Fundação revela como atuava a quadrilha
Funcionários do Ministério da Saúde exigiam que documentos não fossem datados para ocultar fraudes nos convênios
Governo federal ameaça retomar ambulância doada à Fundação João Paulo 2º, cuja direção se recusou a firmar documento sem data
1. A confiança da quadrilha dos sanguessugas e da Planam de que sempre conseguiriam repassar suas ambulâncias superfaturadas era tamanha que os carros foram entregues antes de o convênio com o Ministério da Saúde ser assinado;
2. A quadrilha contava com a cumplicidade de funcionários da pasta para cobrar a assinatura do convênio e evitar que os documentos fossem datados;
3. Mesmo sem a assinatura, o Ministério da Saúde publicou no "Diário Oficial" notícia falsa sobre a celebração do convênio.
Estes foram os métodos da quadrilha para tentar empurrar ambulâncias superfaturadas à Fundação João Paulo 2º. A acusação é do superintendente de Assuntos Jurídicos da fundação, Jackie Cardoso Sodero Toledo. Mais conhecida pela ação de televangelização da Canção Nova -emissora católica cujo principal colaborador é Gabriel Chalita, ex-secretário de Geraldo Alckmin-, a Fundação João Paulo 2º dá assistência médica e odontológica no posto médico Padre Pio, em Cachoeira Paulista (SP).
O nome da Canção Nova acabou misturado com a quadrilha dos sanguessugas após o depoimento do empresário Darci Vedoin, sócio da Planam, à Justiça, que cita o suposto envolvimento do deputado federal Salvador Zimbaldi (PSB-SP).
Para Darci, Zimbaldi pediu, como contrapartida a sua atuação apresentando emendas favoráveis à Planam, que a empresa repassasse um microônibus médico para a Fundação João Paulo 2º, o que foi feito.
Homem de confiança da Canção Nova, Zimbaldi tem extensa folha de serviços prestados à causa católica: é ativo militante contra a legalização do aborto, a união civil de pessoas do mesmo sexo, a clonagem, a eutanásia e a pesquisa com células-tronco. Defende ainda os interesses das entidades católicas, como a TV Canção Nova.
Sobre a acusação de Vedoin, Zimbaldi disse que pessoas ligadas à Planam procuraram prefeitos e entidades apresentando-se indevidamente como seus assessores. Mas Sodero Toledo, da Fundação João Paulo 2º, diz que o envolvimento de Zimbaldi foi direto: "Foi ele quem propôs que apresentássemos um pedido de ambulâncias e foi ele quem o encaminhou ao Ministério da Saúde".
A prova mais eloqüente do envolvimento de Zimbaldi com a Planam está no site da Canção Nova, que exibe fotos em que ele aparece com as chaves das ambulâncias entregues ao posto médico Padre Pinto, em 26 de março de 2004: o nome Planam está na lataria dos carros.
Em maio, o Ministério da Saúde enviou à fundação o termo de convênio nº 2018/2004, para ser assinado e rubricado. O presidente da fundação, padre Jonas Abib, colocaria sua assinatura ao lado daquela do então ministro Humberto Costa. Um detalhe chamou a atenção do departamento jurídico da fundação: o termo do convênio, para o qual eram destinados R$ 160.000, visava à "aquisição de unidades móveis de saúde". Para isso, a fundação João Paulo 2º comprometia-se a "promover as licitações necessárias para a aquisição" das ambulâncias. Acontece que as ambulâncias que seriam licitadas eram aquelas que já tinham sido entregues à fundação, e que vinham da Planam. O jurídico da fundação não gostou da cláusula. "Resolvemos não assinar", diz Sodero Toledo.
Mesmo sem a assinatura, o "Diário Oficial da União" de 26 de julho de 2004 publicou extrato do convênio nº 2018/ 2004, dando conta de que, quatro dias antes, o ministro Humberto Costa e o padre Jonas Abib haviam assinado o termo. Ao mencionar o objeto do convênio, o "Diário Oficial" fala em "aquisição de unidade móvel de saúde" -assim, no singular. E atribui os recursos financeiros para a aquisição: R$ 160.000.
Quase um ano depois, em 8 de julho de 2005, o ofício nº 1.392, assinado por Silvana Squitino Tambosi, chefe do Serviço de Habilitação e Análise de Projetos do Ministério da Saúde em São Paulo, endereçado ao padre Jonas Abib, pedia "a gentileza de assinar e rubricar todas as páginas do Convênio 2018/ 2004". O mais impressionante: pedia que as assinaturas fossem colocadas "sem mencionar a data, para que possamos encaminhá-lo a Brasília". A fundação não assinou.
Como a assinatura não saía, a Planam tentou reaver os veículos. Alegava que a fundação havia contraído dívida correspondente aos valores somados dos veículos. A fundação diz que recebeu os veículos como doação. A UTI móvel foi registrada em 16 de junho de 2004, tendo a Fundação João Paulo 2º como proprietária. Quanto à ambulância odontológica, cuja propriedade não chegou a ser transferida para a fundação, acabou sendo devolvida à Planam em 27 de janeiro de 2006.
Na mesma data, a Planam insistiu em que a fundação pagasse R$ 120 mil pela UTI móvel. A fundação não aceitou.
Na semana passada, a fundação recebeu correspondência datada de 18 de julho de 2006, assinada por José Menezes Neto, diretor-executivo do Fundo Nacional de Saúde. Sobre o convênio, diz-se que, "por lapso, [ele foi] publicado no Diário Oficial da União, nº 142, de 26.07.2004" A carta admite: "Identificado que a pactuação [assinatura do convênio] não veio a prosperar, estamos adotando as providências no sentido de tornar sem efeito o ato." Até sexta-feira, a ambulância continuava no posto Padre Pio.
Folha
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