por Dora Kramer
A manifestação amena, “republicana”, do presidente Lula ao indiciamento do irmão Genival Inácio da Silva pela Polícia Federal, por tráfico de influência e exploração de prestígio, fugiu ao padrão da reação presidencial à implicação de amigos, aliados ou correligionários em malfeitorias, brindados com cheques em branco, defesas veementes, referências de carinhosa ironia e até elogios incongruentes com as ações cometidas.
Não ocorreu por acaso e guarda relação com a demora da manifestação de Lula, oficialmente atribuída ao fuso horário em relação à Índia, onde estava o presidente, e até a um atraso de comunicação por parte do ministro Tarso Genro.
Lula, na realidade, obedeceu a uma rigorosa estratégia de comunicação preparada com antecedência. As peripécias de Vavá já eram conhecidas do público há dois anos, quando se soube que tinha um escritório de lobby para atuar junto aos poderes públicos municipais, estaduais e federal.
Como o fato foi divulgado pela imprensa, o presidente da República alegou ausência de provas, mandou sua assessoria divulgar que havia repreendido o irmão e deu o dito pelo não dito. A oposição pediu investigações, mas a tropa governista invocou o princípio do “respeito à família” do presidente, travestindo de privado o que era de caráter público, como se tenta fazer no caso do presidente do Senado, Renan Calheiros.
Agora, diante do irremediável - a constatação do fundamento das denúncias publicadas pela revista Veja em 2005 -, os estrategistas da comunicação palaciana optaram pela limonada: se não pode ser defendido, que Vavá seja um troféu do combate sem trégua do irmão presidente à corrupção.
Esse tipo de tática prospera porque entre nós a impessoalidade é peculiar, quando deveria ser regra e não motivo de homenagem.
Como não há implicações passíveis de atingir pessoalmente o presidente, para Lula não há nenhum prejuízo político à vista. Quando houve possibilidade de resultados de investigações passarem perto do gabinete presidencial, sempre se deu um jeito de transpor obstáculos. O exemplo mais recente e eloqüente foi o caso do dossiê antitucano, envolvendo personagens do comando da campanha presidencial com motivação explícita.
A Polícia Federal anunciou diversas vezes que a identificação da origem do dinheiro para pagar o dossiê estava próxima, mas o inquérito foi encerrado sem nenhuma explicação nem questionamentos à proverbial competência da PF.
No episódio Vavá não há nenhum risco direto ao presidente. Ao contrário. É possível até que venha a obter solidariedade até de adversários interessados em pôr sob suspeição a PF, movidos pelo sentimento de insegurança com a sensação de que se até o irmão do presidente sofre com ações policiais ninguém está livre de dissabores semelhantes.
Antes que ganhe corpo esse tipo de reação, é preciso lembrar que, salvo exceções muito pontuais resultantes de açodamentos e equívocos, querubins não são molestados pela polícia. Todos os que foram alcançados pelas ações da Polícia Federal até agora tinham contra si pelo menos indícios fortes de crimes.
Quanto ao presidente da República e seu irmão, poder-se-ia, é verdade, cobrar de Lula o exercício do controle de condutas dentro da própria família.
Mas seria perda de tempo, já que dentro do governo e do partido ao qual é filiado e do qual foi fundador seu alegado desconhecimento a respeito de tudo o que de errado ocorre dá a medida da indiferença de Lula pelo que se passa à sua volta e as pesquisas de opinião atestam que a complacência e a ausência de controles têm ampla aceitação.
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