27.8.06

Ordens por telefone

Por telefone, filial recebe ordens do chefe preso em SP.

Nas áreas de fronteira, lei diz que militares têm poder de polícia.


Num simples telefonema da cidade de Pedro Juan Caballero para uma central telefônica, o integrante do PCC consulta seu "chefe", preso em São Paulo, sempre que necessário. As negociações são feitas sem passar pelas fronteiras. Dessa forma, sistematicamente planejam-se a compra e o tráfico de armas e drogas, a proteção de fugitivos e a lavagem de dinheiro nas casas de câmbio do Paraguai. A grave crise de segurança paulista tem, sim, um pé fincando a quilômetros de distância da capital e muito pouco tem sido feito para coibir essas ações.

A Polícia Federal é a principal responsável pela segurança das fronteiras, diz o artigo 144 da Constituição. Sabe muito sobre a movimentação das facções criminosas no lado paraguaio, age quando possível, mas confirma que só evita uma fração dos crimes transnacionais. "Duvido que se acabe com o crime nas fronteiras", admite o delegado Mauro Sposito, coordenador de Operações Especiais nas Fronteiras da Polícia Federal. "Os Estados Unidos têm 30 mil homens para vigiar 3 mil quilômetros com o México e mesmo assim eles não dão conta do recado."

O Exército poderia ajudar. Sua função essencial é garantir a soberania nacional, reza o artigo 142 da Carta. Qualquer mudança de rota, só sob ordens do presidente. A exceção é o artigo 17A da Lei Complementar 117 de 2004, que dá poderes de polícia aos militares nas áreas de fronteira. "A Lei 117 é autorizativa, está aí para ser usada, não preciso receber ordem de ninguém", diz o general Luiz Cesário da Silveira Filho, comandante Militar do Oeste. "Reúno a força de contingência e posso colaborar com as autoridades constituídas."

Se os militares podem atuar, por que não o fazem mais vezes?, questiona o juiz federal Odilon de Oliveira, com o gabarito de atuar há 15 anos no combate aos narcotraficantes da fronteira e ter condenado 114 deles. "Porque desmobilizaria a missão e descaracterizaria o Exército", explica o general Cesário. Segundo ele, o Comando Militar do Oeste, que protege uma extensão de 2.300 quilômetros de fronteira com o Paraguai e a Bolívia, tem atuado como força policial na medida certa com operações eventuais. O juiz Odilon contesta: "O Exército na fronteira não pode ficar aquartelado. Se houvesse barreiras fixas e volantes com soldados, os traficantes iriam se arriscar a passar?"

Por enquanto, o que ocorre marca a vida de pessoas como Marcos Dias de Barros, de 31 anos. Desempregado, aceitou ser mula para uma carga de 7 quilos de cocaína. Foi pego num posto da Polícia Rodoviária Federal, que não levou mais de 5 minutos para encontrar a droga escondida na lateral do carro. Estava com a mulher, os três filhos e o irmão. Acredita ter sido um "boi de piranha".

Enquanto o flagrante era feito, o que levou mais de duas horas, centenas de carros e caminhões circularam livremente pela rodovia. Iria receber R$ 1.500. Bem menos que os R$ 20 mil de outro caminhoneiro, que foi preso transportando 5,5 toneladas de maconha. Este último decidiu entregar os donos da carga e agora reza para ser transferido para bem longe dali.

Estadão

Nenhum comentário: