Eleitor é exigente com o Congresso, mas é leniente no critério ético para o Executivo
Simplificando a leitura dos dados, as pesquisas de opinião até agora nos mostram o seguinte: a maioria do eleitorado prefere a reeleição do presidente Luiz Inácio da Silva, não liga o nome à pessoa quando o assunto é corrupção, mas se mostra exigente em relação ao próximo Congresso.
Quer saneamento ético, repudia os malfeitores e, segundo a pesquisa CNT/Sensus de ontem de manhã, 80% não votariam em candidatos citados pela CPI dos Sanguessugas por envolvimento com fraudes no orçamento federal.
O instituto não consultou a respeito de mensaleiros, usuários de caixa 2 e que tais, mas é de se supor que a intolerância seja a mesma.
O eleitorado, assim, exibe-se um tanto estrábico, com um olhar em cada direção, uma oposta à outra. É rígido com o Congresso, de quem exige conduta exemplar, e tolerante com o Executivo, a quem não impõe a questão moral no topo da lista dos requisitos eleitorais.
Se o cenário persistir e realmente assim se refletir nas urnas, autorizados então estaremos a acreditar num Congresso mais bem formado, mais bem escolhido e, portanto, institucional e politicamente mais responsável.
Equivale dizer, gente em sua maioria interessada mesmo em parlamentar, fiscalizar e votar - as três funções essenciais do Legislativo - e não em se beneficiar, barganhar e manipular.
Como as mesmas pesquisas indicam que o partido do presidente não sabe bem ao paladar do eleitorado, lícito também imaginar que a partir de fevereiro de 2007 a bancada do PT esteja bem menor que aquela de 90 deputados empossados em 2003 e já insuficientes para garantir conforto parlamentar ao presidente, então quase uma unanimidade nacional.
Essa insuficiência foi a razão pela qual o Poder Executivo precisou recorrer à cooptação fisiológica de deputados em vários outros partidos, conjunto a que se deu o distinto nome de base parlamentar de apoio.
Esses deputados foram obtidos (estrito senso) em troca de liberação de emendas ao orçamento, verbas para financiamento de campanhas por meio de caixa 2, cargos na máquina pública e por aí ficamos no que concerne às moedas conhecidas, embora se fale na existência de outras mais.
Mas, voltando ao ponto: supondo que as pesquisas se confirmem, Lula se reeleja e o Congresso venha pelo eleitor moldado diferente, mais probo e consciente, se impõe a dúvida: como se relacionaria, então, o Executivo com o Legislativo, se a única forma de fazer maioria é a cooptação?
A impossibilidade de fazer de outro jeito ao menos é que se depreende das justificativas do PT por não ter feito de maneira diferente. Alegou que o esquema era antigo e mergulhou nele bem fundo.
Ora, se o Congresso vier com muitos parlamentares refratários a essas práticas, ou temerosos de cair na malha fina da opinião pública por causa delas, vai se abrir na Praça dos Três Poderes uma distância interessante de observar.
O hiato será entre aquilo que o governo reeleito acreditou ser a política (até que fez a profecia cumprir-se a si mesma) do Parlamento e a maneira como o Parlamento será forçado pelas circunstâncias a fazer política.
Nesse (falso) dilema - o de saber como estabelecer relações congressuais em novas e aceitáveis bases - residia a motivação da proposta de Constituinte exclusiva para fazer reforma política: enquanto se discutisse o assunto numa instância paralela não seria necessário encarar o problema à vera, em seu ambiente natural, o Congresso propriamente dito.
Se o eleito não for Lula, se for Geraldo Alckmin ou - por hipótese de raciocínio, bem entendido - Heloísa Helena ou Cristovam Buarque, e também não houver um conceito muito bem formado a respeito dos critérios para a relação do presidente com o Congresso, o problema será o mesmo.
A diferença é que, reelegendo Lula, o eleitorado dá ao Executivo um aval aos métodos já aplicados, enquanto na outra ponta exige que o Parlamento dance conforme outra música.
Dora Kramer
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