JORGE LORENZETTI, diretor de banco público, colaborador de uma fundação agraciada com R$ 18 milhões em recursos federais e churrasqueiro presidencial, era "analista de risco e mídia" da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva; Oswaldo Bargas, ex-secretário do Ministério do Trabalho que, segundo "Época", formou dupla com Lorenzetti para oferecer à revista um dossiê contra os tucanos, atuava no programa de governo.
Ricardo Berzoini, ex-ministro que só anteontem se lembrou de que fora avisado da negociação com o semanário, preside o PT e chefiava a campanha à reeleição. Expedito Veloso, o mais novo personagem do enredo, deixou ontem a diretoria de Gestão de Riscos do Banco do Brasil.
Esse é, passado o momento inicial da chamada crise do dossiê, o primeiro esboço do "dispositivo" petista posto em marcha na tentativa de comprar informações contra adversários. A responsabilidade de Berzoini, demitido ontem da coordenação da campanha, não desaparece quando diz que desconhecia o conteúdo da conversa de um subordinado com a imprensa. Se soube do encontro, mas não procurou informar-se do assunto a ser abordado, no mínimo se omitiu.
Conceda-se a Berzoini em um ponto. Dentro do grande mapa das falcatruas em que seus correligionários foram flagrados ao longo do governo Lula, a alegação do presidente petista de que não sabia de nada ganha sentido. Do mesmo modo que o presidente da República diz ignorar o que ocorria nos gabinetes vizinhos, as arapongagens de subordinados teriam passado ao largo do chefe da campanha do PT.
Tanta desinformação poderia soar a descontrole. A repetição "ad nauseam" dos desmandos, no entanto, vai revelando uma certa ordem no caos aparente. Nessa lógica, a ignorância a respeito do que se faz nos escalões inferiores do partido e do governo interessa aos chefes hierárquicos. O nada saber é o mecanismo que inibe que a "queda de um aparelho" venha a comprometer toda a organização.
Táticas herdadas da guerrilha urbana, solidariedades forjadas em décadas de luta entre grupos sindicais e acesso facilitado aos cofres e aos contratos públicos -aos financiadores da política, portanto- se amalgamam para formar a rede "lulo-petista". Os grupos se movem com relativa autonomia, parecem fazer o que bem entendem, conspurcam as fronteiras entre Estado e partido, mas estão todos conectados entre si a sustentar um projeto de permanência no poder.
Lula teve várias oportunidades para liquidar esse submundo corrupto e autoritário instalado na máquina federal; teve meios para patrocinar depuração radical em seu partido. A imposição de uma derrota cabal ao modo "companheiro" de gerir o Estado era necessária. Mas o presidente preferiu o despiste e a acomodação. Foi o maior patrocinador da impunidade, alimento da desfaçatez que levou um grupo de "companheiros" a tentar comprar delações com dinheiro sujo em plena reta final da campanha.
Agiu bem o TSE ao abrir investigação sobre o caso do dossiê. O melhor antídoto contra a delinqüência em rede é o estabelecimento das responsabilidades de cada um -o que o tribunal tem todas as condições de fazer.
Folha
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