Principal alvo da oposição na CPI dos Bingos, que o chama de “homem-bomba”, o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, está disposto a servir de escudo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo máximo de tempo possível. A estratégia do PT é adiar o quanto puder a abertura das contas do amigo do presidente. Okamotto assumiu a responsabilidade pelo pagamento da dívida de R$ 29.400 do presidente com o partido numa tentativa de evitar que Lula seja investigado. A oposição suspeita que o dinheiro tenha sido repassado por Marcos Valério.
— Não há problema algum com os dados do sigilo. Mas se deixarmos abrirem agora, vão arrumar outra coisa para atingir o presidente. Essa nós controlamos — diz um amigo de Okamotto.
Ele tenta ainda negociar um acordo para abrir parcialmente seu sigilo bancário à comissão, de modo que seu passado de tesoureiro da campanha petista em 1989 não respingue no presidente. Mas não há pressa na medida.
O presidente do Sebrae disse ao GLOBO que, se os parlamentares se restringirem aos saques de sua conta bancária na época do pagamento ao PT, verificarão que os valores correspondem ao da quitação da dívida. Amigos de Okamotto dizem que o PT está empenhado na negociação, mas o presidente do partido, Ricardo Berzoini, disse desconhecer o assunto:
— Se o PT e o governo estão tentando fazer um acordo, é sem o meu conhecimento.
A tática petista, segundo Berzoini, é Okamotto mostrar que nunca foi uma espécie de caixa dois de Lula, como a oposição pretende provar. Por isso, a estratégia é que ele autorize a CPI a abrir parte do sigilo. Mas não há pressa alguma, de acordo com o presidente do PT.
— Quanto mais tempo o caso Okamotto ficar em pauta, melhor. Não temos pressa porque o assunto não está colando. Quanto mais perto da eleição, melhor — disse um dirigente petista.
O economista Paulo de Tarso Venceslau, que enfrentou Okamotto numa acareação na CPI dos Bingos, diz que o amigo do presidente enfrentará toda a pressão.
— Foi mais um script colocado pelo Lula nas mãos do Okamotto, que vai desempenhar isso muito bem. A virtude dele, que eu não considero qualidade, é a lealdade cega ao Lula. Ele acha mais revolucionário ser fiel ao partido que à verdade — disse Venceslau.
A tentativa de acordo, entretanto, enfrenta resistências no comando da CPI dos Bingos. O presidente da CPI, senador Efraim Morais (PFL-PB), não aceita só a quebra parcial do sigilo do presidente do Sebrae:
— À CPI não interessa quebra de sigilo parcial. Ou é total ou então não. A CPI só tem interesse nisso — afirmou o senador.
Okamotto é considerado pela oposição como o homem-bomba da CPI pelo conteúdo da quebra do seu sigilo bancário. A suspeita da oposição é que recursos de contas de Valério poderiam ter sido repassados a Okamotto. Os dados referentes ao sigilo bancário dele já foram até entregues à CPI dos Bingos, mas estão lacrados graças a liminar dada pelo ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O líder do PFL na Câmara, Agripino Maia (RN), um dos integrantes da CPI, explica o interesse da oposição no petista:
— Okamotto é objeto de tanto interesse porque, para a história do pagamento da conta de Lula, foram criadas várias versões. Ele num primeiro momento disse que tinha pago a conta, se contrapondo ao que Lula tinha dito, que não devia nada. Existe uma grande incongruência. Mercadante disse que a dívida era de diárias de viagem — lembra Agripino.
Para o senador, o passado de Okamotto pode ser revelador contra Lula.
— É uma história muito mal contada. Descobriu-se que ele sempre foi um fiel escudeiro de Lula, que ele foi um apanhador de dinheiro, pagou contas de Lurian (filha do presidente). É uma sucessão de histórias mal contadas que levantam a suspeita da mentira envolvendo a figura do presidente — diz Agripino.
Segundo ele, como Okamotto insiste em não quebrar o sigilo bancário, e no sigilo telefônico dos investigados que faziam parte da cúpula do PT, obtido pela CPI dos Correios, foram encontradas muitas ligações dele com os grandes protagonistas do valerioduto, o dinheiro do empresário poderia ter sido usado para pagar gastos não revelados.
— A comissão vai insistir na quebra do sigilo. Não há como abandonar essa tese. A oposição não tem o direito de abandonar essa tese sob pena de arcar com a acusação de que foi omissa — resume o pefelista. — No último depoimento dele (Okamotto), eu deixei claro isso. Disse que ele estava puxando para baixo o amigo dele (o presidente Lula). Ou ele abria a conta ou o mentiroso era ele. Ele estava puxando para baixo Lula porque aquele fato é gravíssimo.
Para o senador Efraim Morais, os dados do sigilo bancário de Okamotto podem abrir uma nova linha de investigação na CPI:
— Trata-se de um fato que a CPI sabe que a quebra vai esclarecer: a origem de dinheiro que até hoje o Okamotto não explicou. E isso vai dar novo caminho à CPI. Qual a origem do dinheiro dele quando pagou a conta do presidente?
Efraim informa que a CPI estuda pedir novamente a quebra do sigilo de Okamotto:
— Está em análise um novo pedido de quebra de sigilo. Até o fim do mês a CPI decide se vota ou não a nova quebra de sigilo.
Okamotto: há 30 anos, o escudeiro fiel e protetor do presidente Lula
A única divergência entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu fiel escudeiro, Paulo Tarcísio Okamotto, é o futebol. Para a tristeza de Lula, que é corintiano, o amigo “Japonês” é palmeirense. E só. No mais, em plena crise política, a amizade acaba de completar 30 anos, sem qualquer rusga. Okamotto, segundo ele mesmo, adora política, mas é do tipo que prefere carregar o piano, de preferência, pelos bastidores.
— Alguém precisa arrumar o carro de som para se fazer política, não é mesmo? Eu sou o cara que gosta de arrumar o carro de som. É o meu jeito de contribuir — diz Okamotto, presidente do Sebrae que pendurou o macacão de fresador na Commander, em São Bernardo do Campo, nos anos 80.
Amigo ideal para um presidente, Okamotto é discretíssimo. Mesmo com uma renda bruta de R$ 30 mil, mora na mesma casa dos tempos de peão do ABC, no Jardim Silvino, em São Bernardo do Campo. Prefere comida simples e roupas confortáveis. O hobby é pegar mudas de plantas por onde vai e plantar na chácara que diz ter herdado do pai, em Atibaia.
— Gosto de ser modesto, detesto ostentação. Mas hoje tenho dinheiro, ganho muito bem — afirma.
Okamotto é de falar pouco e baixo, sempre com posições pragmáticas, concordam amigos e inimigos. Mas é dúbio. Quando fala, sempre projeta o romantismo político sobre a “missão de ruptura” do companheiro Lula. E conta que em sua cabeceira repousam atualmente dois livros: “O Futuro chegou”, do ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, e o romance “O caçador de pipas”, de Khaled Housseini.
— Talvez eu seja um pouco pragmático. É que eu procuro não inventar a roda, prefiro buscar conhecimentos espalhados e juntar. Também gosto de conciliar. Adoro política, mas nunca quis ser candidato. Gosto de fazer política em outro patamar, de agir pelas idéias.
Nos quase 30 anos de política, nunca aceitou a linha de frente, mesmo tendo como escola entidades de massas, como o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, a CUT e o próprio PT.
— Ele sempre foi um burocrata. Desde que conheceu Lula age assim. Está sempre pronto a servir o companheiro, do seu jeito centralizador e cumpridor de tarefas— afirma um inimigo.
Foi no sindicato que ele conheceu Lula, em 1976. Okamotto ou “Japonês”, que é como o presidente costuma chamá-lo nos momentos de descontração, admite que se especializou em resolver problemas.
Okamotto nasceu em Mauá e, aos 6 anos, ficou órfão do pai. Começou a trabalhar cedo, num bar da família. Logo virou arrimo de família e foi trabalhar no ABC. Uma das suas mágoas é não ter conseguido estudar. Compartilha a frustração com Lula. Aprendeu política na militância sindical, nos cursos de formação marxista.
“Nós levamos as pancadas e preservamos você”
Em 1980, com a prisão de Lula pelo regime militar, foi da direção provisória do sindicato. Okamotto integrou o novo comando, assumindo a tesouraria, onde ficou de 1981 até 1984. Foi eleito na chapa de Jair Meneguelli, hoje presidente do conselho do Sesi (Serviço Social da Indústria). Depois, o Japonês foi presidente estadual do PT, de 1988 a 1992. Em 1989, foi o tesoureiro da campanha derrotada de Lula. Participou de todas as suas campanhas.
Com a derrota para Fernando Collor, Okamotto ajudou Lula a montar o governo paralelo, em torno do Instituto Cidadania, que depois foi presidir, entre 2001 e 2002. Antes, passou pelo Dieese, pela CUT e dirigiu a gráfica da Associação Beneficente dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, originada do Fundo de Greve do ABC dos anos 80.
— Deixa as pancadas com a gente. Nós levamos as pancadas e preservamos você, que é o presidente — dizia sempre Okamotto a Lula, desde os tempos do ABC até a última campanha, conta um amigo dele.
Okamotto sofreu várias acusações de irregularidades por causa de Lula, mas nunca reclamou nem retirou seu apoio. Em 1989, teria recebido doações de sindicato, o que é proibido. A ajuda de Okamotto a Lula se intensificou em 1998, quando Sadao Higuchi, que era o contador e amigo de Lula, morreu afogado. Okamotto teria assumido a função. O Japonês foi acusado de ajudar o advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, a direcionar dinheiro da primeira geração das prefeituras petistas para sua empresa, a Cepem. Também pagaria contas pessoais de Lurian e de outros filhos de Lula. Ele nega.
‘Depois do PC, ficou uma maldição dos tesoureiros’
Okamotto, de 50 anos, não é dado a entrevistas. Discreto, falou pouco desde que seu nome surgiu na crise política. A exposição pública nunca foi o forte de Okamotto, que age nos bastidores há 30 anos, sempre para resolver os problemas de seu maior amigo, o presidente Lula. Na semana passada, atendeu a um pedido de entrevista do GLOBO. Perguntado sobre os motivos de não querer quebrar seu sigilo, ele chorou. Disse que se sente humilhado e que não quer viver a “maldição dos tesoureiros”.
Afinal, quem é Paulo Okamotto, um antigo peão do ABC que virou epicentro de crise nacional?
PAULO OKAMOTTO:
Um cidadão que tem clareza das dificuldades do país. Um cara que acredita em sonhos e batalha por eles desde que se entende por gente, com família, três filhos. Sou ideológico. Acho que as coisas podem ser diferentes e que estamos num processo.
Como surgiu a amizade com Lula?
OKAMOTTO:
Eu sempre admirei muito a postura dele, as coisas que ele falava. E sempre o acompanhava. Fui conhecendo mais o Lula pessoa. A gente fazia o PT, fui fundador, dirigente, ajudamos a construir a CUT. E muitos dos nossos companheiros preferiram ir para a CUT e eu quis mais o PT, com o Lula. Acompanhei Lula em todas as suas candidaturas.
Depois chegou o ex-ministro José Dirceu. Mas o senhor continuou sendo o mais próximo de Lula...
OKAMOTTO:
É, nós somos da mesma cidade, da mesma categoria, militamos muito tempo juntos. É que agora é fácil, Lula é hoje o presidente da República. Mas quando a gente é derrotado, fica pouca gente, não é?
O senhor tem sido muito criticado por operações do passado com o caixa do partido. Qual foi o seu papel?
OKAMOTTO:
O PT precisava ser construído, mas não foi uma coisa fácil. O processo de ganhar uma prefeitura e governar foi complexo. Fui muitas vezes a Campinas, o PT queria “matar” o Jacó (Bittar).
Em Campinas foram muito fortes as denúncias de corrupção contra Bittar.
OKAMOTTO:
Eu não vivo em Campinas, não vivia. Essa coisa de você se meter a apurar denúncias... Você não tem instrumentos, o partido não dispõe deles. Não tem o Ministério Público, o poder de polícia. Eu compreendi muito tempo atrás que o partido não é esse instrumento.
E por que o senhor não autoriza a quebra de sigilo bancário pela CPI?
OKAMOTTO:
Não há dificuldades de a CPI obter informações do meu sigilo. Só que o processo está errado. Como está montado, para uma devassa em minhas contas, é uma coisa que como cidadão não quero discutir.
Por que não?
OKAMOTTO:
(Chorando) Sabe o que acontece? Eu tenho uma trajetória de luta contra isso. Na época das greves você era detido e o cara te ameaçava: “Você aí, cala a boca, fica aí, quietinho de pé, ou vai ficar preso”. Presenciei muitas cenas assim, de autoritarismo. Foi uma humilhação permanente. A gente, que tem uma trajetória mais popular, pensa: Por que querem quebrar meu sigilo? Tem dinheiro de empresa, de Valério na minha conta?
Mas teria o pagamento de uma conta do presidente da República...
OKAMOTTO:
Claro que tem, eu tenho salário para fazer isso.
Há suspeitas de que o senhor não aceita a quebra porque ela revelaria que o senhor não teria pagado, ou usado dinheiro do valerioduto. E alguns amigos seus dizem que sua renda nem permitiria tal generosidade.
OKAMOTTO:
Tenho, sim. Tenho salário, retiradas e saques no banco. Tenho uma pequena empresa de brindes que tem receita, tenho uma aposentadoria também. Ganho R$ 24 mil no Sebrae, mais a aposentadoria, a empresa. Creio que tenho uns R$ 30 mil brutos por mês.
Como foi o pagamento da conta do presidente no PT?
OKAMOTTO:
Fui cuidar da rescisão do Lula e o pessoal levantou todas as pendências dele, desde 97. Eram lançamentos para viagem. Dirigentes que ficam três, quatro dias fora, pegam dinheiro e, às vezes, não prestam contas ou deixam pendências. E de uma época em que o dólar subia. As despesas da dona Marisa também foram lançadas para o nome do Lula.
A situação estava irregular?
OKAMOTTO:
Bom, como já estava lançado e a contabilidade do partido tem que ser aprovada pelo Tribunal Eleitoral, e como estava aprovada, não quiseram mexer naquilo e ficaram insistindo na cobrança. E eu não queria criar um constrangimento entre o tesoureiro (Delúbio Soares), o partido e o presidente da República. Houve uma discussão um pouco mais difícil, achei que houve uma responsabilidade do ponto de vista da gestão do partido, porque essas coisas têm que ser cuidadas com mais seriedade, imagine cobrar contas de 97, 98. E a única forma de resolver isso era fazer o ressarcimento ao partido em nome do Lula. Ainda que ele não pudesse dar o dinheiro. Mas daí ele (Delúbio) disse que para fazer isso tinha que ser em dinheiro. Agora dá até para entender porque ele estava tão nervoso, o partido estava com muitas dificuldades econômicas. Então eu resolvi pagar do jeito que eu podia. Arrumei os recursos, saquei, juntei, peguei dinheiro que pedi para minha mulher retirar lá. Fiz as parcelas e paguei.
E o senhor também pagou contas de loja e de campanha da Lurian?
OKAMOTTO:
É folclore. Dizem que sou contador do Lula. Não sou, não.
A amizade com o presidente aumenta o peso dessa decisão?
OKAMOTTO:
Olha, o sindicato, o PT me deram uma dimensão do que é este país, da luta que a gente enfrenta. Eu devo isso ao Lula. O que seria do Brasil sem uma liderança como o Lula? Eu tinha dois sonhos na vida: um era eleger o Lula, um peão. E o outro desafio era terminar o governo.
O senhor teme não terminar?
OKAMOTTO:
Pensava que as dificuldades seriam por outros motivos, do tipo: aumentamos demais as conquistas sociais. E a pressão da elite faz parte desse processo.
O senhor teve uma experiência como tesoureiro. Como o senhor vê a ação do Delúbio Soares?
OKAMOTTO:
Fui tesoureiro da Frente Brasil em 89 e do sindicato, depois não fui mais. Mas acho que as campanhas políticas levam as pessoas a fazerem dívidas. Eu fiz em outra história, em outro momento. Havia a militância ali, as pessoas ficavam horas em pé para comprar material, para contribuir, passavam lista nas portas de fábricas.
E o pragmatismo acabou com o romantismo?
OKAMOTTO:
O Brasil tem o problema de fundos. Se todo mundo baixasse a bola e começasse a discutir o financiamento de campanha...
Diante de tantas dificuldades, o presidente pode ainda escolhê-lo para as finanças desta campanha?
OKAMOTTO:
Não voltaria porque isso precisa ser feito por quem tenha mais relações. O ideal é o tesoureiro do partido, ou arrumarmos um empresário acima de qualquer suspeita.
O senhor já sofreu várias acusações. O cargo seria um problema?
OKAMOTTO:
Por isso mesmo. Acho que há uma maldição dos tesoureiros. Depois do Collor e do PC Farias, ficou uma maldição. Já estou afastado disso desde 92 e não me disponho, não.
O Globo
Um comentário:
That's a great story. Waiting for more. » »
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