19.6.07

A ascensão dos bons companheiros

Ao ser preso pela polícia federal sob a acusação de pertencer a um grupo que explorava ilegalmente máquinas caça-níqueis, Dario Morelli Filho, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi classificado pelos petistas que o conheciam como um “faz-tudo”. Era uma forma de descrever sua atividade como uma espécie de auxiliar de serviços gerais do partido, encarregado de cuidar de tarefas de confiança que iam desde a segurança de Lula nas campanhas eleitorais até o registro do boletim de ocorrência sobre o furto de fios de cobre na chácara do presidente. A remuneração oficial de Morelli vinha de empregos públicos obtidos por conta da influência de amigos petistas. Até ir para a cadeia, duas semanas atrás, ele tinha um cargo de assessor técnico na Companhia de Saneamento da Prefeitura de Diadema, comandada pelo PT, com salário de R$ 4.800.

A Operação Xeque-Mate, da PF, revelou outro Morelli. As investigações mostram como ele aproveitou a chegada do PT ao poder federal para trilhar também uma diversificada carreira empresarial de trajetória ascendente nos últimos quatro anos e meio. Segundo a PF, Morelli é sócio oculto de uma casa de bingos em Ilhabela, no litoral paulista, e liderava um esquema de pagamento de propinas a policiais. Seria também intermediário de negócios com bancos oficiais, aproveitando-se de seu trânsito em Brasília. Gravações em poder da polícia citam seu envolvimento na tentativa de liberar financiamentos de R$ 100 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para empresas do Amazonas. Entre 2002 e 2006, período em que seu compadre Lula se tornou presidente, a movimentação financeira anual de Morelli quase quadruplicou, segundo relatório da PF. Passou de R$ 176 mil para R$ 661 mil. Os rendimentos declarados por Morelli à Receita Federal não são, diz a PF, compatíveis com esse crescimento.

Morelli, segundo o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é um exemplar de uma nova elite que emergiu com a ascensão política do PT. Essa elite é formada pelos burocratas do partido, pelos militantes profissionais e por sindicalistas que transformaram o PT e os governos petistas em trampolim social. “A atividade política gera recursos, e muitas pessoas enxergam nela oportunidades de negócios”, diz Martins Rodrigues. “Isso acontece com todos os partidos. A diferença é que, no PT, os militantes costumam vir das classes mais baixas da sociedade e mudam de classe social.”

A ascensão social por meio da política não é uma invenção do PT. “Muitas pessoas entram em partidos de operários para ascender socialmente. Isso também aconteceu com os partidos na Europa e nos Estados Unidos”, diz o cientista político Aldo Fornazieri, diretor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Alguns militantes melhoram de vida fazendo carreira como funcionários do partido. Outros vivem dos cargos que se abrem com as conquistas de prefeituras, governos estaduais e de empresas públicas.

É o caso do ex-presidente da CUT Jair Meneguelli, no passado um dos líderes sindicais mais aguerridos no enfrentamento contra a força do capital. No começo do governo Lula, Meneguelli trocou um mandato de deputado federal pela presidência do Serviço Social da Indústria (Sesi). Ganhou um amplo gabinete num dos prédios mais valorizados de Brasília, passou a circular pela cidade no banco traseiro de um Ômega australiano e começou a receber salários de mais de R$ 24 mil, quase o dobro do que receberia como parlamentar. Em entrevista a ÉPOCA, no ano passado, Meneguelli explicou a escolha dizendo que no Sesi poderia “fazer mais coisas que na Câmara”.

Finalmente, há o caminho mais rentável: montar empresas para fazer negócios com o partido e com os governos que seus correligionários comandam. Nessa categoria, o roteiro quase sempre segue o mesmo padrão: o militante abre uma empresa e passa a trabalhar para o partido, prefeituras, governos estaduais ou empresas públicas comandadas pela legenda. Morelli afirmou à polícia que seu dinheiro vem de uma empresa que aluga veículos para campanhas do PT.

Nos últimos anos, o PT produziu vários personagens parecidos com Morelli – na trajetória empresarial e nos problemas com a Justiça. Sérgio Gomes da Silva, o Sérgio Sombra, acusado pelo Ministério Público de São Paulo de ser o mandante do assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel, também começou no PT trabalhando como segurança de candidatos do partido. De família humilde, Gomes enriqueceu e virou dono de uma frota de ônibus que atuava como concessionária da Prefeitura de Santo André. Em Ribeirão Preto, durante a gestão do prefeito Antônio Palocci, o advogado Rogério Buratti foi nomeado secretário de Governo da Prefeitura. Suspeito de irregularidades com obras do município, foi exonerado e montou uma consultoria, a Assessorarte. O negócio foi um sucesso. Rapidamente, ele conseguiu contratos com sete prefeituras petistas. Em 2005, Buratti passou alguns dias preso acusado de participar de um esquema de corrupção na Prefeitura de Ribeirão Preto – assim como aconteceu com Gomes e Morelli.

O que as trajetórias de Morelli, Sérgio Sombra e Buratti destacam, segundo os analistas políticos, é a existência de uma relação perigosa entre o PT e os militantes que se organizam para ganhar dinheiro a partir dele. “Contratar empresa de colega de partido facilita a troca de favores”, diz Aldo Fornazieri. “E essa troca de favores é geralmente sinônimo de desvio de dinheiro público e doação de campanha.”

Para Dario Morelli, depois da ascensão social e política veio a fama. Na noite da quarta-feira, apenas quatro horas depois de sair do presídio federal de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul – onde ficara dez dias –, ele foi comemorar a liberdade. Vestido com uma camiseta da grife francesa Lacoste, Morelli foi à lanchonete de outro militante petista, onde encontrou um grupo de repórteres que está na cidade para acompanhar os desdobramentos da Operação Xeque-Mate. Ao ver os jornalistas, Morelli aproximou-se sorridente para conversar. Elogiou a estrutura do presídio em que estivera e ironicamente disse estar vivendo um momento de celebridade. “Ofusquei até o Alemão do Big Brother”, disse aos jornalistas. “Agora, São Bernardo (município da Grande São Paulo) tem três homens famosos: o Lula, o Alemão e eu.”

Wálter Nunes - Época

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