Não bastasse o tremendo estrago causado à imagem do governo Lula pelo escândalo do dossiê, que envolve, inclusive com mandados de prisão já decretados, pessoas estreitamente ligadas ao presidente da República, como o seu segurança e o seu churrasqueiro predileto, surge agora um subproduto da desastrada “Operação Tabajara” – a grotesca tentativa de um bando de petistas de comprar um dossiê que supostamente comprometeria o candidato a governador de São Paulo José Serra, com a tramóia dos sanguessugas. Para dizer sem subterfúgios, trata-se agora de uma clara tentativa de abafa, por parte do Ministério da Justiça e da força que lhe é subordinada, a Polícia Federal (PF), quem sabe para que a dinheirama encontrada com os intermediários da negociação do dossiê – R$ 1,75 milhão em dólares e reais – não pudesse causar impacto eleitoral.
O Banco Central (BC) é a instituição que possui o registro de todas as operações de compra e venda de dólares, feitas pelas instituições financeiras em operação no País, assim como detém a identificação de todos os envolvidos em transações desse gênero. Era de crer, portanto, que na investigação da procedência daquela grande soma de dinheiro em espécie a Polícia Federal tivesse feito, logo de início, uma consulta formal ao BC. Mas qual foi a surpresa – e a compreensível indignação – dos senadores Tasso Jereissati e Heráclito Fortes quando, ao visitarem anteontem o presidente do BC, Henrique Meirelles, dele ficaram sabendo que até então nem a Polícia Federal nem o Ministério da Justiça haviam solicitado àquela instituição informações que identificassem as pessoas que sacaram ou transportaram o dinheiro apreendido.
Entende-se o desabafo contundente do senador Jereissati: “Isso é escândalo, um absurdo. O ministro da Justiça tem que responder a isso. Do contrário, está sendo cúmplice de um crime.” Disse mais o presidente do partido dos tucanos: “Acuso o Ministério da Justiça e a PF de estarem escondendo o que sabem.” Apesar de o BC ter todas as condições de rastrear o caminho do dinheiro, Meirelles disse a Jereissati que “todas as investigações estão sendo conduzidas apenas pela PF, sem nenhuma articulação com o Banco Central” – o qual, em razão das normas do sigilo bancário, só pode realizar levantamentos e fornecer informações quando oficialmente instado a fazê-lo. Não há, então, como deixar de dar razão ao senador cearense, quando considera estranhíssimo que a PF ainda não tenha pedido ao BC ajuda para solucionar o caso – e que a PF “já sabe”, sendo de alguma forma constrangida a não informar.
Não melhorou em nada a imagem da Polícia Federal a “defesa” que fez seu diretor-geral, Paulo Lacerda, ao afirmar que “buscar informações no BC é irrelevante”, pelo fato de a PF já ter obtido as informações necessárias, graças ao acordo de cooperação com os EUA. Só depois dessas idas e vindas é que a PF oficiou ao BC pedindo informações. Ora, será que o órgão incumbido de fiscalizar e controlar o fluxo das operações financeiras do País não teria, de início, informação alguma a prestar sobre o caso? Por sua vez, o ministro Márcio Thomaz Bastos não deu resposta àquelas indagações, preferindo resvalar para a saída fácil da ironia, ao dizer: “É querer demais da natureza humana que presidentes de partidos, na véspera das eleições que lhes são desfavoráveis, não tentem gerar fatos.”
Ora, um ministro da Justiça, sob cujo comando está a força federal que desenvolve importante investigação criminal, não deveria, pelo menos publicamente – e sob pena de clara suspeição –, referir-se abertamente a favoritismos eleitorais, posto que ele está a serviço de uma Pasta Ministerial de Estado e não de uma candidatura à reeleição de um governante. E, a propósito de “gerar fatos”, há de convir: quem gerou o fato do dossiêgate?
Passadas duas semanas sem a descoberta da origem do dinheiro, mas sabendo-se que foi Hamilton Lacerda – ex-assessor de comunicações do candidato petista a governador de São Paulo, Aloizio Mercadante – quem transportou aquela grande quantidade de cédulas de dólares e reais para os intermediários presos da desastrada “Operação Tabajara”, tem -se apenas que saber, desse cidadão, onde ele pegou a dinheirama. Será tarefa tão difícil, essa?
Estadão
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