9.9.06

Favorito em fuga

Fechado a um debate franco e maduro com a imprensa, Luiz Inácio Lula da Silva presta um desserviço à democracia

"ESTÃO TÃO nervosos que chegam até a babar de raiva." Este é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em ação, no mais recente flagrante de um comportamento que nele tem sido contumaz ao longo de três anos e meio de mandato. Funciona como um relógio: basta os ventos mudarem a seu favor, e emerge a incontinência retórica, repleta de auto-elogios e ataques a adversários.
Não é por conta disso, porém, que o balanço da loquacidade de Lula desde que assumiu a Presidência é negativo. Cada governante tem o seu estilo, as suas virtudes e as suas limitações no momento de expressar o que pensa às mais variadas platéias. O que é pernicioso é o líder petista falar apenas quando não é contestado; é não ter-se permitido, como regra, uma interlocução pública, madura e democrática, que permita o contraditório.
Contam-se nos dedos de uma mão os momentos em que o presidente da República dispôs-se a um diálogo franco com a imprensa. Já faz um mês que a última ocasião desse gênero -uma entrevista ao "Jornal Nacional"- ocorreu. Dado o desempenho sofrível do candidato do PT diante de perguntas diretas sobre assuntos sempre evitados pelo séquito presidencial, os dez minutos na TV Globo devem continuar a ser o último evento do tipo pelo menos até o fim do processo eleitoral.
À diferença de seus principais concorrentes na disputa pelo Planalto, Lula declinou do convite para participar de uma sabatina com jornalistas desta Folha. Não quis explicar seus motivos, mas todos sabem quais são.
O que restou do "núcleo duro" do Planalto e os marqueteiros de sempre temem pela reação do presidente. Temem pelo resultado de duas horas de exposição a promessas não-cumpridas, a desmandos gravíssimos no círculo da Presidência, a contradições do governo com o passado oposicionista do PT, a indagações sobre a que setores Lula vai desagradar se assumir, como as pesquisas hoje indicam, o segundo mandato em 1º de janeiro.
Debite-se à camarilha presidencial -que atua o quanto pode para proteger Lula do contato com quem o possa contradizer- parte do despreparo do presidente no trato com a imprensa. A outra parte deve ser lançada na conta do próprio líder petista, que não esconde o seu incômodo sempre que exposto ao debate aberto, com interlocutores que não estão ali para enaltecê-lo.
Não faz bem para as instituições democráticas essa tentativa de culto à personalidade. Lula e seu círculo de assessores enveredaram pela mitificação do líder político, transformando-o num ícone quase religioso, a quem não se pode questionar. Tal comportamento está na contramão da moderna política republicana, que não pode dispensar a prestação de contas do governante máximo.
Lula não prestará um favor à imprensa se mudar de atitude e abrir-se ao contraditório num hipotético segundo mandato. Apenas passará a cumprir uma obrigação do presidente da República para com a sociedade.
Folha

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