31.8.06

As ilusões do programa petista

O programa para um eventual segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva padece dos piores males que a política brasileira costuma exibir: compromissos vagos, promessas irrealizáveis, ataques gratuitos aos adversários, desprezo aos próprios equívocos e fuga calculada das principais questões que atormentam a economia. O Brasil já conhece este enredo. Mas não está cego de tanto vê-lo.

Os redatores do programa de governo do PT, divulgado segunda-feira, recorreram à mesma esperteza de 2002. Num mesmo texto, conseguem a proeza de combinar discursos dissonantes destinados a múltiplas platéias. Trata-se do resultado mais evidente de uma conjunção de fatores tipicamente petista: a fragmentação do partido, somada aos desencantos promovidos desde o desembarque no Palácio do Planalto, em janeiro de 2003.

Com a habitual superficialidade e distância da realidade, documentos eleitorais do gênero não costumam ser muito levados a sério. Mas, como fundamenta a disposição do presidente Lula de manter-se no poder nos próximos quatro anos, o texto sugere debates relevantes. O mais grave é a contradição de suas premissas econômicas e fiscais. Se reeleito, Lula manterá um superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto. Simultaneamente, descarta a redução das despesas permanentes do governo e promete expandir os investimentos públicos e, em particular, os programas sociais.

Tal conta só fecha em aritméticas ilusórias, para as quais o PT parece especialmente vocacionado. Com a contradição, compreende-se por que o programa ignora a possibilidade de uma nova reforma da Previdência e despreza qualquer compromisso com a reforma tributária. Os redatores aspiram ainda "reconstruir a capacidade de gestão, indução e coordenação do Estado", mas não se preocupam em citar as margens para redução de juros e impostos, com o crescimento acelerado sugerido pelo texto.

É risível para um país que atingiu a marca recorde de carga tributária - 37,5% do PIB - saber que o presidente deseja alcançar um "padrão de financiamento não baseado no endividamento público ou em pesada carga tributária". Significa contentar-se com a mediocridade esperar que "programas seletivos de desoneração tributária" permitam ao setor produtivo brasileiro alcançar vôos mais notáveis.

Não há indicadores de mudança na carta de intenções do presidente-candidato. Mas o documento apresenta alguns pontos positivos. Poucos, convém ressaltar. Já é um avanço, por exemplo, evitar metas numéricas muito ambiciosas. O programa sublinha ainda um bem-vindo compromisso com a inclusão social e com a reforma política - temas especialmente caros ao eleitor.

Mesmo os méritos, contudo, acabam turvados pelos equívocos petistas. O PT recorre, por exemplo, à prática de empurrar a responsabilidade da mais séria crise ética e moral que abateu o país desde o impeachment de Collor. Ignora o mensalão. Não explica como fará para corrigir as trilhas que levam à corrupção. Insiste na tese de que Lula recebeu uma herança maldita do governo anterior e adere à fantasia presidencial, segundo a qual a história do Brasil recomeçou com a chegada de Lula ao Palácio do Planalto.

A bem-vinda continuidade de projetos governamentais, ressalte-se, não precisa conduzir os partidos abrigados no poder a sugerir programas anódinos. O presidente eleito, seja petista ou tucano, terá de comandar uma agenda de reformas, sem as quais o próximo governo se reduzirá ao marasmo. O desafio implicará projetos convergentes e viáveis no Congresso. Que Lula se prepare para a tarefa - algo que seus redatores não fizeram.
Editorial JB

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