11.12.05

Dirceu vai radicalizar

Longe do poder, Dirceu trabalha para radicalizar governo
Ex-ministro promete uma "Carta ao Militante Petista", com retórica ao gosto dos radicais

Vera Rosa para Estadão

Há um novo José Dirceu na planície. Onze dias depois de ser cassado, o ex-deputado e ex-chefe da Casa Civil ressuscitou o figurino de esquerda: prefere dar entrevistas para publicações da imprensa alternativa e promete uma Carta ao Militante Petista do jeito que os radicais gostam.
Prevista para janeiro de 2006, a carta terá forte conteúdo autocrítico. Abordará os erros que levaram o governo e o PT à crise política e pregará mudanças de rota no programa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à reeleição. Mais: tentará reerguer a auto-estima do partido com retórica amparada no bordão "a luta continua".

Aos 59 anos, longe do Planalto e da Câmara, Dirceu quer voltar à cena política nos braços do PT, legenda que presidiu com mão-de-ferro de 1995 a 2002. Foi com essa estratégia que tirou do armário um discurso bem guardado quando era ministro da Casa Civil. Em janeiro, o ex-deputado pretende pôr à prova sua face guerrilheira em Caracas, na Venezuela, durante o Fórum Social Mundial - encontro que reúne o maior número de esquerdistas por metro quadrado do planeta.

Para se encontrar com os antigos companheiros na Venezuela, Dirceu adiou para fevereiro o curso de imersão em inglês que quer fazer em Washington, nos Estados Unidos. Em seus planos também constam "imersões" nos movimentos sociais, sempre com discursos inflamados pregando a mudança sem mudar de lado.

Não sem motivo, Dirceu escolheu a revista Fórum, publicação lançada no Fórum Social Mundial, para dar sua entrevista mais contundente até agora. Nela, definiu Lula como "personagem difícil". Foi além: ao lembrar de sua própria trajetória, e a de outros petistas do ex-núcleo duro do governo - todos atingidos pela crise do mensalão -, disse que "não sobrou nada no governo" .

Na semana passada, o ex-ministro falou à revista Caros Amigos e ao jornal Hora do Povo, veículo de propaganda do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), grupo que se abriga no PMDB com apoio do ex-governador Orestes Quércia e que é conhecido por defender o ex-ditador iraquiano Saddam Hussein contra o imperialismo norte-americano.

PARA QUÊ?

Na tentativa de sobreviver politicamente e não cair no ostracismo, Dirceu bate na tecla de que é preciso disputar os rumos do governo e "repactuar" o programa para reeleger Lula. Nessas oportunidades, sua retórica segue a linha da tradicional pergunta feita por intelectuais: "Segundo mandato para quê?". Sob medida para pressionar o Planalto, o discurso que pretende puxar o governo para a esquerda conta com a simpatia da maioria do PT.

"Vou percorrer o País e expor minhas idéias para o programa do segundo mandato do presidente Lula. Vou continuar disputando e discutindo o País. Quero reunir professores, universitários, cientistas políticos, empresários, movimentos sociais. Se puder, vou criar um site na internet e me dedicar a escrever", planeja o homem que em 2002 coordenou a campanha de Lula e já foi considerado o "primeiro-ministro" do governo.

Além de insistir que o superávit primário de hoje é "mais realista do que o rei" e pregar outra política econômica, o advogado José Dirceu vai defender com todas as letras o fortalecimento do papel do Estado. "Nós temos de perder o preconceito, o medo de afirmar que o Brasil precisa de um Estado forte. Isso não significa que o Estado deva substituir a iniciativa privada. Mas o Brasil precisa de planejamento, precisa investir na infra-estrutura", diz ele.

EMBAIXADA

Nos últimos dias, o primeiro deputado cassado do PT refugiou-se no Rio para escrever o livro batizado provisoriamente de Trinta Meses na Casa Civil. Começou a relatar ao jornalista e escritor Fernando Morais o que chama de "agruras" no governo e promete inconfidências contra desafetos. Exemplo: contará que o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), hoje um dos maiores adversários de Lula, chegou a pedir ao governo do PT uma embaixada em Madri, na Espanha. Dirceu também insinua que dará estocadas na direção do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), relator do seu processo de cassação. "Ele vivia na Casa Civil quando eu era ministro", lembra.

O livro deverá ser lançado somente em meados de abril. Embora Dirceu jure que não vai revelar segredos de Estado, auxiliares de Lula estão preocupados com seu potencial explosivo. Vira-e-mexe o ex-ministro repete que nada fez sem autorização superior. "Cometi erros junto com o presidente e o PT", argumenta. "Estou pagando por erros políticos."

Poucos dias depois de perder o mandato, Dirceu autorizou o advogado José Luiz Oliveira Lima a tentar reverter sua cassação no Supremo Tribunal Federal (STF). "Ele me disse: vá pensando e me apresente o que é viável", conta Oliveira Lima. Ao que tudo indica, um novo recurso de Dirceu baterá às portas do Supremo em janeiro. Não por coincidência é nesse mês que ele lançará a Carta ao Militante Petista. Dirceu, mais uma vez, tentará ganhar apoio do PT. Resta saber se conseguirá.