30.6.07

O Mercosul e Chávez

A maior parte da conta ficou de novo para o Brasil, na reunião de cúpula do Mercosul, em Assunção, encerrada na sexta-feira. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou na noite anterior com um mimo para o presidente paraguaio, Nicanor Duarte Frutos: a Medida Provisória 380, destinada a regularizar a atividade dos sacoleiros, principais clientes do comércio de Ciudad del Este, vizinha de Foz do Iguaçu. Horas antes, chanceleres e ministros de Fazenda haviam aprovado a criação de um fundo para financiamento de pequenas e médias empresas do bloco. É fácil adivinhar de onde sairá a maior parte do dinheiro. Em contrapartida, o Paraguai vetou a aprovação, na conferência de cúpula, de uma tarifa comum mais alta para conter a invasão de sapatos e roupas importados da China. O assunto ficou para depois. Além disso, o presidente brasileiro teve de ouvir um discurso do boliviano Evo Morales contra a produção de etanol - um dos programas defendidos com maior empenho pelo governo brasileiro. Morales não teve o cuidado, sequer, de escolher palavras macias. “O senhor Castro”, disse ele, citando o presidente cubano, “advertiu contra a sinistra idéia de converter alimentos em combustível.”
Editorial Estadão

O coronel Hugo Chávez, da Venezuela, outro guru do presidente boliviano, também brilhou em Assunção, embora tenha faltado à reunião para visitar a Rússia, a Belarus e o Irã. O vice-presidente venezuelano, Jorge Rodríguez, esbravejou contra os “grupos da direita reacionária” contrários à incorporação de seu país no Mercosul. Um dia antes, o vice-ministro venezuelano de Relações Exteriores para a América Latina e o Caribe, Rodrigo Sanz, havia sido mais explícito, condenando a Confederação Nacional da Indústria (CNI) por sua resistência à admissão da Venezuela como sócia do bloco. A CNI protesta contra o ritmo de liberalização comercial pretendido pelo governo venezuelano. Além disso, alerta para o perigo de subordinar à opinião de Chávez qualquer negociação do Mercosul com as grandes potências.

O governo da Venezuela não ficou sozinho em sua investida contra os industriais brasileiros. Teve o apoio do assessor especial para Assuntos Internacionais do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia. Segundo Garcia, o governo leva em conta a opinião dos empresários e dos sindicalistas, mas deve zelar, antes de tudo, “pelo interesse nacional”.

Nesse caso, é difícil dissociar o interesse nacional dos objetivos apontados pelos dirigentes e técnicos da CNI e também da Fiesp. Eles não estão pedindo medidas protecionistas, freqüentemente passíveis de contestação. Também não estão pedindo favores ao Tesouro Nacional. Estão simplesmente chamando a atenção para dois pontos: 1) o governo venezuelano pretende condições e prazos muito diferenciados para ajustar seu país às normas do Mercosul; e 2) o Mercosul precisa de maior integração no mercado global, por meio de acordos bilaterais e inter-regionais, e não tem sentido sujeitar a diplomacia do bloco aos objetivos políticos de Hugo Chávez.

Essas opiniões são simplesmente sensatas. O comércio entre Brasil e Venezuela tem crescido sem depender de alianças políticas ou de acordos complexos entre os dois países. Poderá continuar em expansão com ou sem Mercosul, desde que o governo venezuelano não opte pela adoção de barreiras políticas.

Esses são os interesses comerciais e econômicos. Não há outros em jogo, neste momento, nem pode haver, se o governo brasileiro não estiver disposto a seguir o presidente Chávez na escolha de seus desafetos. Se esse for o caso, o presidente Lula e seus assessores devem explicar ao público brasileiro, com urgência, sua concepção de interesse nacional.

O presidente Lula disse em Assunção ser preciso fortalecer o Mercosul como “interlocutor internacional”, especialmente se fracassar a Rodada Doha de negociações internacionais. De fato, ou se prepara o bloco para negociar com os parceiros mais importantes ou o melhor será dissolver a união aduaneira e retornar à condição de zona de livre-comércio. Nesse caso, cada qual ficará livre para se entender com quem quiser, sem ter de levar em conta uma tarifa externa comum.

A incorporação da Venezuela não contribuirá para o fortalecimento do bloco para essa finalidade, a não ser que o grande objetivo venha a ser a negociação de acordos Sul-Sul. Dado o lamentável currículo da diplomacia petista, essa hipótese não é totalmente descartável.

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