Editorial do Estadão
Só pode ser o “efeito Vavá”. De tanto encontrar na mídia notícias cada vez mais incômodas sobre as insalubres ligações do irmão mais velho Genival Inácio com o chefão dos caça-níqueis Nilton Cezar Servo, além de outros pecados veniais também descobertos pela Polícia Federal (PF), o presidente Lula começou a acusar o golpe. O primeiro sinal, numa entrevista em São Paulo, na terça-feira, foram as suas evasivas sobre o conhecimento que pudesse ter das movimentações do “ingênuo” irmão - isso depois de virem a público, detalhadamente, dois telefonemas gravados em que os interlocutores o convocavam, em nome do presidente, a se explicar em Brasília.
Na mesma entrevista, como que renegando os efusivos elogios que vinha fazendo ao seu trabalho, pôs-se a fustigar a Polícia Federal pelos vazamentos das apurações sob sigilo de Justiça na Operação Xeque-Mate, motivados, segundo ele, por brigas políticas internas. Deixou ainda no ar a queixa de que os investigadores atraíam a imprensa menos para o cardume de pintados colhidos na sua rede do que para o lambari Vavá, que se distinguiria dos demais do gênero apenas pelo parentesco, fazendo dele um assunto especial para policiais e jornalistas. No dia seguinte, o ministro da Justiça, Tarso Genro, apressou-se a sair em defesa do órgão, minimizando as estocadas presidenciais.
Nesse mesmo dia, porém, Lula perdeu o pé de vez e tornou a proporcionar um espetáculo confrangedor como aqueles de que parecia curado. A recaída foi um sintoma inequívoco da dificuldade de manter o autocontrole em face de uma situação adversa. A ocasião - o lançamento do Plano Nacional de Turismo - tinha tudo para ser amena. Mas o presidente dela se valeu, surpreendendo a audiência, para fazer um delirante ataque aos meios de comunicação que desestimulariam o brasileiro a passear, por não publicarem “nada de bonito” sobre o País. “O que a gente vê de bonito na imprensa brasileira? Quais são as mensagens que nos provocam a viajar no final de semana?”, perguntou. “Se fala de Pernambuco, é morte, se fala do Ceará, é morte, se fala da Bahia, é morte.”
Pela enésima vez, portanto, a imprensa é execrada por contar a verdade - no caso, a verdade da violência urbana, que tende a induzir as pessoas a ficar em casa, e ainda, dramatizou Lula, a ver se não há ali uma fresta, “para não vir bala perdida”. O que queria o presidente que a imprensa fizesse ao contemplar o retrato oficial da insegurança que atormenta o cotidiano dos brasileiros pintado por ele? Quem sabe sugerir ao povo que “relaxe e goze”, na linha do conselho dado por sua ministra Marta Suplicy às tresnoitadas vítimas do apagão aéreo? Ou quem sabe o ideal de Lula seja uma imprensa “democratizada”, como não se cansa de pregar o ex-ministro José Dirceu?
Essa não foi a única derrapagem do presidente que pode ser atribuída ao fator Vavá. Depois de investir contra a mídia, ele resolveu se entregar, relaxado, a uma modalidade de humor mais apropriada aos domingões televisivos - ou às chanchadas como as que consagraram Oscarito e Mesquitinha - do que a uma solenidade palaciana, mesmo na era do lulismo.
Querendo explicar por que “sair de casa é efetivamente um estado de espírito”, imaginou cenas do que seria a vida familiar de um brasileiro típico, descritas com expressões como “amorzinho”, “bota o cuecão”, “dá um coice”. No fim, o marido, que não foi devidamente motivado para viajar, ficou vendo televisão e brigou com a mulher, é punido pelo genro que chega e “já toma a cerveja gelada dele”.
Pode-se supor que até um incidente banal na cerimônia - sentado entre a ministra Marta e o presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, ele deixou cair um copo com água, molhando o terno - foi provocado pela mesma agitação interna que o levou a cometer o duplo despropósito de responsabilizar ora a imprensa, ora a suposta acomodação do homem brasileiro pelo insuficiente turismo doméstico.
De todo modo, escavando um pouco mais a fundo a questão das reações do presidente, para além das suas causas circunstanciais, se chegará a uma conhecida - e deplorável - característica do seu modo de ser como governante - a de sempre transferir a outrem a culpa pelo que não vá bem no governo ou no País.
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