11.12.05

Empresa fantasma do PT

Empresa seria do ramo de bebidas; partido informou ao TSE ter pago por publicidade
Campanha de Lula em 2002 pagou R$ 796 mil a laranja

CHICO DE GOIS - FSP

Uma empresa que tinha como capital social R$ 20 mil, cujas sócias dizem nunca ter tido participação na companhia e que tem como objeto social declarado o ramo de atacadista de alimentos e bebidas, recebeu R$ 795,7 mil da campanha a presidente de 2002 do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva a título de "propagandas e publicidade".
A informação consta da prestação oficial do candidato, entregue ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2002. O PT informou que o pagamento aconteceu por conta da "fabricação de 267.500 faixas plásticas e 675.000 bandeirinhas" para a campanha. O partido apresentou notas fiscais para comprovar que o serviço foi feito. Pela descrição do objeto social da companhia, porém, não está em sua incumbência fabricar esse tipo de material.
Apesar de ser uma empresa não-especializada em serviços de propaganda e recém-aberta no mercado, a Santorine Comercial e Distribuidora Ltda., que funcionou durante dois anos e dez meses, faturou bem com o material para a campanha de Lula.
O valor pago a ela corresponde a cerca de 10% do que o PT informou oficialmente ao TSE ter gasto com a agência de Duda Mendonça para fazer a campanha presidencial -foram R$ 7,080 milhões. Ou seja, uma empresa pouco conhecida, criada originalmente para outra finalidade e com sócios que dizem não saber que eram donos da companhia, recebeu quase R$ 800 mil da campanha do presidente.
A Santorine foi criada em abril de 2000 e encerrou suas atividades em fevereiro de 2003, quatro meses depois das eleições. Nos registros da Junta Comercial do Estado de São Paulo e da Secretaria Estadual da Fazenda, ela anota dois endereços, em Campinas.
A Folha esteve nos dois locais onde funcionaria a Santorine. O primeiro, na rua Vitorio Chinaglia, 76, Parque São Paulo, é um depósito, hoje ocupado por uma marcenaria que guarda madeiras. O proprietário do imóvel, Manoel Monteiro, lembra-se de ter alugado o espaço para uma empresa, mas não se lembra qual e desconhece a que ramo ela se dedicava.
"Publicidade e propaganda é que não era", garantiu. Monteiro disse que nunca teve contrato de aluguel com uma empresa chamada Santorine.
No segundo endereço, na avenida Esther Moretzshon Camargo, 1.851, Jardim Santana, funciona uma oficina de funilaria e pintura. Eduardo Aguiar, 36, que é vizinho do estabelecimento há todo esse tempo e trabalha no local, estranhou quando perguntado sobre a empresa de publicidade ou o atacadista que deveria ter funcionado ali. "Aqui sempre foi mecânica e, antes de construir este galpão, era um terreno baldio", atestou.

Sem lucro
A Folha apurou que a Santorine nunca deu lucro, a julgar pelo seu faturamento declarado e pelas suas despesas.
Em 2001, por exemplo, seu faturamento médio foi de R$ 55 mil. Coincidentemente, suas despesas somavam valores semelhantes. Para pagar pouco imposto, ela atestava, por exemplo, que havia faturado R$ 68.500 e comprado R$ 68.000 em mercadorias. A diferença era recolhida como ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
O mesmo método foi utilizado durante toda a sua vida útil. A empresa sempre gastava valores quase idênticos a seu faturamento. A julgar por essas informações, ela nunca teve lucro.
Em 2002, ano da eleição, o faturamento médio da empresa aumentou para cerca de R$ 280 mil. Em novembro, por exemplo, quando recebeu R$ 480,7 mil da campanha do presidente Lula, ela declarou que seu faturamento foi de R$ 480 mil. Ou seja: tudo o que ganhou naquele mês foi da venda feita ao PT.

Surpresa
A Santorine mudou de sócio três vezes. A Folha procurou uma das supostas sócias. Trata-se de Silvia Stival. Perguntada se ela confirmava que a empresa que estava em seu nome havia recebido quase R$ 800 mil da campanha de Lula, respondeu: "Acho que você ligou para o número errado".
Ao ser informada que figurava como sócia da Santorine, Silvia questionou: "Tem certeza de que sou eu?". A Folha voltou a confirmar seu nome e endereço, como constam da Junta Comercial.
Intrigada, pediu um tempo. Depois forneceu à reportagem o número de um telefone e pediu para que procurasse um homem de nome Luciano. Ela se negou a informar quem era Luciano. No telefone indicado, uma mulher atendeu e afirmou que Luciano já não morava mais no lugar. Também não disse qual a relação dele com a Santorine.
A Folha também procurou Solange de Lima Cintra, que figura como sócia da empresa, e Lilian Cristina Cajanzeiro, que aparece como representante da LD Participações, outra sócia da Santorine. A reportagem encontrou a irmã de Solange, Denise, que é mãe de Lilian. "A minha irmã nunca foi dona de empresa, moço", informou Denise. "Ela é dona-de-casa e mora numa casa de dois cômodos." Resposta semelhante valeu para sua filha. "Minha filha está desempregada", declarou. Antes, havia trabalhado em uma loja de roupa para criança. "Bem que eu queria ter recebido todo esse dinheiro", disse Denise.

Nenhum comentário: