Furacão: Tarso defende acesso a autos mas nega irregularidades
“É evidente a necessidade de se assegurar aos advogados regulamente constituídos o acesso aos autos do procedimento investigatório”. A informação consta do ofício encaminhado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, ao presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, em resposta à solicitação formal feita pela OAB para que fossem verificados os procedimentos adotados pela Polícia Federal por ocasião da Operação Furacão. A OAB alegou que várias foram as ilegalidades cometidas contra as prerrogativas profissionais dos advogados que tiveram clientes detidos durante a operação e contra o direito de defesa dos presos, previsto na Constituição.
Apesar de manifestar a relevância da atuação da advocacia na defesa dos direitos fundamentais e de afirmar que essa é uma preocupação do Ministério, Tarso nega que tenha havido violações às prerrogativas dos advogados durante a operação destinada a apurar crimes de lavagem de dinheiro e jogo do bicho. Ele garantiu que a comunicação entre os investigados e seus advogados foi respeitada, tendo se dado “forma livre e privativa”, como garantia legal inviolável prevista na lei.
No entanto, a OAB afirmou ao ministro que a realidade enfrentada por advogados que tiveram clientes detidos foi outra: tendo sido proibido aos advogados manter contato pessoal e reservado com seus clientes e tendo esses sido obrigados a usar interfones, em parlatórios, para que pudesse haver a comunicação.
Em relação à informação da OAB de que advogados presos durante a Operação foram colocados em “enxovias, que nada têm em comum com a sala do Estado-Maior a que alude a lei”, o ministro respondeu que “as unidades da Polícia Federal estão preparadas com instalações condignas para recolher presos, sendo destinados aos advogados e magistrados, prisão especial, nos termos da lei”.
Ainda no documento enviado à OAB, o ministro da Justiça sai em defesa das 323 operações realizadas entre 2003 e 2007 e fala do dever atribuído à Polícia Federal, de apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União. O ministro ressaltou, ainda, que todas as ações até então executadas têm tido amparo e resguardo em centenas de decisões em todas as instâncias do Poder Judiciário. “Dentre todas estas operações não constam qualquer registro de denúncia de violações físicas ou maus-tratos aos presos, sendo que nenhum tiro foi disparado”, afirmou Tarso Genro .
Ao final do documento, o Ministério da Justiça, reconhecendo os relevantes serviços prestados à democracia brasileira pela OAB, se compromete a analisar as informações aduzidas para o aperfeiçoamento dos instrumentos de controle.
A seguir a íntegra do ofício encaminhado pelo ministro da Justiça ao presidente nacional da OAB:
Aviso nº 1031 2007/GM-MJ
Ao Senhor
Cezar Britto
Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Assunto: Operação da Polícia Federal. Respeito às Prerrogativas Profissionais.
Senhor Presidente,
O Ministério da Justiça em atenção à comunicação apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, representada pelo Presidente do seu Conselho Federal, procedeu ao exame e apuração das informações constantes do documento e, após análise realizada por suas Secretarias, vem expor o que se segue.
Inicialmente, cumpre salientar que as preocupações apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil na defesa dos direitos fundamentais são da mais alta relevância e permeiam a preocupação da atual gestão do Ministério da Justiça. A história da OAB é entremeada pela defesa dos interesses públicos e da justiça social. A democracia brasileira deve muito aos advogados e advogadas, que lutaram incansavelmente pelas liberdades democráticas, especialmente durante os períodos de arbítrio e de autoritarismo vividos no país.
O advogado é o artífice da defesa e dos direitos fundamentais dos cidadãos, sendo a Advocacia essencial e indispensável à administração da Justiça, como esculpido no art. 133 da Constituição Federal. O exercício da advocacia com dignidade, ética e independência é fundamental para garantir ao cidadão o direito de defesa, o julgamento justo e a correta aplicação das leis, essenciais ao pleno Estado Democrático de Direito.
A atuação do Ministério da Justiça tem se pautado na defesa e consolidação do Estado Democrático de Direito, das instituições e da soberania da Nação. É missão institucional do Ministério da Justiça a garantia e promoção da cidadania, da justiça e da segurança pública, através de uma ação conjunta entre o Estado e a sociedade.
Na persecução de sua missão, o Ministério tem atuado em consonância com órgãos do Poder Judiciário e com as demais instituições indispensáveis à administração da justiça e em respeito às prerrogativas profissionais e em rigorosa observância dos preceitos éticos que constituem deveres impostergáveis para a defesa da Constituição e da ordem jurídica.
A persecução da justiça constitui objetivo primordial da República Brasileira, como atesta o art. 3º, I, da Constituição Federal. O referido dispositivo constitucional evidencia um dos momentos em nosso ordenamento jurídico em que a definição do interesse público está positivada.
A construção de uma sociedade justa e solidária solicita um conceito de segurança por meio do qual os sujeitos mobilizam-se em defesa da saúde, da educação, da igualdade para um novo modo de vida, mais justo, mais confortável, mais democrático. Desta forma, a segurança pública, aqui compreendida também como segurança jurídica, é uma das formas de alcançar esses objetivos basilares.
Na Constituição Federal, o Estado figura como titular do dever de prestação da segurança pública, em benefício da sociedade como um todo, com as responsabilidades e limites definidas na Carta. Tanto é assim que o art. 144 da Carta Maior repete o princípio da proteção ao interesse público e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. O referido dispositivo atribui ainda à Polícia Federal o dever, dentre outros, de apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme.
São princípios institucionais da Polícia Federal, além dos que regem a administração pública, o respeito ao Estado Democrático de Direito e a proteção aos direitos do cidadão e à dignidade humana, a hierarquia e a disciplina. Nesse sentido a atuação da Polícia Federal vem transcorrendo de forma a cumprir os mencionados preceitos constitucionais, observando a estrita legalidade, e resguardando o direito constitucional de imagem, de defesa e da presunção da inocência no cumprimento dos mandados expedidos pelo Poder Judiciário.
O Departamento de Polícia Federal dispõe de uma estrutura moderna e funcional que permite planejamento, coordenação e controle centralizados e execução descentralizada. Sua estrutura atual permite um excelente desempenho, além de favorecer a integração com os diversos órgãos da administração federal. Essa integração vem se fortificando por meio da definição de estratégias de articulação das instituições governamentais envolvidas no combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado.
Cumpre consignar que a atuação da Polícia Federal visa sempre à eficácia, o dinamismo e a celeridade da investigação, ao mesmo tempo em que prevê sua correspondente e rigorosa responsabilidade no tocante à legalidade processual e técnica do inquérito, a preservação dos dados, documentos e informações colhidas.
Trata-se de ações policias que, para além de combater a criminalidade, em especial, o crime organizado, com uma atuação firme e relevante, demonstram-se práticas educativas e desencorajadoras a atos de corrupção. Essas ações mostram que, no Brasil, já não há pessoas imunes à legislação, à exigência de legalidade e moralidade, não importando a posição social, cargo público ou filiação partidária do investigado para a sua devida responsabilização.
Ao apontar ao Poder Judiciário nomes de pessoas que, após longa e científica investigação, apresentam condutas que indicam a possível maculação das instituições, recursos e órgãos públicos, a Polícia Federal está exercendo o papel que lhe foi confiado pela nação, no sentido de aprimorar e aperfeiçoar a democracia brasileira.
Essa dimensão republicana de ação da Polícia tem se dado sob o olhar atendo do Judiciário em estreita articulação com os diversos órgãos envolvidos no combate ao crime organizado como Ministério Público, Tribunais de Contas, Controladoria Geral da União, Receita Federal, polícias estaduais, observados todos os limites impostos pela legalidade na produção de provas.
Desde o início da deflagração de uma série de operações de combate aos crimes de colarinho e financeiros vêm se revelando um elevado nível de sofisticação das organizações criminosas, com movimentação de elevadíssimas somas de dinheiro e infiltração nas mais altas esferas do aparelho estatal, o que vem exigindo novas respostas por parte da Polícia Federal, as quais têm tido amparo e resguardo em centenas de decisões em todas as instâncias do Poder Judiciário.
Sobre os pontos específicos apontados pela Ordem dos Advogados do Brasil em relação à Operação “Hurricane”, considerando que a matéria foi pauta de revisão pelo Supremo Tribunal Federal, compete ao Ministério da Justiça reafirmar o seu compromisso com os respeito às prerrogativas profissionais, observado o mais estrito rigor com a legalidade.
É evidente a necessidade de se assegurar aos advogados regularmente constituídos o acesso aos autos do procedimento investigatório. Com propriedade o Ministro Cezar Peluso deixou assentado que o direito de acesso aos autos do inquérito na Secretaria, assegurando o acesso às informações já formalmente documentadas, preconizando o seguinte:
“Como é de jurisprudência assentada desta Corte, têm os suspeitos ou indiciados direito de acesso, por meio de advogados constituídos, aos elementos de prova a seu respeito já colhidos e documentados nos autos do inquérito, ainda quando este se processe em segredo de justiça, embora tal prerrogativa, radicada nas garantias inerentes ao due process of law, não subtrai à autoridade policial o dever de sigilo a respeito das diligências e outras iniciativas em curso ou ainda por realizar ou decidir na apuração dos fatos”. (INQ. Nº 2.424-4-Rio de Janeiro, Rel. Min. Cezar Peluso).
Sobre a afirmação da OAB de que “não se permitiu que os advogados mantivessem pessoal e reservadamente conversas com seus clientes, obrigando-os que o contato se desse com prazo limitado, em parlatórios, por meio de interfones” deve-se registrar que a comunicação entre os investigados e seus advogados foi respeitada e se deu de forma livre e privativa, sem a presença de funcionário do Estado. Trata-se de garantia legal inviolável, sendo compromisso do Ministério o respeito à comunicação direta, pessoal e reservada do advogado com o cliente preso.
E em relação à informação de violação de prerrogativa profissional no que se refere à “colocação de advogados presos, afora as autoridades, em enxovias, que nada têm em comum com a sala do Estado-Maior a que alude a lei” resta esclarecer que as unidades da Polícia Federal estão preparadas com instalações condignas para recolher presos, sendo destinados aos advogados e magistrados, prisão especial, nos termos da lei.
As investigações policiais são orientadas pela busca de proteção da sociedade e da segurança dos investigados, assegurando-lhes todas as garantias constitucionais. O tratamento dispensado aos presos se dá de maneira uniforme, independentemente da posição social, somente sendo diferenciado nas hipóteses que tratam de recolhimento em cela especial, na forma da legislação em vigor.
É importante que a sociedade esteja atenta para a atuação das polícias. Qualquer medida arbitrária ou autoritária deverá ser denunciada e será repreendida, com a conseqüente responsabilização de seus executores. Nesse sentido, todas as denúncias concretas, que forem apresentadas por essa Instituição, serão devidamente apuradas a fim de serem identificadas situações de descumprimento dos preceitos fundamentais aqui reafirmados. Desta forma, estaremos corroborando para a devida responsabilização do agente público que der causa a ação irregular, bem como para o aperfeiçoamento das investigações realizadas pela Polícia Federal e seu fortalecimento institucional.
Importa ressaltar os incomparáveis avanços democráticos e republicanos à atuação da Polícia Federal, as quais sequer seria razoável realizar qualquer tipo de comparação às ações arbitrárias de períodos não democráticos, onde as garantias civis encontravam-se suprimidas. Entre 2003 e 2007 foram realizadas 323 operações. Dentre todas estas operações não constam qualquer registro de denúncia de violações físicas ou maus-tratos aos presos, sendo que nenhum tiro foi disparado.
As operações federais envolvem profundo preparo, levantamento de provas e um grau de sigilo, até o momento de sua deflagração, resultando a prisão simultânea de inúmeros suspeitos, com o objetivo de desconstituir a cadeia criminosa e impedir a destruição de provas. Esse conjunto de ações vem se aperfeiçoando e tem alcançado reconhecimento internacional.
Por fim, o Ministério da Justiça reconhecendo os relevantes serviços prestados a democracia brasileira pela Ordem dos Advogados do Brasil, se compromete a analisar as informações aduzidas para o aperfeiçoamento dos instrumentos de controle e para que os relevantes serviços que a Polícia Federal tem prestado na construção do Estado Democrático de Direito brasileiro sejam cada vez mais efetivos no combate a corrupção e ao crime organizado, que dilaceram as instituições republicanas.
Atenciosamente,
Tarso Genro
Ministro da Justiça
Brasília, 06/06/2007
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