sindicato dos Bancários. Para o ex-ministro, foi um erro o PT ter explicitado críticas à política econômica."

Resposta: "primeiro, eu não tive recentemente nenhuma reunião formal com meu companheiro, meu amigo Gushiken. Segundo, esta notinha que foi publicada, como tantas outras que já li e por participar diretamente dos fatos, tenho o privilégio de saber o que é ou não é verdade. É absolutamente infundada. Eu tenho uma relação de amizade, de admiração, de respeito e de opiniões muito parecidas no que tange à política nacional com o ex-ministro Gushiken, que por sinal é uma pessoa com quem milito há mais de 25 anos."

Lula e o PT
O Painel de ontem também diz que a relação entre o presidente Lula e a direção do PT não é nada boa. "É descrito como frio, para dizer o mínimo, o relacionamento entre Lula e a nova Executiva do PT. O presidente não escondeu a decepção com o resultado do encontro com a nova direção de seu partido, semana passada. Considera a cúpula 'fraca' e 'pouco representativa'".

Resposta parecida: "é a mesma coisa. Imagina... quem tem o relacionamento frio passar 4 horas de um dia em que tinha trabalhado mais de 10 horas receber, na Granja do Torto, a Executiva do seu partido - pela primeira vez, inclusive; não houve nenhuma reunião com a Executiva anterior. Passar 4 horas de maneira muito amigável, muito amistosa, debatendo seus pontos de vista sobre a conjuntura nacional, o processo eleitoral de 2006, a vida partidária, os erros que o PT cometeu, os acertos que teve neste ano... Se houvesse uma frieza seria no mínimo estranho alguém se dedicar tanto tempo para uma relação fria."

Autocrítica
Berzoini afirmou que o PT já fez autocrítica em vários momentos, inclusive de maneira formal, mas que não é possível ficar só se desculpando. "O PT já mostrou que houve problema grave de gestão, de administração, de comunicação, de relacionamento com a opinião pública. Mas ao mesmo tempo você há de convir que um partido político não pode passar o resto da sua vida apenas fazendo autocrítica. Tem de lembrar que sua história é maior do que estes episódios."

E completou: "não podemos deixar de discutir um balanço do nosso governo. Queremos debater, por exemplo, qual é o papel das 8,7 milhões de famílias do Bolsa Família, qual é o papel do ProUni, que a cada ano vai colocar mais de 100 mil estudantes pobres na universidade com recursos federais. Os programas federais que estão aí hoje são a razão de um balanço positivo de um governo bem sucedido. Governo que conseguiu, de um lado, controlar a inflação, manter a economia sob controle, criar um ambiente de credibilidade que não havia em 2002 e, de outro, implantar bons programas sociais que fazem uma diferença no ponto de vista do atendimento de populações excluídas."

José Dirceu
Ricardo Berzoini disse acreditar na inocência do ex-ministro e deputado cassado José Dirceu. "Tenho certeza que na sua convicção o Zé Dirceu é culpado. Não tenho convicção de que Zé Dirceu cometeu qualquer tipo de ato de corrupção, porque todos que ficaram responsabilizados por produzir provas materiais ou indícios consistentes não lograram êxito."

E completou: "fui ministro e mantive uma relação quase que diária com Dirceu. A gente interagia muito, os ministros interagiam. Fui ministro de dois ministérios (Trabalho e Previdência) que tinham grande impacto nas questões econômicas e nos contratos de governo e nunca recebi nenhum pedido do ministro Zé Dirceu para favorecer A, B ou C. Só posso ter a convicção de que se criou um senso comum em torno da figura de Zé Dirceu, que me parece produzido a partir de determinados interesses."

Para Berzoini, não se pode condenar alguém sem provas. "Ninguém está acima de qualquer investigação. Se ainda há convicção das pessoas que entendem que ele cometeu crime, que se continue a investigação e que se produza provas, mas não vou condenar ninguém sem provas. Me recuso a condenar quem quer que seja sem provas efetivas da sua culpa, senão vamos entrar num Estado de exceção, vamos criar um processo que, a partir do senso comum, se lincha as pessoas, se pune, e depois, quem sabe, daqui a 15 anos, se peça desculpa em função da falta de provas."

O papel das CPIs
"Acho que a CPI dos Correios ainda está devendo uma produção de provas mais eficaz, assim como a CPI dos Bingos. Se houver algo de irregular não há nenhum posicionamento do PT - e tenho certeza que não haverá do governo -, no sentido de que não se estabeleçam responsabilidades. Não vejo qualquer conexão com outros dirigentes que possa ser comprovada até o momento. Vi o relatório do deputado Serraglio, pessoa que respeito, mas não há aquilo que chamamos de prova, demonstração de que houve atos de corrupção sistêmica no governo."

Segundo o deputado, há apenas um fluxograma. "Ou seja: pegam-se fatos que ocorreram na mesma época, com base na declaração de testemunhas diferentes, estabelece-se um fluxograma para tentar provar que aquilo que aconteceu numa ponta tem a ver com reunião ou telefonemas ou com transações bancárias na outra ponta. Isso não é suficiente para provar."

Palocci
Lillian também perguntou ao deputado sobre a nota oficial da Executiva do PT fazendo críticas ao ministro da Fazenda. "Depende de como as pessoas interpretam [as críticas]. Se criarmos um Fla-Flu ou um Corinthians e Palmeiras entre as posições diferentes dentro de um partido estaremos emburrecendo tanto o partido como a sociedade. Palocci é inteligente, convivi com ele no PT, como dirigente partidário, fui apoiado por ele, o apoiei, fui companheiro de bancada e de ministério. Ele é uma pessoa inteligente e sabe fazer a leitura adequada de cada posicionamento."

E esclareceu o por que da divulgação da nota. "Tenho dito de maneira transparente que o PT não precisa, enquanto partido, ser a expressão do governo. Se for, está errado. Aliás, acho que um dos erros cometidos em 2003 foi esse: o PT passar a ser a expressão do governo. O presidente Lula foi eleito por 53 milhões de votos, mais de 50% da população - quase 60% dos votos válidos."

"O PT fez uma bancada de 91 deputados, portanto 17,5% do Parlamento - na Câmara. O PT não é e não foi escolhido pelos eleitores para ser a maioria na Câmara e não tem o papel de ser o único partido da base. Se fosse, o governo não teria maioria para aprovar sequer um projeto de lei. Portanto, a opinião do PT não vincula nem ofende o governo federal. Não pode ofender. Agora, o PT precisa ser inteligente: tendo o presidente da República como seu principal filiado, não pode ser oposição ao governo, mas pode estabelecer críticas construtivas, diferenças, chamar atenção do governo para aspectos que entenda que não estão bem conduzidos e saber fazê-lo através de resoluções formais, democráticas."

Segundo ele, a nota dizia o seguinte: "dois parágrafos grandes falavam das realizações da nossa política econômica e dois faziam ressalvas em relação ao tamanho do superávit primário e à questão da política monetária. É óbvio que estes dois aspectos são importantes, mas ao mesmo tempo é bom lembrar que não é apenas a direção do PT, mas boa parte do sindicalismo, boa parte do empresariado, do setor produtivo e muitos jornalistas... O PT pode ter opinião. Se ficar atrelado à opinião do governo ou da área econômica será um partido correia de transmissão de um governo ou de um projeto de poder e não um partido político vivo, democrático, que tem opinião."

Segundo Berzoini, o próprio presidente Lula, na reunião de outro dia com a Executiva, disse que era preciso estabelecer uma divisão entre partido e governo. "O presidente mesmo disse que o PT não pode cair na tentação de ser apenas a reprodução das opiniões do governo, porque o governo é plural, tem gente de vários partidos, e a base também é plural. Portanto, vamos ter opiniões firmes e transparentes, com lealdade e inteligência, porque sabemos que interessa àqueles que defendem o projeto da esquerda brasileira reeleger o presidente em 2006."

Campanha à reeleição
Lillian Witte Fibe perguntou ao presidente nacional do PT que falta farão José Dirceu, Luiz Gushiken e Duda Mendonça à campanha do presidente Lula. "Os dois primeiros são dirigentes partidários, foram presidente do PT, continuam filiados ao PT e nada impede que tenham um grau de participação na campanha do ano que vem. Isso será discutido no momento apropriado. E se eles quiserem."

Questionado sobre a declaração que Dirceu teria dado na semana passado no Rio de Janeiro, dizendo que só votaria em Lula caso soubesse o que o presidente faria de diferente em relação ao primeiro mandato, Berzoini afirmou: "esse tipo de declaração, se é que deu, vou deixar por conta do momento. Não vou comentar."

E concluiu o que dizia sobre Dirceu e Gushiken: "essas duas pessoas têm apreço da maioria da militância do PT; não há nenhuma indisposição majoritária contra esses dois companheiros que merecem nosso respeito."

Em relação a Duda Mendonça, foi menos enfático: "ele é um profissional e como contratado fez a campanha. A decisão sobre publicidade de campanha, estratégia eleitoral, será feita só no começo do ano que vem. Não temos pressa. Sabemos que existe um leilão no mercado, que tem em todo ano eleitoral, entre marqueteiros. Não vamos entrar nessa. Vamos analisar com calma, avaliar as condições financeiras que o partido pode ter na campanha e a partir dessas condições avaliar como poder tratar a questão da publicidade."

O deputado disse também que ainda não está decidido quem será o coordenador da campanha presidencial. "Vamos ter de decidir até o final de fevereiro para tomar as providências. Vamos trabalhar com bastante tranqüilidade, não ter pressa demais nem de menos, porque é fundamental que a gente reconheça que é um processo eleitoral que emerge de uma crise, e como tal deve ser tratado: com muita objetividade."

Marta x Mercadante
Berzoini disse que não tem nada a ver com a disputa interna do PT para definir o candidato do partido ao governo de São Paulo. "Esse é um problema dos petistas de São Paulo. Como presidente nacional do partido eu já declarei que estarei absolutamente neutro nesta disputa. É uma pré-condição: o presidente nacional não deve interferir, sob pena de criar passivos desnecessários ao processo nacional."

Alianças
O deputado disse que o PT vai esperar a decisão sobre o PMDB. "Hoje todas as principais lideranças do PMDB declaram que querem ter candidato próprio. Vamos ver como fica até o ano que vem. Não é a primeira vez que o partido declara e depois muda de opinião. Pode mudar ou não; vamos aguardar."

Sobre os demais partidos da chamada base aliada - PTB, PL e PP - Berzoini afirmou que está esperando um pouco para começar conversas eleitorais. "Depende da verticalização". Ele explicou que o PC do B e o PSB querem seguir com o governo, mas contou que a verticalização, se mantida, poderá tirar o PSB do lado do governo e do PT. É que o partido, disse o deputado, tem coligações com o PSDB em alguns Estados.

Para Ricardo Berzoini, a verticalização é uma medida imprópria para o sistema político brasileiro. "Tenho manifestado que eu, embora meu partido tenha uma posição favorável à verticalização, dou minha opinião pessoal de que no Brasil, com a heterogeneidade política, social e econômica que temos, querer verticalizar as coligações em todo o território nacional é no mínimo forçar a barra, criando problemas graves para partidos que queiram fazer política honestamente, e criar coligações francas e sinceras em torno de programas regionais."

As conseqüências da crise
"As eleições do ano que vem serão as mais difíceis para o PT?", perguntou Lillian. Resposta: "o PT sempre enfrentou dificuldade. O PT nunca teve vida fácil, sempre trabalhamos nadando e remando contra a maré. O PT não teve vida fácil, não está tendo vida fácil no governo e não terá vida fácil nas eleições do ano que vem."

Seqüelas
Questionado se as denúncias contra o PT e contra petistas trarão seqüelas nas eleições do ano que vem, Berzoini foi categórico: "tenho certeza que terão algum impacto, mas temos de ter inteligência de colocar esse impacto no seu devido lugar. Entendemos que esta não é a questão central para as eleições de 2006. É importante, mas não é central. Não queremos minimizar a importância que a crise tem para o país, o impacto inclusive emocional que o país teve neste ano, mas queremos lembrar que o PT, como partido político ao crescer, deixou de tomar algumas cautelas que deveria ter tomado e que felizmente a tempo, conseguimos renovar a direção e tomar providências para que o Brasil não tenha, no futuro, uma repetição desses fatores."