9.8.06

O indulto da vergonha

Apesar dos alertas do Ministério Público, Secretaria de Administração Penitenciária vai liberar 12 mil detentos para passar o final de semana com a família. Decisão de suspender o indulto cabe à Justiça

Nas ruas: população beneficiada é 10 vezes maior do que os 1,2 mil presos amontoados em Araraquara


A Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo confirmou ontem que vai liberar entre 10 mil e 12 mil detentos dos presídios a partir de quinta-feira para passar o Dia dos Pais com as famílias. O número equivale a cerca de 10% da população carcerária do estado. O Ministério Público de São Paulo havia apelado aos juízes para que não autorizassem a saída temporária, um dos motivos que teriam levado integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) a deflagrar a terceira onda de ataques a São Paulo. Cabe à Justiça paulista autorizar.

A decisão do Ministério Público de recomendar o veto à saída temporária de parte dos presos para é baseada nas informações de que parte dos detentos beneficiados no Dia das Mães, em maio, teriam participado dos ataques e levado ordem de líderes criminosos para fora das cadeias. O temor é que uma nova ofensiva do crime organizado seja deflagrada no próximo final de semana. O serviço de inteligência de São Paulo captou conversas telefônicas dos líderes da facção discutindo a possibilidade de novos atentados.

Acordo
O indulto é previsto por lei e, para ter direito ao benefício, o preso precisa cumprir pena em regime semi-aberto, ter bom comportamento e ter completado um sexto da pena, se for primário, e um quarto, se for reincidente. De acordo com o promotor público José Herbert Mendes, responsável pela região de Campinas, a saída temporária deveria ser suspensa sob o argumento da preservação da ordem pública. Para isso, precisaria haver um acordo entre os tribunais e as secretarias de Administração Penitenciária e Segurança Pública de São Paulo. Mas o alerta ainda não foi levado em consideração pelas autoridades.

“Depois desses ataques, acho que à Justiça cabe repensar o benefício institucionalmente. Ele poderia ser suspenso, passado para uma outra data”, advertiu. Na avaliação do promotor, é temeroso colocar 10 mil ou 12 mil presos na rua: “A população não pode se iludir. Não há medidas efetivas de combate ao crime organizado. Infelizmente, uma solução vai demorar e novos ataques podem ocorrer a qualquer momento”.

“Dar passe-livre aos criminosos mostra a incompetência do Judiciário para lidar com uma situação de emergência. Os atentados registrados na segunda-feira são uma resposta dos criminosos ao nosso pedido aos juízes. O ataque à sede do MP mostrou isso. Nós, promotores, estamos na linha de frente, sendo ameaçados. Num país sério isso não aconteceria”, critica o promotor Antônio Baldin, da Vara de Execuções de São José do Rio Preto. Ele havia pedido que a Justiça indeferisse a saída de 760 presos , mas não foi atendido. Os presos serão liberados.

Há ainda quem defenda a saída apenas de presos que não pertencem à facção criminosa que comanda os ataques a São Paulo, pois são alinhados à facção rival. É o caso do promotor de Guarulhos, Marcos Bento da Silva, para quem o estado deveria avaliar a situação de cada presídio. Em Guarulhos a penitenciária é controlada por membros de uma facção oposta àquela que comanda os atentados. “Esses presos se sentiriam duplamente penalizados porque ficariam sem o benefício por causa de seus opositores. É o tipo de situação que causa revolta. É preciso ver quais presos têm condições de serem libertados”.

Para o promotor, São Paulo vive uma situação especial, de exceção, com comoção pública e sensação de guerra urbana. “Poderia haver a restrição do benefício até o controle completo da situação, quando todos os líderes estiverem isolados”, sugere. O promotor Antônio Baldin diz que a liberdade para os presos no Dia dos Pais vai mostrar apenas uma coisa: “Quem está mandando são os presos”.
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Benefício
10% da população carcerária do estado será beneficiada pelo indulto do Dia dos Pais

Facções rivais podem ser alvo

As famílias de presos pertencentes a facções rivais do Primeiro Comando da Capital (PCC) também podem ser alvos de ataques, segundo mensagens eletrônicas recebidas pela Polícia Civil de Sorocaba, no interior de São Paulo. Os avisos, que chegaram à polícia antes da recente onda de ações, incluíam entre os supostos alvos, além dos funcionários das unidades prisionais, as famílias de presos de outras facções.

Uma das mensagens informava sobre a possibilidade de ataques a ônibus que transportam visitas. As duas penitenciárias de Sorocaba são controladas por facções rivais do PCC, como o Terceiro Comando da Capital (TCC) e Comando Revolucionário Brasileiro do Crime (CRBC).

As mensagens faziam referência também aos presídios de Guareí, Bauru e Guarulhos. Os ataques seriam feitos pelos presos indultados em razão do Dia dos Pais. Eles sairiam das prisões com as missões determinadas. Os detalhes foram passados à polícia por informantes, pois os detentos deixaram de usar os celulares para a transmissão de ordens. O texto assegura que a informação é confiável, pois a mesma fonte já fornecera, em outra ocasião, informações verídicas. As mensagens foram repassadas a vários órgãos policiais. A Polícia Civil não comentou o assunto, alegando questão de segurança.

A polícia pretende usar dados de movimentação bancária na tentativa de identificar os criminosos que, fora das prisões, dão suporte ao PCC. Os serviços de inteligência das polícias civil e militar já identificaram o uso de “laranjas” para a movimentação do dinheiro arrecadado pela facção com o tráfico de drogas e a cobrança de contribuições.

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