Apesar da demonstração de união de anteontem dos presidentes de Brasil, Argentina e Venezuela, o fato é que a mal-ajambrada agenda de "liderança regional", temperada de ideologia terceiro-mundista, do governo Luiz Inácio Lula da Silva ora apresenta a fatura para o dirigente brasileiro. E ela não tem nada de conveniente para Brasília.
A proposta de um gasoduto atravessando a América do Sul não passa de um factóide a alimentar a pantomima "bolivariana" de Hugo Chávez. Se o objetivo de conectar as duas maiores reservas de gás natural do subcontinente parece a princípio razoável, a quantidade de estudos, tratativas políticas e diplomáticas, licenças ambientais (a tubulação teria de rasgar a Amazônia!) e conversas com investidores e empresários que demandaria um projeto dessa envergadura não permite ilusões sobre os propósitos do líder venezuelano.
Mas, se os problemas de Lula com seus amigos chefes de Estado que exumam a pior tradição populista da América Latina se resumisse ao espectro do Grande Gasoduto do Sul, não haveria motivo para preocupação. Bastaria a frase lacônica do chanceler Celso Amorim -"Esse é um projeto que precisa evoluir naturalmente"-, e o assunto caminharia "naturalmente" para o ostracismo.
A principal dor de cabeça da diplomacia brasileira é mais concreta e responde pelo nome de Evo Morales. O presidente boliviano e os ideólogos do confronto de classes instalados em seu governo tentam empurrar a Petrobras, a maior investidora na Bolívia, para um beco sem saída: pretendem que a estatal brasileira se torne uma mera prestadora de serviços na área do gás ou, alternativamente, aceite um estrangulamento de sua margem de operação ainda mais radical do que o já estabelecido.
Além disso, nessa cruzada inconseqüente contra os investidores estrangeiros, a Bolívia ameaça expropriar os ativos de uma outra empresa brasileira, uma siderúrgica, acusada de operar ilegalmente na fronteira com o Brasil. É chegada a hora de Lula decidir: ou continua a fazer afagos no companheiro boliviano ou assume a defesa, com o rigor que a situação e seu mandato constitucional exigem, dos interesses brasileiros.
Folha
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