9.8.06

Pressão

Planalto pressiona São Paulo e Exército já prepara operação
De olho nos dividendos político-eleitorais, o Palácio do Planalto está pressionando o governo paulista a aceitar o uso do Exército no combate ao crime organizado. Além das declarações do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), insistindo publicamente para que a Secretaria da Segurança requisite tropas das Forças Armadas, os assessores da Presidência da República prepararam para esta sexta-feira um ato público inédito: o presidente Lula vai visitar o quartel-general do Comando Militar do Sudeste (CMSE), em São Paulo, para passar em revista os 2.400 recrutas incorporados em julho. Ao todo, o CMSE tem 20 mil homens.

O Estado apurou que a visita de Lula foi decidida e comunicada ao Comando Militar do Sudeste anteontem, exatamente quando São Paulo amanheceu sob o impacto da terceira onda de ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), que já deixou um saldo de ataques a 144 alvos, com destruição de agências bancárias, ônibus, postos de gasolina e delegacias e 5 pessoas mortas. Nos dois ataques mais audaciosos, os criminosos jogaram bombas nos prédios do Ministério Público Estadual e da Secretaria da Fazenda. Oficialmente, o presidente quer verificar o funcionamento do Projeto Soldado Cidadão.

Para que Lula pudesse marcar presença em São Paulo, ainda sob o impacto desses novos ataques, o pedido do Planalto foi atendido com urgência e a solenidade no CMSE, marcada para as 11 horas desta sexta. Lula nunca visitou o quartel do Comando Militar do Sudeste. Desembarcará em São Paulo na véspera do fim de semana do Dia dos Pais, data em que, segundo a inteligência policial, o PCC planeja fazer grandes ataques e rebeliões.

TRIPLA VITÓRIA

Assim, o governador Cláudio Lembo (PFL) está acuado. Se não pedir o Exército e o PCC atacar no Dia dos Pais, terá de se explicar. Sua situação não melhora se pedir apoio. Estrategistas do Planalto estão certos de que a convocação do Exército pelo governador seria uma tripla vitória para o governo federal porque: 1) Lula ganharia ao mostrar que o governo paulista não conseguiu controlar o PCC sozinho; 2) ganharia ao vincular a sensação de segurança da população ao Exército nas ruas; 3) e ganharia ainda mais caso, após o regresso do Exército aos quartéis, o PCC voltasse a atacar - o que funcionaria como uma espécie de prova dos nove de que a crise de segurança paulista não se resolve sem a ajuda da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. Assunto que seria pautado como tema do horário político-eleitoral.

Enquanto União e Estado estão envolvidos nessa queda-de-braço política, o Exército preparou suas tropas para a utilização em São Paulo. Em Brasília, uma fonte graduada disse ao Estado que, "numa escala de zero a 10", as chances de o Exército ser convocado "estão perto de 10".

Algumas unidades militares viriam de quartéis no próprio Estado, como a da 12ª Brigada de Infantaria Leve (Aeromóvel), sediada em Caçapava. Esses soldados serviram duas vezes em operações de manutenção da ordem pública no Haiti, na missão de paz organizada pelas Nações Unidas (ONU). Além deles, há a perspectiva de empregar os homens da 11ª Brigada de Infantaria Leve, com sede em Campinas, e os da Brigada Pára-Quedista, que seriam trazidos do Rio.

Outras tropas de emprego rápido e de grande mobilidade poderiam ser usadas. O Exército teria, no fim, capacidade de mobilizar até mais do que os 10 mil homens que o ministro Márcio Thomaz Bastos disse estarem preparados para entrar em ação no prazo de 48 horas. Esse contingente corresponde a quase metade dos 25 mil soldados empregados na Força Expedicionária Brasileira (FEB) na 2ª Guerra Mundial.

A entrada dos militares no combate ao crime organizado em São Paulo teria como principal função o efeito dissuasório, ainda que temporário, de intimidar o crime. Do ponto de vista técnico, os componentes das Polícias Civil e Militar não precisariam de apoio, neste momento, para a manutenção da ordem pública, o que só ocorreria em caso de caos completo na segurança - como na deflagração de uma greve na PM.

O governador e o Exército acreditam que a tropa na rua impediria, sim, novos ataques, mas avaliam que as raízes do problema estão na indisciplina nas prisões e na dificuldade de cortar a comunicação entre chefes do PCC e sua base - tudo isso continuaria intacto. Um novo ataque do PCC, depois da ação do Exército, fortaleceria o governo federal e enfraqueceria politicamente o Estado. Além disso, o cliente é que deve pagar a conta. Ou seja, quem solicita o Exército arca com os custos.

Lembo sabe disso, pois está em contato constante com o general-de-exército Luiz Edmundo de Carvalho, comandante militar do Sudeste. No caso do convênio que permitiu ao Estado utilizar o helicóptero HM-3 Cougar, o custo de US$ 50,6 mil pelo uso do aparelho ficou com o governo estadual.

O emprego da tropa levanta temores entre os próprios comandantes do Exército. Os militares temem virar uma espécie de "patinhos em parque de diversão". A imagem que mais os atormenta é a de uma motocicleta com dois homens passando por um posto de comando e disparando na tropa. Em caso de morte de um soldado, o Exército ficará às voltas com um problema institucional sério.

Para os militares, os atentados cometidos pelo PCC utilizam táticas de guerrilha e são praticados por grupos reduzidos de pessoas. A tática para derrotá-los deve ser policial. Por isso, teme-se o desgaste da imagem da corporação.

INTELIGÊNCIA

Enquanto Lembo não assina o pedido de usar as tropas, a inteligência militar continua colhendo dados sobre a situação no Estado. Ela está muito bem informada sobre a situação interna da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). O Exército dispõe de uma minuciosa análise sobre os erros e acertos administrativos da gestão Nagashi Furukawa no combate ao crime organizado.

Segundo informes recebidos pela inteligência, há problema relacionados à gestão feita por ONGs em presídios. A frouxa disciplina interna, mantida nos últimos anos pela omissão de diretores de presídios quanto às ações do PCC, levou ao fortalecimento da facção. O grau de conhecimento do Exército sobre essa situação surpreendeu a cúpula da SAP.

Outro problema ligado à segurança no Estado seria com a banda podre da polícia, que cobra propina do PCC nas ruas. Outra análise feita é de que a inteligência das polícias precisa ser aprimorada, principalmente a da Polícia Civil, que não teria capacidade para processar devidamente as informações recebidas - a situação na PM seria pouco melhor

Duas reuniões já foram realizadas entre o Ministério da Justiça e os comandos militares, para verificar como poderia ocorrer o emprego de tropas. Mas ainda não ficou definido se essa atuação seria só na capital ou em todo o Estado. O comandante do Exército, Francisco Albuquerque, limitou-se a dizer ontem que "o Exército está sempre pronto para atuar".
Estadão

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