18.6.07

Ópera-bufalina

- Todo mundo sabe que o julgamento do presidente do Senado, Renan Calheiros, é uma farsa do início ao fim, um jogo de cena para absolvê-lo. Mas a impostura protagonizada pelo Conselho de Ética mudou de patamar após as revelações do "JN", na última quinta.
O "rei do gado" ficou reduzido em minutos à figura do "fazendeiro do ar". O neocoronel das Alagoas se viu obrigado a arranjar às pressas uma história verossímil para lastrear seus "bois fantasmas" -muuuuu!!!
Cada desculpa de Renan cria um novo constrangimento, complicando-o mais um pouco. No início, precisava explicar o amigo do dinheiro (ou o dinheiro do amigo); agora, tem de justificar o tamanho de seu patrimônio. Nada disso, porém, parece abalar a fé do Conselho de Ética na inocência do senador.
Chama a atenção, desta vez, a falta de cerimônia, a ausência quase total de dissimulação, a dispensa de máscaras, a desfaçatez com que senadores se desdobram por Renan. Na ópera-bufa -ou bufalina- que o conselho encena, há menos teatro parlamentar do que espetáculo descarado de compadrio.
Renan foi eleito acomodando interesses, aparando arestas, desfazendo inimizades. Ninguém gostaria de destroná-lo. Além disso, da moça à empreiteira, ele sabe que sua agenda paralela tem a solidariedade de seus pares.
Estamos diante de um caso exemplar: da velha cordialidade entre iguais (a rede de proteção mútua criada pelos parlamentares) ao vínculo promíscuo do chefão político (Renan) com o lobista-amigo (Gontijo); da indistinção originária entre o público e o privado ao enredo machista que logo fez o acusado de vítima (Renan) e estigmatizou a mulher (Mônica), cuja imagem passou a oscilar entre "oportunista" (versão polida) e "vagabunda" (versão consagrada); do vai-e-vem entre os exemplos de mandonismo e os ápices burlescos da defesa do senador -tudo, enfim, neste episódio nos parece muito repulsivo e muito familiar. Não é sempre que se reúnem, assim concentrados, tantos ingredientes dos vícios nacionais.

FERNANDO DE BARROS E SILVA na Folha

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