Roberto Pompeu de Toledo para Veja
Os estilos são opostos. Um é contido, ascético. Nunca ri. O outro é expansivo, no verbo e nos gestos. O primeiro é até enfadonho, na fisionomia impassível e no discurso monocórdio. O outro faz discursos que parecem performances de artista. Os dois são senadores: Jefferson Péres e Pedro Simon. Na política brasileira, do que mais se fala é de pessoas com reputação dúbia e intenções suspeitas. São os personagens predominantes, que se vai fazer? Abramos uma exceção, por uma vez, para falar de homens bons. Jefferson Péres e Pedro Simon, opostos até na geografia – um é do Amazonas, o outro do Rio Grande do Sul –, compartilham a condição de representar, no problemático panorama da política brasileira, as mais destacadas personificações de homens corretos.
A imagem do Senado, nestas últimas semanas, congelou no espetáculo de degradação encenado na comissão perfidamente chamada "de Ética". Muitas foram as crises do Legislativo brasileiro, mas poucas com a característica tão marcante de levar junto a própria instituição. Ao caso do senador Renan Calheiros, suas contas mal explicadas, seus bois, o recurso ao amigo lobista para acertar as contas com a parceira com quem teve uma filha, somava-se o cerrado cordão protetor formado pelos Romero Jucá, pelos Epitácio Cafeteira, pelas Ideli Salvatti – e isso era "o" Senado. Seguindo o modelo-padrão dos escândalos políticos, desde o Watergate dos americanos, logo o acobertamento tomava mais vulto do que o fato que lhe deu origem. O acobertamento tendia a virar crime maior do que a denúncia primitiva. E o acobertamento, uma ampla e complexa operação em que se acumpliciavam dirigentes da Casa, líderes partidários e outros notáveis, era "o Senado". A crise se transferia da figura de Renan Calheiros para a instituição. É nesse momento que se olha para o lado e – epa – se percebe que Jefferson Péres e Pedro Simon estão em outra.
Desde o primeiro momento, eles estiveram em outra. Os dois, desde a denúncia, nesta revista, de que um lobista de empreiteira pagava contas pessoais de Renan Calheiros, defenderam que era preciso investigar. É uma coisa de palmar simplicidade. Há uma denúncia, claro que se tem de investigar. Mas ser a favor de investigar converte-se em algo excepcional quando se percebe que, ao redor, há uma esmagadora pressão para não investigar. No mesmo momento zero da atual crise, tanto Jefferson Péres quanto Simon defenderam que Renan devia deixar a presidência do Senado enquanto se investigava. Outros senadores, poucos, adotaram depois a mesma posição. Há outros homens bons no Senado. Mas a primazia foi de Péres e Simon. E nem se esperava outra coisa deles. Eles têm uma linha e a seguem. Foi assim neste como em todos os casos anteriores. Eta homens diferentes.
Pena que Jefferson Péres esteja em marcha batida para a desilusão. No meio da crise do mensalão, anunciou que não vê como a política brasileira possa tomar jeito, e que por isso encerrará a carreira em 2010, quando termina seu mandato. Simon é capaz de descrever sua condição solitária com bom humor. Numa entrevista a Carlos Marchi, do Estado de S. Paulo, na semana passada, contou que não é mais indicado para o Conselho de Ética desde que o senador Ney Suassuna virou líder do PMDB, na legislatura passada. "Eu aceitei com humildade, porque o Suassuna, com seu espírito de modernidade, achou que estou superado, com meus 75 anos. Eu defendo umas teses que não são muito atuais – ética, moral, essas coisas. Para o Suassuna, isso é coisa superada." Suassuna, lembre-se, viria a ser tragado no escândalo chamado "dos sanguessugas".
Os sanguessugas do penúltimo escândalo safaram-se. Sobrou o sangue. A moda agora é falar em sangue, nas crises políticas: "Renan sangra", repetia-se. "O Senado sangra", acrescentava-se. Renan falou em vísceras. "Estou com as vísceras à mostra", disse, insistindo no truque malandro de pintar como invasão da vida pessoal uma denúncia que diz respeito à sua atuação pública. Já que é para recorrer a termos médicos...
O médico Aloysio Campos da Paz, idealizador e cirurgião-chefe da Rede Sarah de Hospitais, referência internacional na reabilitação de pacientes com problemas de locomoção, escreveu na semana passada um texto em que resumia assim sua filosofia de trabalho: "Existe uma dicotomia que contribui perversamente para impedir a reabilitação de pessoas que apresentam alguma forma de incapacidade: os médicos julgam os doentes a partir do que a doença lhes fez perder; do que deixou de existir. A verdadeira reabilitação avalia o doente pelo que lhe restou, pelo seu potencial, por onde há espaço para investir". No caso desse organismo doente que é o Senado, Péres e Simon representam o que restou de intacto. Neles, ainda ressoa com o antigo e respeitável significado a palavra "senador". Talvez o exemplo que oferecem ainda sirva para iluminar um caminho para a atividade parlamentar. Ou talvez não. Talvez seja excesso de otimismo. Nesse caso, fica o registro de suas atuações, e a homenagem.
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