Desde o desastre aéreo que matou 154 pessoas em setembro do ano passado, o caos nos aeroportos virou uma crise crônica. De lá para cá, cenas de filas intermináveis de passageiros à espera de vôos cancelados ou em atraso já se repetiram uma dezena de vezes. Na semana passada, a baderna voltou a dar o ar de sua graça. Controladores de vôo em Brasília, de onde é monitorada a maior parte do tráfego aéreo do país, fizeram uma operação tartaruga, alegando falhas nos equipamentos. Causaram atrasos de até 24 horas, cancelamento de quase 20% dos vôos em alguns períodos e até o fechamento temporário dos aeroportos no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. A diferença, agora, é que o apagão aéreo se misturou com a quebra cada vez mais ostensiva da hierarquia militar. Em meio à balbúrdia dos controladores, a Aeronáutica anunciou a prisão de um líder do movimento, o sargento Carlos Trifilio, provocando acirramento do confronto entre controladores e oficiais. "Há um clima de guerra entre eles. Não existe mais respeito, não há mais comando", diz o deputado Vic Pires Franco, membro da CPI do Apagão Aéreo, que visitou as instalações do Cindacta 1, onde trabalham os controladores de Brasília.
A Aeronáutica afirma que Carlos Trifilio será preso por dois motivos. Primeiro porque usou, durante oito minutos, uma linha telefônica interna exclusiva do controle de tráfego aéreo para fazer mobilização sindical, o que é proibido pelo Código Militar. O outro motivo é uma entrevista que o sargento deu, sem autorização superior, a uma revista mensal, Universo Masculino, na qual promete fazer novas paralisações, afirma ser espionado pelos militares e critica a formação e o nível profissional dos controladores. "As pessoas são atraídas pela estabilidade no emprego militar. Entra qualquer um. Eu tenho controlador gago, tenho controlador surdo." Contra o sargento tramita ainda um processo na Justiça Militar no qual é acusado de favorecer pousos e decolagens de uma companhia aérea. Em troca, ele teria recebido passagens para uso pessoal e o de seus familiares. Seu advogado, Tadeu Corrêa, disse que vai recorrer da prisão sob a alegação de que seu cliente não teve direito a defesa. Entre os militares, o recurso judicial para reverter decisão superior é considerado um ato de insubordinação.
A deterioração das relações entre subordinados e superiores na Aeronáutica é resultado de equívocos do próprio governo. Em outubro de 2006, quando os controladores fizeram suas primeiras manifestações, os ministros Waldir Pires, da Defesa, e Luiz Marinho, do Trabalho, negociaram diretamente com os líderes do movimento. A cúpula da Aeronáutica não gostou de ver insubordinados recebendo a atenção de ministros. Em março passado, a situação piorou. Controladores pararam o país e se amotinaram. Mesmo assim, os rebelados em Brasília foram brindados com a visita do ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, que não apenas disse que seriam atendidas suas reivindicações – basicamente, desmilitarização do setor e aumento salarial – como chegou a desautorizar a Aeronáutica a puni-los pela insubordinação. Os comandantes das três forças se uniram e emparedaram o presidente Lula, fazendo-o voltar atrás nas promessas, sob pena de criar uma crise militar mais grave. Com isso, a cúpula da Aeronáutica recuperou seu poder, mas saiu desmoralizada diante dos controladores. Hoje, no Cindacta 1, por exemplo, os controladores nem se dão ao trabalho de bater continência para os superiores.
O que se vê nos aeroportos é conseqüência do acirramento e da insubordinação, deixando evidente que os controladores estão usando seu poder para sabotar o tráfego aéreo e, quem sabe, obter as vantagens que desejam. A prisão de Carlos Trifilio é um sinal de que os militares estão dispostos a endurecer. "Essa prisão foi a primeira de uma série. Cansamos de diálogo. Não dá mais para negociar", afirma um oficial da Aeronáutica. De fato, na manhã de sexta-feira, outro controlador teve sua prisão decretada por insubordinação. Moisés Gomes de Almeida vai passar dez dias preso por ter dado entrevista à rádio CBN sem autorização superior. A Aeronáutica planeja ainda afastar do trabalho todos os controladores que vierem a se insubordinar. Catorze deles já foram afastados.
Na mesma manhã, o presidente Lula fez uma reunião com o ministro Waldir Pires, da Defesa, e o comandante da Aeronáutica, o brigadeiro Juniti Saito. Foi um encontro tenso. Pires voltou a defender a desmilitarização do setor. Saito irritou-se com a proposta do ministro, disse que não permitiria novas quebras da hierarquia militar e ameaçou entregar o cargo caso Lula autorizasse negociações entre um ministro civil e os controladores militares. Ao final, Lula arbitrou a disputa em favor do comandante da Aeronáutica, dando carta branca para que a cúpula militar jogue duro com os insubordinados. Um mínimo de respeito e hierarquia é necessário em qualquer ambiente de trabalho, mais ainda se for um ambiente militar. Seria útil se o governo percebesse de uma vez por todas que abrir mão da disciplina entre militares é um precedente perigoso sob qualquer ponto de vista. Não apenas para o funcionamento dos aeroportos.
Otávio Cabral para Veja
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