13.9.06

Convite à corrupção

Necessidade de reduzir ao mínimo número de cargos de indicação política no governo sumiu do debate eleitoral

NOS MOMENTOS mais agudos da crise do mensalão, dentro da tradição casuística que perpassa amplos setores da classe política brasileira, reduzir ao mínimo a quantidade de cargos públicos de livre provimento era bandeira defendida em bloco. Passada a fase crítica, a idéia, convenientemente, refluiu.
Ainda que de modo tímido, a Mesa da Câmara dos Deputados ensaia agora um passo no combate à chaga do empreguismo político. Ontem foi aprovado um ato administrativo que autoriza a demissão de 1.163 servidores de um total de 2.365 cargos de confiança -chamados de CNEs (Cargos de Natureza Especial).
Contratados sem concurso e com salário entre R$ 1.500 e R$ 8.200 mensais, as pessoas alocadas nessas funções deveriam prestar assessoria a órgãos técnicos, mas a maioria é deslocada para gabinetes de parlamentares em Brasília ou nos Estados. Além de reduzir à metade os cargos, quer-se também proibir que os funcionários indicados para os postos remanescentes trabalhem fora do Congresso ou em gabinete de deputados.
Na hipótese de frutificar -a proposta decerto vai encontrar resistência entre os próprios integrantes da Mesa, detentores de diversos cargos para distribuição entre aliados-, a medida da Câmara extinguiria apenas uma parcela diminuta dos cargos de confiança na administração pública federal.
O número de postos de livre provimento no Brasil segue intolerável. Estima-se que, apenas no governo federal, eles fiquem em torno de 18 mil. Além de constituir um óbice à consolidação de uma burocracia pública profissional e estável, o livre provimento está no centro da cultura clientelista e das barganhas instaladas no seio do poder público brasileiro. Funciona como verdadeiro convite à corrupção.
Criados para permitir a formação de blocos homogêneos de poder e reforçar os laços de lealdade às chefias, esses postos se tornaram moeda de troca entre políticos que necessitam de empregos, partidos que precisam de fundos e governos em busca de sustentação parlamentar. O mensalão só veio à tona, vale lembrar, por conta de um choque entre partidos aliados ao governismo em disputa por cargos nos Correios -a estatal que neste ano, em um ato simbólico da desfaçatez com que o governo Lula trata o assunto, foi novamente loteada sob critérios políticos.
O debate em torno da redução dos cargos de livre provimento segue ausente do processo eleitoral. É preciso exigir clareza dos candidatos a respeito da forma como pretendem enfrentar o problema. Do contrário, mesmo que prosperem as iniciativas da Câmara, o combate ao compadrio, ao gasto desmedido e à corrupção não passará de retórica de campanha.
Folha

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